STF quer pôr freio em superlotação de cadeias
Redação DM
Publicado em 30 de junho de 2016 às 21:32 | Atualizado há 9 anosHá muito tempo juristas, advogados que defendem usuários de drogas debatem o desatino que é prender um dependente químico como se fosse ele traficante. Atirar em cadeias superlotadas pessoas que deveriam estar em tratamento psiquiátrico somente agrava o problema, além de contribuir com a superlotação dos presídios. Tudo indica que esta situação irá mudar.
Decisão do STF, na última quarta-feira (29/06), estabelece que tráfico cometido por réu primário e sem ligação com organização criminosa não é crime hediondo, e assim o condenado poderá cumprir pena em casa se não houver vaga em presídio. Não é pouca coisa, pois 27% dos presos no Brasil respondem por tráfico, sendo que se considerarmos somente as mulheres presas esse número sobe para 64%, segundo relatório divulgado em 2014 pelo Ministério da Justiça.
Em sua página na internet, “O Cafezinho”, o jornalista Miguel do Rosário comentou esta nova interpretação do Supremo Tribunal Federal sobre este tema: “O STF tomou duas decisões animadoras para quem luta por um sistema prisional digno e contra a hipertrofia do Estado policial”.
Miguel do Rosário salienta que, apesar de ter um histórico de respeito à visão garantista da Constituição, especialmente na primeira década do século 21, nos últimos anos o STF vinha mudando seu entendimento em julgamentos importantes, como o do mensalão, no qual a presunção de inocência foi solenemente ignorada em nome de uma aplicação esdrúxula da teoria do domínio do fato. A decisão, tomada em fevereiro deste ano, no sentido de permitir que condenados por crimes possam começar a cumprir a pena após a decisão de segunda instância, foi mais um indício da mudança de rumo do STF, tendo sido considerada por criminalistas como o enterro do garantismo no Brasil. As decisões dos últimos dias 23 e 29 rompem essa tendência de endurecimento penal.
Redução na superlotação
A decisão de não considerar crime hediondo o tráfico cometido por réu sem antecedentes criminais pode fazer com que 40% dos mais de 600.000 apenados do Brasil tenham direito à progressão da pena. Muitas dessas pessoas são presas desarmadas e sem a prova material do tráfico: dependendo da interpretação do delegado, basta a posse de uma certa quantidade de droga e de dinheiro para o cidadão ser considerado traficante.
Após o “flagrante”, o próximo passo normalmente é a pessoa ser jogada em uma das celas superlotadas dos deploráveis presídios brasileiros, especialmente se for negro e/ou pobre, absoluta maioria da população carcerária em nosso País. No presídio, o novato é cooptado facilmente pelos grupos criminosos e a ressocialização já se torna quase impossível.
Quantos meninos e meninas das periferias ainda terão a vida destruída por conta da estupidez do nosso sistema penal? Para a sociedade, o efeito também é devastador, uma vez que o clichê de que os presídios são escolas do crime não é apenas retórica, mas realidade patente.
Juiz defende mudanças
O discurso conservador de que o endurecimento do sistema penal é melhor para a sociedade ofende a lógica mais básica, portanto. O juiz Marcelo Semer é um dos defensores da mudança na lógica do encadeamento.
Juiz de Direito em São Paulo, Marcelo Semer é escritor e e ex-presidente da Associação Juízes para a Democracia. Em artigo publicado no seu blog “Sem juízo”, ele afirma que a ideia recorrente de que prisão deve ser transformada em um profundo sofrimento e mal-estar (como se atualmente fosse “um hotel cinco estrelas”) só aprofunda a precarização da situação carcerária.
Semer denuncia que “a imensa omissão do Estado na conservação dos direitos dos presos é o grande estimulador dos comandos internos, por meio dos quais líderes subjugam os mais fracos e vendem vantagens e proteções”.
Para Semer, superlotações de presos alimentam o crime organizado: “a prisionalização excessiva de jovens primários por crimes menos graves fornece, enfim, um enorme exército de mão de obra para vitaminar as facções. O crime organizado agradece”. “Em algum momento vamos compreender que a repressão desmedida não favorece a redução da criminalidade, só a aumenta. Que não seja tarde demais”, adverte.
Marcelo Semer avalia que as decisões do STF são um sinal de que o Supremo voltou a ser um garantidor dos direitos fundamentais previstos na Constituição. Ele acredita que esta nova doutrina possa possibilitar casos como o do preso Lincoln Gonçalves Santos, que viveu sete anos, 26 dias e 12 horas na cadeia, mas resolveu mudar o rumo de sua vida ainda no cárcere, quando matriculou-se no curso de Direito da Univali (Unviersidade do Vale do Itajaí), em Santa Catarina. Na sexta-feira passada (24), apresentou seu TCC (trabalho de conclusão de curso). Na banca, havia uma pessoa inusitada: a juíza que permitiu que ele estudasse. Em 2008, Denise Helena Schild de Oliveira, de Florianópolis, aprovou a progressão de regime de Santos do regime fechado para o semiaberto, que permite que a pessoa passe o dia fora e volte à noite para a prisão.
Esta, segundo o juiz Marcelo Semer, é uma demostração clara de que o STF está no caminho certo e que ressocializar é o caminho.