Brasil

Querem, como Deus advertiu a Moisés

Redação DM

Publicado em 28 de junho de 2016 às 03:06 | Atualizado há 9 anos

Estes dias, precisamente no dia 16 de junho passado, escrevi aqui um artigo que reclama o fim do foro privilegiado, quando endossei a ideia do ministro Luiz Roberto Barroso de se criar uma vara criminal específica para concentrar os julgamentos dos felizardos detentores de privilégio de foro, tanto do STF quanto do STJ.

O STF é foro privilegiado para processar e julgar o presidente da República, seu vice, os membros do Congresso Nacional, seus próprios ministros e o procurador-geral da República; o STJ, por seu turno, julga governadores, desembargadores membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, dos Tribunais Regionais Federais, dos TREs, membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do Ministério Público da União que oficiem perante tribunais.

Mas o Congresso preocupa-se é com o STF, que julga deputados federais e senadores. Querem permanecer no Supremo, porque, de 1988 para hoje foram ali julgados/investigados mais de 500 parlamentares e só dezesseis foram condenados por lavagem de dinheiro, corrupção, peculato, lei das licitações, associação criminosa ou crime eleitoral, dos quais oito já cumpriram ou estão cumprindo pena, três recorreram e cinco foram beneficiados pela prescrição, porque o desaparelhamento do STF traz inevitável morosidade. Dos mais de 500 investigados/processados, sobram onze condenações, muitos anos depois dos fatos, tendo ocorrido dezenas e dezenas de prescrições. Para cada caso de condenação prescrevem entre oito e dez crimes. Tal não ocorre com os processos na Justiça de primeiro grau. E a pena de Moro prova isto.

De fato – como eu disse no citado artigo – o privilégio de foro é uma fábrica de prescrições e um caldeirão de impunidade, o que não deve absolutamente ser debitado aos  ministros, mas à elevada quantidade de processos que ali tramitam. O patente desejo de todos políticos é ficarem no STF, e jamais numa Vara Criminal Federal. Para se ter uma ideia, no mesmo período, enquanto Moro condenou mais de 100 pessoas a mais de mil anos de prisão, o STF, até agora, só conseguiu receber uma denúncia (contra Eduardo Cunha). O único julgamento de impacto, exatamente devido à falta de aparelhamento do Supremo para instruir processos, foi o do “mensalão”, que consumiu o tempo dos ministros por um ano, sete meses e onze dias, 69 sessões, resultando na condenação de 24 dos 40 denunciados. Estranhamente, só foram condenados ao regime fechado oito não políticos, pois 12 políticos ficaram no semiaberto, quatro tiveram penas restritivas de direitos, e os demais foram absolvidos.

É indisfarçável que existe uma escamoteada manobra do Congresso, capitaneada pelo presidente da Casa, para desestabilizar a Operação Lava Jato, principalmente depois que o STF mandou para o primeiro grau processos de figurões antes intocáveis, que perderam tal privilégio, e pessoas como Lula encontram-se cada vez mais sitiadas.

A recente prisão do ex-ministro Paulo Bernardo, escancarou o escândalo dos tais empréstimos consignados, mostrando que os pilantras não se contentam apenas com os milhões da Petrobras, mas também espoliam os míseros salários dos barnabés da ativa e os proventos de aposentados, que contraem um empréstimo justamente para pagar contas e tentar sobreviver.

E os nossos maus congressistas aproveitaram-se do episódio da busca e apreensão na casa do ex-ministro para se agarrarem a uma esfarrapada desculpa, com o fito de manter o privilégio de foro, alegando que a Polícia Federal não poderia ter feito a diligência num apartamento funcional ocupado por uma senadora, sem ordem do Supremo, porque o apartamento é ocupado pela senadora Gleisi Hoffman, detentora de privilégio de foro.

Quando a coisa ameaça ficar preta, juntam-se oposição e situação, em nome da autopreservação, para gritar. contra as tenazes da Justiça.  O problema é que os senadores, dos mais diversos partidos, poderão ser a Gleisi de amanhã, e por isto protestam contra a busca e apreensão no apartamento de “Narizinho”, como se a imunidade da senadora se estendesse ao seu cônjuge corrupto. Mas, tanto quanto o juiz Sérgio Moro, o juiz Paulo Bueno de Azevedo, que determinou a medida, teve a cautela de ordenar que não se apreendesse nada da senadora. Se a moda pega, certamente os parlamentares complicados na teia da corrupção irão esconder as provas de sua vilania na casa de deputados e senadores amigos. E no caso de Paulo Bernardo, ficou muito feio tentar esconder-se debaixo da saia de sua mulher.

Os petistas do Senado, numa conveniente solidariedade à colega, criticaram a prisão do ex-ministro, mas não abriram a boca para explicar o rombo na conta dos pobres consignados. E tampouco mencionaram que Gleise “Narizinho” Hoffman também é investigada pela Lava Jato.

Como se vê, enquanto atacam a Justiça, alegando que um juiz de primeiro grau não pode determinar medida que atinja congressista com privilégio de foro, eximem-se de comentar o que Paulo Bernardo roubou. O deputado Jerônimo Georgen (PP-RS) já comentou que “A prisão dá, cada vez mais, sinal de que tudo chegará no Lula”.  É questão de tempo.

A grita que se escuda na busca e apreensão e na prisão do ex-ministro no apartamento da senadora lembra a passagem de Êxodo 3:5, quando Deus advertiu Moisés, no monte Horebe: “Não se aproxime. Tire as sandálias dos pés, pois o lugar em que você está é terra santa”.

Talvez, parafraseando o texto bíblico, os “rabo-preso” do Congresso queiram deixar a advertência à Polícia Federal: “Não se aproxime! Este local é especial, pois seu ocupante tem foro privilegiado!”.

 

(Liberato Póvoa, desembargador aposentado do TJ-TO, membro-fundador da Academia Tocantinense de Letras e da Academia Dianopolina de Letras, escritor, jurista, historiador e advogado, [email protected])

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