Via crucis do mau caráter
Diário da Manhã
Publicado em 9 de junho de 2016 às 03:00 | Atualizado há 9 anosToda maldade segue uma trilha de sofrimento, para si e para terceiros. Mas a implacável lei da ação e reação, faz com que os que as cometem conscientemente recebam mais do que uma punição mental, mas, muitas vezes, a execração de suas próprias atitudes.
Imaginemos a aflição de Judas Iscariote, após o seu ato de traição contra Jesus Cristo, por conta de 30 moedas de prata. Tão amargo quanto o beijo no rosto do Cristo para o seu aprisionamento, depois da última ceia, foi o seu arrependimento posterior, que o levou à loucura e suicídio.
Marcus Junius Brutus (Roma, 44 a.C.), certamente não foi o primeiro traidor da história, mas foi o primeiro a se tornar famoso. Depois de lutar pelo Império Romano, comandado pelo seu pai adotivo, Júlio César, ele se uniu a outro traíra, o general Cássio Longinus, para tomar o poder. Não bastasse a traição, ele aceitou colocar em prática o plano de assassinar Júlio César. Ao ser golpeado no Senado Romano, César disse a famosa frase: “Até tu, Brutus?” Depois da traição, Brutus chegou a montar um exército para dominar o Império Romano, mas foi derrotado por Marco Antônio. Aí a consciência pesou e ele suicidou.
O português Silvério dos Reis (Brasil Colônia, século XVIII), para se livrar de dívidas com a Coroa, não hesitou em entregar o amigo Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes. O Mártir da Inconfidência Mineira foi enforcado e esquartejado. Além de ter suas dívidas perdoadas, o delator de Tiradentes ganhou uma pensão vitalícia do governo português e foi até mesmo recebido por Dom João. Eis um exemplo de traição “bem-sucedida”, similar às que acontecem e acontecerão por ai.
É certo que todo traidor é presumidamente inocente até que se prove o contrário. Mas quando o ato é evidenciado, descoberto e propagado, restam ao traidor justificativas ou, pelo menos, as tentativas delas, pois estas sempre estarão repletas de evidências que somente o expõem ainda mais. Querer se santificar de um dia para o outro revela pieguice.
Todos têm suas verdades. Alguns apelam para a religiosidade, mesmo que nunca a tenham tido, buscando frases de efeito para expor a bondade e seu “límpido espírito cristão”. Prega a unidade depois de plantar a discórdia; demonstra uma humildade franciscana, deixando para trás uma vida de arrogância, prepotência e ostentação. E, enfim, suas conveniências e atitudes buscam todos os subterfúgios para acoitar suas cretinices e malevolências.
Ninguém está acima do bem e do mal. Quando expomos a canalhice de determinados cidadãos, surge quem os defenda dentro de seus interesses – por conveniência e até mesmo por pena. Pedem-nos condescendência, paciência, tolerância, perdão etc., mas não se tocam de que o traiçoeiro pode ser um lobo transvestido em cordeiro. Errar é humano, aceitável e tolerável, mas quando há reincidência no erro, e o dolo é cuidadosamente planejado, o perdão é substituído pela devida punição.
Deve ser muito desagradável ser execrado pela sociedade, banido de seu emprego por ação judicial. O indivíduo fica sem moral para andar na rua de cabeça erguida e cumprimentar pessoas, pois maculou seu passado profissional com processos por prevaricação. Carrega consigo, estampada na testa, a marca da desconfiança e a pecha de traidor. Enfim, imaginemos o quão desagradável deve ser a vida desses delatores da operação Lava Jato e tantos outros esparramados por este País.
É preciso que se tenham zelo nas condutas. É necessário pensar que a suposta esperteza pode não passar por despercebida. Muitos podem ser maduros o suficiente para perdoar, mas não idiotas o bastante de confiar novamente.
Muitas das pessoas de má índole possuem uma inteligência mediana. Sabem apresentar bem justificativas de seus atos, que são planejados, cuidadosamente, para não deixar vestígios. Atropelam sem piedade. Usam a boa-fé das pessoas sem condescendência. Não existe respeito e a mínima gratidão pelo que lhes fizeram de bem. Acreditam nas suas mentiras e lutam para que se tornem verdades.
Há os que enganam. Há os que sabem e silenciam pelo medo, consideração, pena ou envolvimento. Há os que os evidiciam. Há os que caminham com o traidor por interesses, e há os que por necessidade os renegam. Há os que se distanciam, há os que os evitam. Há os que pagam por sua distância Há os que colocam a razão à frente do sentimento e os evidenciam. Todo traidor precisa ser desmascarado, pois somente assim tornaremos mais difícil o seu papel na sociedade, onde atuam como sanguessugas, oportunistas e impiedosos.
Na obra do espanhol Miguel de Cervantes, temos a figura de Sancho Pança, que atua como personagem antagônico a Dom Quixote, que é sonhador e fantasioso, e Sancho Pança, realista e sério. Na medida em que o relato avança, Sancho, aos poucos, vai aceitando os “delírios” do cavaleiro de quem é o fiel escudeiro. Sancho Pança decidiu acompanhar Dom Quixote após este ter prometido que lhe daria a governança de uma ilha.
Nesta crônica, evidencio um determinado personagem, cujo desejo é mais do que uma governança e não há o mínimo de seriedade por parte do personagem. Esse fiel escudeiro e amigo esperava a retomada de seu poder de mando, onde pudesse reaver os feitos e ganhos de suas ações, muitas delas julgadas improcedentes. Pela sua má sorte e pouca inteligência não terá a governança. Restam-lhe as moedas de prata que poderão vir, por certo, de outra maneira. Que as aproveite bem e que possa, no futuro, até visitar Dom João e continuar sua sincera amizade com o cavaleiro solitário.
Não tenho dúvida que deve ser muito triste a vida de um traidor, caso exista nele uma centelha de consciência. Mais do que ser tachado, julgado e execrado, seus demônios do fracasso, dos insucessos e arrependimentos devem lhe significar uma tormenta constante. Que o digam os delatores da Lava Jato, traidores de nossa pátria. Que o digam outros traidores que nos cercam.
Dentro de nós existem vários demônios que nos atiçam. Mas se temos moral e respeito ao próximo (quanto estes o merecem), eles sempre são vencidos e expulsos. O desejo e o exercício de ser probo, honesto e respeitado põem sempre para correr o mal que pensamos e os atos que nos tornam vis. É bom que saibamos perdoar, mas aconselhável que saibamos não esquecer.
Planejei e prometi dez artigos ou crônicas com temas relacionados ao nosso cotidiano (promessa é dívida), temas estes que todos nós, de uma forma ou de outra, vivenciamos, decepcionamo-nos e nos aprimoramos. Este é o sétimo. Espero que tenham paciência para os outros três.
Até o próximo!
(Cleverlan Antônio do Vale, Administrador de Empresas e Gestor Público. Articulista do DM. Escreve todas às quintas neste periódico. [email protected])