Kátia Abreu pipocou na hora H
Redação DM
Publicado em 22 de maio de 2016 às 01:48 | Atualizado há 9 anos
Depois de transitar por alguns partidos de oposição ao petismo, liderar manifestações do setor agropecuário contra as invasões de terras e presidir a Federação da Agricultura do Estado do Tocantins e a poderosa CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), e tornar-se senadora pelo Tocantins, Kátia Abreu viu seu sonho de tornar-se presidente em substituição a Dilma ruir. E, ironia do destino, por quem ela dizia defender. Kátia pipocou na hora H.
Kátia Abreu nasceu por estas bandas goianas. Com a divisão de Goiás, escolheu Palmas, a capital do novo estado, para morar. Terras, ainda, baratas, ela virou fazendeira. Fala fácil, oradora capaz de provocar comoção nos ouvintes, Kátia pulou de partido como passarinho à cata de grãos perdidos no terreiro. Aliás, os partidos se multiplicam para abrigar as múltiplas tendências e atender o fisiologismo. E ela optou por essa mutação de caráter mais personalista.
E tudo isto é lamentável. Tem-se que olhar o todo. Numa hora que a sociedade cobra mudanças mais profundas, o próprio Temer sente-se desencorajado a reduzir o número de partidos. Quatro no máximo. O jogo pessoal deve ser colocado de lado. Entendemos a complexidade e a dificuldade pela execução desse propósito. Se o presidente em exercício atuar para fazer no processo de mudanças, talvez seu mandato se restrinja aos 180 dias. E, Dilma, assim voltaria ao poder. A salvação da lavoura, apesar das adversidades em trânsito, está na facilidade com que o presidente em exercício dialoga,é humilde. Dilma, ao contrário, é de pouca conversa e de estopim curto.
Mas, voltando ao tema da Kátia Abreu, entendo que a senadora tocantinense correu com sede ao pote. Se ela vinha representando um setor nobre da economia, o do agronegócio, com certa desenvoltura, perdeu-se numa hora que ouviu calada ameaças de invasão de terras. É bom lembrar que o setor do agronegócio representa 23% do PIB nacional. Apesar de tudo, há fartura na produção, o abastecimento interno está normal e o excedente é exportável.
Aristides Santos, secretário geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), abriu as baterias contra as propriedades rurais, em pleno Palácio do Planalto. Era a ameaça de guerra do dirigente classista aos agropecuaristas, que respondem com índices positivos numa economia em frangalhos e veem todo o seu patrimônio correndo o risco de correr pelo ralo. Kátia, que nunca levou desaforo para casa, calou-se. Não deu um chega pra lá no estranho no ninho dos produtores.
Para os seus antigos companheiros de ruralismo esse silêncio soou como um tapa na cara. Se ela correu o mundo através de novos mercados para os grãos, as carnes, as frutas e os lácteos e se empenhou arduamente no processo de desburocratização do Ministério da Agricultura, todos esses esforços foram água abaixo. O gesto de reprovação que os produtores mais esperavam de um basta em Aristides Santos morreu na praia. Então, de pouco adiantou nadar, nadar e nadar.
Kátia Abreu permanece como senadora. Dificilmente, contudo, poderá transitar pela bancada ruralista no Congresso Nacional. E mais difícil ficou, ainda, sua posição na Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), de onde se afastou na condição de presidente para ocupar as funções de ministra da Agricultura. Este cargo, aliás, a senadora foi convidada como cota pessoal da presidente Dilma Rousseff. Na hora em que o PMDB, partido de Michel Temer, rompeu com o governo de então, Kátia Abreu preferiu permanecer. Mesmo contrariando o partido. E mais grave, contrariando quem sempre lhe deu sustentação.
José Mário Schreiner, presidente da Federação da Agricultura e Pecuária de Goiás (Faeg) e vice-presidente da CNA, traduz bem o seu desapontamento e dos demais produtores. “Não deixará saudade”, ecoa o seu sentimento. Na verdade, Kátia ficou sem chance de voltar à Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil. O segmento do agronegócio está convencido de que ela deu na hora precisa “as costas” para toda a cadeia produtiva da agropecuária brasileira.
(Wandell Seixas, jornalista voltado para o agro, bacharel em Direito e Economia pela PUC-Goiás, ex-bolsista em agropecuária pela Histradut, em Tel Aviv, Israel, e autor do livro O Agronegócio passa pelo Centro-Oeste)