Opinião

Leis naturais e divinas

Diário da Manhã

Publicado em 10 de maio de 2016 às 02:49 | Atualizado há 9 anos

1

Só há três leis: da Na­tu­re­za, da Ló­gi­ca e da Con­sci­ên­cia. Da Con­sci­ên­cia: é o ser cós­mi­co. Que, pe­la ló­gi­ca, ao to­do se in­te­gra ou de­sin­te­gra-se.  Da Ló­gi­ca: é o ser ma­te­má­ti­co. Que, na na­tu­re­za, é o que se ga­nha, ou que se per­de. Da Na­tu­re­za: é o ser cí­cli­co. Que nas­ce e mor­re e, pe­la con­sci­ên­cia, sal­va-se ou con­de­na-se.

2

A es­te mun­do vim e tu­do vi e fiz de bom e de ru­im, pa­ra ven­cer. Des­te mun­do me vou sem ban­car o he­rói: ven­ci to­da ba­ta­lha por vi­ver. Mui­tas ve­zes ma­tei a mor­te pe­la vi­da, que nos ar­re­ba­ta e trai, por na­da. Qual­quer coi­sa se faz pe­la vi­da.

3

Que­res fu­gir da chu­va: não há sol. Que­res fu­gir da luz: não há som­bra. Que­res fu­gir da noi­te: não há cla­ri­da­de. Que­res fu­gir da mor­te, mas su­cum­be a vi­da.  En­tão, acal­ma-te e con­tem­pla a chu­va, o sol, a som­bra, a luz, até que os an­jos che­guem em teu so­cor­ro.

4

A tris­te­za avi­sa, a ale­gria não avi­sa. A tris­te­za diz: che­gou seu tem­po. A ale­gria de re­pen­te ba­te à sua por­ta. A tris­te­za e a ale­gria se re­ve­zam, mas não se co­nhe­cem: uma só re­ve­la sua fa­ce na au­sên­cia da ou­tra. Uma sem a ou­tra não exis­te: co­mo a vi­da, ora ale­gre ora tris­te.

 

Tu­do são leis a re­gu­lar nos­sos atos. As­sim co­mo há leis so­ci­ais, há leis na­tu­ra­is e leis es­pi­ri­tua­is, que re­gu­lam, res­pec­ti­va­men­te nos­sa vi­da em so­ci­e­da­de, nos­sa re­la­ção com a na­tu­re­za, nos­sas ati­vi­da­des do es­pí­ri­to. Deus es­tá na nos­sa con­sci­ên­cia que nos une co­mo par­tes de um to­do a ele que é prin­cí­pio e fim de to­das as coi­sas.

Quan­do trans­gre­di­mos qua­is­quer des­sas leis res­pon­de­mos pe­las con­se­quên­cias de nos­sos des­vi­os com­por­ta­men­tais. Se as leis hu­ma­nas são re­la­ti­vas e ad­mi­tem a ca­su­a­li­da­de, as leis na­tu­ra­is e es­pi­ri­tua­is são ab­so­lu­tas e nos sub­me­tem ao prin­cí­pio da cau­sa­li­da­de (da re­la­ção cau­sa e efei­to).

Deus fa­la aos se­res hu­ma­nos pe­las leis na­tu­ra­is ou di­vi­nas, por­que são imu­tá­veis. Pa­ra o ho­mem co­nhe­cer as leis di­vi­nas e da na­tu­re­za, são ne­ces­sá­rias mui­tas exis­tên­cias que lhe per­mi­tam de­sen­vol­ver por com­ple­to sua in­te­li­gên­cia e sua com­pre­en­são.

A en­car­na­ção por si só não é su­fi­ci­en­te pa­ra o ho­mem co­nhe­cer me­lhor as leis di­vi­nas, por­que a uni­ão da al­ma com o cor­po po­de tam­bém es­tar in­fluen­ci­a­da pe­los ins­tin­tos. Os es­pí­ri­tos su­pe­ri­o­res têm a mis­são de re­ve­lar à hu­ma­ni­da­de as leis di­vi­nas.

As leis di­vi­nas es­tão ins­cul­pi­das em to­das as coi­sas e já an­tes de Cris­to al­guns ho­mens ini­ci­a­dos pu­de­ram com­pre­en­dê-las, em­bo­ra seus en­si­na­men­tos não te­nham si­do com­ple­tos. Di­fun­dir o bem ge­ra­dor das bo­as ações é mis­são dos pro­fe­tas. Je­sus Cristo é o mo­de­lo per­fei­to de to­dos os pro­fe­tas.

Os es­pí­ri­tos não en­si­nam: fa­zem as pes­so­as com­pre­en­de­rem que o ca­mi­nho que le­va a Deus é do amor e da ca­ri­da­de. A ver­da­de é co­mo a luz, que nem sem­pre es­tá co­lo­ca­da ao al­can­ce de to­dos: mas to­dos de­vem bus­cá-la co­mo a lei que re­ge to­dos os fe­nô­me­nos.

O bem e o mal são co­mo o cer­to e o er­ra­do, co­mo a ver­da­de e a men­ti­ra. O limi­te en­tre o bem e o mal é acu­sa­do por uma voz in­te­ri­or. Há ma­les que vêm pa­ra o bem co­mo de­sa­fio pa­ra o cres­ci­men­to es­pi­ri­tual.

As di­fe­ren­ças en­tre as coi­sas, co­mo en­tre as pes­so­as, não im­pe­dem a sua uni­ão na re­ci­pro­ci­da­de e na so­li­da­ri­e­da­de. O ho­mem tem mai­or ou me­nor res­pon­sa­bi­li­da­de por seus atos, na me­di­da do seu co­nhe­ci­men­to do bem e do mal e con­si­de­ra­das as cir­cun­stân­cias.

A cul­pa pe­la prá­ti­ca do mal é pro­por­ci­o­nal ao co­nhe­ci­men­to de quem o pra­ti­ca. O mal re­cai so­bre quem o pra­ti­ca e du­pla­men­te so­bre quem o pro­vo­ca. Quem usu­frui do mal pro­vo­ca­do por ou­trem, in­cor­re na mes­ma cul­pa.

Mes­mo não le­va­do a efei­to, o de­se­jo do mal é re­pre­en­sí­vel. Não bas­ta evi­tar o mal, é pre­ci­so fa­zer o bem em seu lu­gar. Qual­quer um po­de in­cor­rer no mal, as­sim co­mo to­dos po­dem fa­zer o bem. O bem do ou­tro não con­sis­te em ofe­re­cer-lhe o su­pér­fluo, mas em pro­pi­ci­ar-lhe o ne­ces­sá­rio.

O ho­mem é pro­du­to e pro­du­tor do meio em que vi­ve, por is­so po­de evi­tar os ma­les que o cer­cam. Não há con­di­cio­na­men­tos tão ne­ga­ti­vos que não per­mi­tam ao ho­mem exer­cer as vir­tu­des.

Ca­su­a­li­da­de e cau­sa­li­da­de

Tu­do é cau­sa­li­da­de e só há fa­ta­li­da­de do ins­tan­te da mor­te, que é  ine­vi­tá­vel. A vi­da pe­ri­go­sa po­de ser cau­sa da mor­te es­co­lhi­da. Tal vi­da, tal mor­te. A mor­te é do cor­po, não do es­pí­ri­to. Não te­me a mor­te o es­pí­ri­to que es­tá pre­pa­ra­do pa­ra sua li­ber­ta­ção.

Os es­pí­ri­tos não se trans­mi­tem, mas se in­flu­en­ciam tal co­mo os pa­is em re­la­ção aos fi­lhos. Mas não há re­la­ção de cau­sa­li­da­de, co­mo do ti­po tal pai tal fi­lho, na clas­si­fi­ca­ção dos es­pí­ri­tos.

Não exis­te fa­ta­li­da­de no pla­no mo­ral: o es­pí­ri­to tem li­vre ar­bí­trio so­bre a es­co­lha do bem ou do mal. Não há es­pí­ri­to res­pon­sá­vel pe­las nos­sas es­co­lhas: to­dos so­mos con­se­quên­cias de nós mes­mos.

As exi­gên­cias da vi­da e do mun­do so­ci­al não exi­mem os se­res hu­ma­nos do es­for­ço de su­pe­ra­ção dos ob­stá­cu­los. Ca­da pe­ri­go é um avi­so do que se de­ve evi­tar e não um de­sa­fio do que se so­nha fa­zer. Quem ama o pe­ri­go ne­le pe­re­ce­rá.

A mor­te é ine­vi­tá­vel, mas são evi­tá­veis os aci­den­tes que nos acon­te¬cem no cur­so da vi­da, dos qua­is po­de­mos nos pre­ve­nir. Por exem­plo: vi­a­jar com so­no (cau­sa), dor­mir ao vo­lan­te (efei­to). Dor­mir ao vo­lan­te (cau­sa), ba­ter o car­ro (efei­to), e as­sim por di­an­te.

Os pe­que­nos in­ci­den­tes que pos­sam acon­te­cer são con­se­quên­cia de pe¬que­nos er­ros e não afe­tam o pla­no es­pi­ri­tual. Quei­mar o de­do, por exem­plo, po­de ser fru­to de im­pru­dên­cia: é um cas­ti­go pa­ra a ma­té­ria, não pa­ra o es­pí­ri­to.

Não há fa­ta­li­da­de, mas cau­sa­li­da­de, ou se­ja, re­la­ção de cau­sa e efei­to na vi­da es­pi­ri­tual, em que pa­ra ca­da es­co­lha con­ta o li­vre ar­bí­trio. Na vi­da ma­te­ri­al é que as cau­sas e os efei­tos po­dem es­tar fo­ra do al­cance e con­tro­le de nos­sa von­ta­de. O su­ces­so de uns e o fra­cas­so de outros no pla­no ma­te­ri­al cor­res­pon­de à sua ca­pa­ci­da­de de es­co­lha, mas não à es­ca­la de va­lo­res en­tre o bem e o mal.

O fu­tu­ro é con­se­quên­cia do pre­sen­te, as­sim co­mo es­te é con­se­quên­cia do pas­sa­do: os acon­te­ci­men­tos se de­sen­ca­dei­am no cur­so do tem­po, bem co­mo no cur­so da vi­da hu­ma­na, in­de­pen­den­te­men­te de nos­so pré­vio co­nhe­ci­men­to do vir a ser. O ser hu­ma­no não agi­ria se­gun­do a or­dem na­tu­ral, se ti­ves­se co­nhe­ci­men­to do fu­tu­ro.

O ser do ho­mem es­tá em mu­ta­ção con­tí­nua, é um es­tar-sen­do, um vir a ser que bus­ca um fim a ser atin­gi­do por seus pró­prios es­for­ços. Nes¬se sen­ti­do, o fu­tu­ro é me­ra pro­je­ção do de­se­jo do agen­te, não exis­te sem o seu agir.

 

(Emí­lio Vi­ei­ra, pro­fes­sor uni­ver­si­tá­rio, ad­vo­ga­do e es­cri­tor, mem­bro da Aca­de­mia Go­i­a­na de Le­tras, da Uni­ão Bra­si­lei­ra de Es­cri­to­res de Go­i­ás e da As­so­cia­ção Go­i­a­na de Im­pren­sa – E-mail: evn_ad­vo­ca­cia@hot­mail.com)

 

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