“Minha arte é o reflexo do absurdo”
Redação
Publicado em 10 de maio de 2016 às 02:38 | Atualizado há 4 meses
“Não acho que é o caminho retirar a presidente agora, se não houver realmente crime de responsabilidade. A gente sabe ainda pouca coisa, mas eu sei que quem quer entrar são as mesmas raposas políticas de sempre”. André Dahmer.
Em cartaz com uma exposição na Plus Galeria até o final de junho, o artista falou com o jornal sobre inspirações, processo criativo e política, claro. Confira!
Ele é fruto da internet, mas não tem WhatsApp. Encara a humanidade com a sensibilidade de um cronista sensível e capaz de despertar a sociedade do sono profundo, que, às vezes, a impede de decifrar o mundo. Porém, não lê jornais, muito menos assiste TV. È ainda um poeta que, apesar de ter portas abertas em grandes editoras, prefere lançar seus livros do estilo em pequenas editoras, com mais tempo e cuidado. Este é o quadrinista, artista plástico e poeta carioca André Dahmer, criador de tirinhas, como: Malvados, A Vida de Terêncio Horto, Rei Emir Saad, o Monstro de Zazanov , que ganharam o público, os livros didáticos e são publicadas nos maiores jornais do país – e do mundo – a exemplo da Folha de São Paulo, O Globo e LeMonde Diplomatique e do Portal G1.
Um pouco de sua visão crítica, mas poética do mundo contemporâneo recheada de irônia fina, a Plus Galeria, sob curadoria de Lydia Himmel, reuniu em uma exposição que fica em cartaz até o dia 30 de junho no espaço. Ao todo ela mostra 30 trabalhos. São originais em aquarela e nanquim e gravuras, que evidenciam a vertente mais poética da criação do artista e que o fizeram vencedor de três edições do Troféu HQmix (a mais importante premiação da área). Sobre a mostra, política, desenhos, modernidade até nostalgia, conversamos, por telefone, com este grande artista. Confira trechos da conversa a seguir!
ENTREVISTA ANDRÉ DAHMER
DMRevista: Esta é a sua primeira exposição em uma galeria de arte? O que o público pode esperar dela?
André Dahmer: Eu já fiz outras exposições, mas é primeira vez que eu faço de cartoon, charges, quadrinhos, apesar de entrarem outros desenhos de aquarela. A última foi, inclusive, em Belém do Pará, acho que tem um ano ou dois. Nesta mostra eu trago os originais mesmo. Como eu sou de 1974 eu ainda desenho em nanquim, caneta e papel. Tem muito das coisa que eu publico nos jornais.
DMRevista: Quando foi que sentiu que a arte seria o seu ofício?
André Dahmer: Todo mundo desenha, né? Desde criança, o desenho é nato. Uns continuam, outros não. Eu tive sorte de os meus pais me incentivarem muito quando criança. Não tem nenhum outro desenhista na família – meus pais são acadêmicos, inclusive. Eu comecei a fazer quadrinhos tarde, aos 27 anos, só na internet. Com o tempo minha página começou a ser muito lida, na época ainda não existia redes sociais, nem nada disso. E um dia me ligaram do “Jornal do Brasil”, que era um jornal do Rio de Janeiro, que não existe mais. Aí eu comecei a trabalhar lá, através do Ziraldo que era editor do “Caderno D”. Foi uma surpresa porque eu nem esperava que eu fosse trabalhar com quadrinhos.
DMRevista: Como é funciona seu processo criativo?
André Dahmer:Meu material de trabalho é o cotidiano mesmo. A gente vê muita coisa absurda e na verdade é meio que um reflexo deste absurdo. Eu faço muitos quadrinhos de costume, mas também faço muito quadrinho político, muito cartoon, muita charge das coisas que eu vejo no dia a dia. Eu acho que a matéria prima do meu trabalho são as pessoas mesmo. As coisas que acontecem no cotidiano.
DMRevista: Qual personagem mais se parece com você? É o Terêncio Horto?
André Dahmer:Todos eles são um pouco do que eu sou. Seria mentira dizer que não. Mas é uma mistura de tudo, sabe? Não tem nada de autobiográfico. É uma mistura do que a gente vive, das contradições do mundo, do eu vejo nos outros… A gente vive em um mundo tão maluco, que não falta matéria prima. Disse o Jaguar uma vez, que é cartunista também, que não queria que o mundo o melhorasse, ou que a gente tivesse uma boa política, porque senão ele perderia a matéria prima dele. Assim, seria mais fácil fazer cartoon no Brasil do que em qualquer outro lugar. Não que eu queira que o País continue na lama que está.
DMRevista: Além de artista dos desenhos você é também poeta. Como estas linguagens conversam entre si na sua obra. E quais são seus projetos futuros como poeta?
André Dahmer: Eu tenho um livro a caminho. Faço meus livros de poesia com editoras pequenas, sempre. Ao passo que o meu trabalho como quadrinista sai pela Companhia das Letras, que é uma editora grande. Enfim, já tenho três livros com eles e eu tenho muito material, porque eu trabalho diariamente em dois jornais. Mas fazer poesia, fazer música é muito parecido com desenhar. Eu sinto que é a mesma coisa, não é difícil, trabalha com a mesma área do cérebro. É o mesmo lugar de criação. Eu acho natural para mim. Eu não sei se posso comparar, mas é muito parecido com desenhar, viu?
DMRevista: Quais são suas maiores influências na poesia?
André Dahmer: Na poesia gosto muito do Manoel de Barros. Mas tem muita gente nova fazendo poesia que me encanta muito também, como a Ana Martins Marques. Já li quase tudo dos velhinhos: Drummond, Manoel Bandeira. Eu fico com Manoel de Barros, que é o mais importante. Na parte de desenho, eu acho que essa geração dos anos 80 foi muito importante para mim, como o Angeli, Laerte e Glauco. Eles são realmente os maiores. Eu considero o Angeli o maior chargista do Brasil e Laerte o melhor quadrinista. Tenho muito respeito pelo Larte, que já fez até prefácio de livro meu. Ele me ajudou muito que eu encontrasse o meu caminho, mas é só uma referência. Eu não posso copiar o que já foi feito. Meu trabalho é meu trabalho. Eu olho hoje em dia com ressalva, esse negócio de referência, mestre, eu estou mais desapegado disso, do quê nunca. Acho que nem tem esse negócio de discípulo e mestre. São meus iguais, acho que são pessoas que se esforçaram para fazer uma boa poesia, ou um bom quadrinho, sabe? E acho que o trabalho deles é importante para a gente saber que isso foi feito e o que mais você mais pode fazer?
DMRevista: Há vários produtos, como cinzeiro e caneca, baseados em seus personagens. Você é quem cuida destas coisas. É um bom empresário?
André Dahmer: Na verdade eu sou artista, vou muito mal como empresário. Tenho uma pessoa que cuida do meu trabalho, que entrega os quadros, os produtos… Ganho também com direitos do autor, para livros didáticos. Mas, o grosso do que eu ganho é como artista. Eu teria ganho mais dinheiro se eu tivesse sido um cara com tino comercial. Mas, o jeito que eu dei já dá para eu viver bem. Mesmo porque eu nem preciso de muito para viver. É claro que eu tenho duas filhas, moro no Rio de Janeiro, que é o lugar mais caro do mundo. Mas, o jeito que eu dei acho que consigo trabalhar sossegado. Nunca vou ser rico, nunca vou ser um Maurício de Sousa e licenciar um monte de coisas. Não tenho nenhuma uma crítica em relação a isso, cada um faz o que quer, mas eu, certamente, não serei isso.
DMRevista: Tendo em vista o cenário político atual, que papel você acha que a internet vem prestando para a nossa história?
André Dahmer:Eu acho que a internet também desinforma tanto como a TV, sabe? Ela também tem um lugar de informação importante, mas tem muita desinformação. Eu não sei, porque a gente está passando por um período delicadíssimo. Não acho que é o caminho retirar a presidente agora, se não houver realmente crime de responsabilidade. A gente sabe ainda pouca coisa, mas eu sei que quem quer entrar são as mesmas raposas políticas de sempre. Que tão no país governando há 20, 30 anos e não resolveram nada. Então eu tenho muito medo desse movimento que está acontecendo agora, porque não vejo que a saída pode ser o Temer ou pelo Eduardo Cunha (que no dia da entrevista ainda não havia sido suspenso da presidência da Câmara). Olho com muita desconfiança, viu? Mesmo com toda restrição que eu faço ao governo, que não tem sido um bom governo. Mas acho que a gente tem que esperar as eleições de 2018, como todo republicano, como todo democrata. Eu também não gosto do governo, mas eu sei esperar. Espero que a gente vote melhor em 2018, mas eu quero que as coisas fiquem dentro da legalidade das instituições. Eu torço para que a gente saia desta para uma melhor, mas eu não vejo a gente indo para o caminho certo não.
DMRevista: Pegando o gancho das tirinhas de “Quadrinhos dos anos 10”. Do que você mais sente saudade, que a modernidade fez sumir?
André Dahmer: (risos) De muita coisa. A gente tá vivendo essa era da informação. Eu sinto falta da calma, da paz que a gente tinha de não receber tanta mensagem, informação e desinformação. Eu sou uma pessoa que não tem WhatsApp e uso com muita parcimônia o Facebook (vou lá, coloco minhas tirinhas e vou embora). É um lugar de muita neurose, de muitas pessoas reclamando muito ou dizendo que estão muito felizes e não estão. Existe uma obrigação da felicidade. E uma obrigação de se informar todo dia e ser informado. Eu não assino mais jornal impresso não vejo TV, eu preciso disso, inclusive, para poder viver , sabe? Ter uma vida mais tranquila. Você sabe que só quem recebia essa quantidade de mensagem de WhatsApp eram pessoas muito famosas, muito conhecidas e assediadas? E hoje em dia qualquer pessoa é bombardeada por este número enorme de mensagens. Eu considero isso uma doença da humanidade, mesmo.
Serviço
Exposição de André Dahmer
Visitação:
Até 30 de junho
Plus Galeria (Rua 114, nº 70, Setor Sul, Goiânia-GO)
Informações:
(62) 3278-2582
Entrada franca