Cultura

“Ser forte para ser útil”

Redação DM

Publicado em 6 de maio de 2016 às 03:28 | Atualizado há 5 meses

O DmRevista de hoje traz ao leitor uma conversa com Luiz Fernando Oliveira e Gustavo Afonso, fundadores do Grupo Parkour Goiânia, que desde 2008 reúne adeptos do parkour e conta com um rico acervo de vídeos que narram a evolução do projeto. A oportunidade surgiu depois que escrevi uma matéria superficial sobre tema, publicada nesta segunda-feira. Com mais tempo e com a paciência dos veteranos, pude compreender a amplitude da prática, que vai além dos saltos emocionantes que agitam os filmes de ação.  O parkour sustenta-se no lema “ser forte para ser útil”. Nas palavras de Luiz Fernando, “quando você diz que treina parkour e vê alguém que precisa de ajuda, seja lá qual for, ao escolher não ajudar você nega todo o treino”.

Nessa conversa aprendi que a história do parkour liga-se com as origens do homem, com sua natureza não urbana.  É derivado do ‘Método Natural’ de George Hebert, marinheiro francês que, em 1903, ao observar tribais africanos, percebeu que eles eram fortes e resistentes mesmo sem treinos. Ele concluiu que nosso corpo possui capacidades que precisam ser exploradas: correr, saltar, marchar, escalar, arremessar e levantar pesos, lutar (defender-se), nadar, equilíbrio e movimentação quadrúpede. O método não se resume ao físico. Capacidades mentais como coragem, frieza, firmeza e força de vontade também devem ser trabalhadas. Nos anos 1970, a família Belle reformulou tais ensinamentos através do parkour, popularizado principalmente por David Belle nos anos seguintes.

Definição

Atento a tudo que escrevi sobre o tema na matéria de segunda-feira, Luiz Fernando esclarece que não considera o parkour um esporte, pois ele não traz consigo o fator competição. “Existem desafios patrocinados que passam na TV, mas isso foge um pouco dos princípios do que o criador diz. Ele não condena quem compete, nem acha ruim. Mas para uma galera que tem mais tempo de prática, ou pelo menos pra mim, parkour não se compete”. Por outro lado, ele reafirma a cooperação e a satisfação em praticar como os verdadeiros nortes do parkour. “A ideia é usar o corpo para algo que realmente seja útil no dia a dia. Ajudar alguém ou se ajudar”.

Luiz lembra ainda que apesar de não se imaginar em competições, elas contribuem na difusão do parkour, levando as pessoas a procurarem informação e conhecimento. “Com o Desafio Urbano de São Paulo, que passou na TV, o número de alunos subiu bastante, o que mostra que esses eventos fortalecem o parkour”. Ele também ressalta a união entre os praticantes, mesmo nas ocasiões competitivas. “Os participantes do Desafio Urbano dividiram o prêmio por iniciativa própria. O primeiro e o último lugar receberam a mesma coisa. Isso nem foi divulgado no canal de TV que produziu, pois não é do interesse deles. No parkour, o importante é o rolê, a experiência em si, não o prêmio.”

Segundo Luiz, a liberdade do estilo é pouco compatível às competições baseadas em notas. “A arquitetura da cidade influencia muito no treino. O biótipo do praticante também: alguns são maiores, outros menores, outros mais fortes. Isso interfere muito na movimentação. Com toda essa variedade e liberdade não tem como competir. Como seria possível criar um julgamento sem padrão?”. Luiz Fernando é cuidadoso ao falar sobre isso, sempre lembrando que não condena de forma alguma os competidores. “Entendo que o parkour é uma prática nova, que precisa de um espaço na mídia pra divulgação. Pessoalmente, eu não competiria”.

Desenvolvimento

A história do Parkour Goiânia tem início em 2008, com Luiz Fernando, Gustavo Afonso Mendes (Caju), Gustavo Medeiros, Christoffer e Enoc. A consolidação exigiu persistência e seriedade. Luiz Fernando falou de seu primeiro contato com o parkour, na época uma prática embrionária na cidade, que não contava com muitos adeptos. “Conheci o parkour com 12 anos, quando mudei pra Goiânia, através do filme 13º distrito. Pratiquei sozinho por um bom tempo, vendo vídeos na internet. Era uma forma muito perigosa de se praticar, pois não tinha ninguém pra me auxiliar. Depois conheci os dois Gustavos [Afonso e Medeiros], mais velhos, que já praticavam, e começamos a treinar juntos”.

O interesse dos jovens praticantes logo rendeu frutos. Munidos de câmeras e com um projeto audiovisual em mente, foram progredindo até chegar onde estão. “Antes do Parkour Goiânia já havia alguns grupos, mas eles não iam pra frente. Juntos nós pensamos em formas de praticar e divulgar. Criamos um pequeno público e com o tempo passamos a nos profissionalizar”. Depois de muitas viagens e contato com praticantes de vários lugares do mundo, hoje o Parkour Goiânia tem mais facilidade de por em prática seus projetos. “Temos uma boa produção de mídia, pessoas que nos seguem, já fizemos parcerias com empresas…”.

Para Luiz, o importante não é a quantidade de curtidas da página no Facebook, mas a criação de um projeto autoral, feito pelas mãos do próprio grupo. “Temos o maior número de curtidas em uma página de parkour de conteúdo original do Brasil. Só postamos vídeos e fotos originais, não compartilhamos conteúdo viral, o que facilita o numero de curtidas”. O canal Parkour Goiânia (PKGBLOG), no Youtube, possui mais de 50 vídeos do grupo, produzidos desde 2012.

Gustavo Afonso também ajudou a contar a história do grupo, narrando a experiência de paricipar de um Workshop com Chau Belle, primo de David Belle, um dos criadores do parkour. “Treino desde 2005. Comecei no grupo PKGYN, que não durou muito. Foi assim que eu e outros amigos decidimos continuar e criamos o Parkour Goiania. É um dos poucos grupos que sobraram”. Gustavo também narra os benefícios da prática em seu dia-a-dia. “Mudou minha vida. Eu era super tímido, ajudou muito em conseguir novas amizades e desenvolvimento corporal. Conheci muitas cidades e tive a experiência de treinar com um dos criadores em BH”.

Visões externas

Perguntei ao Luiz como o parkour é recebido pela sociedade em geral, e se por ser uma prática de rua gera algum tipo de marginalização, preconceito ou problemas com a polícia. “Hoje, com o parkour um pouco mais popular, com jogos de vídeo game e filmes onde os dublês são praticantes, poucas pessoas não conhecem”. Os impasses são resolvidos com tranquilidade. “Se acontecer de um homem da lei questionar, pela forma da conversa e pela postura ele já percebe quem você é e o que você faz. Na maioria dos casos é bem tranquilo”.

Sobre apoio do Governo, ele conclui que existe bastante chão pra percorrer. “Não temos muito apoio da Secretaria de Esporte ou de Cultura. Lutamos por um local pra poder treinar e realizar obras sociais. Usamos muito a Praça Universitária e a região do Flamboyant. Preferimos praças públicas, pois é mais seguro pra treinar a noite”. Sobre já terem sido barrados de treinar, Luiz reforça o diálogo como uma forma simples de resolver. “As vezes somos barrados quando o local é privado e não sabíamos. Saímos com respeito, pedimos perdão. Muitas vezes na conversa até criamos amizades e conseguimos liberar o treino. Temos também o apoio da Guarda Municipal, já demos até curso pra eles”.

Luiz garante que a segurança é algo muito importante no parkour. “Machucados são bem raros. Fazemos um treino físico diário para mantermos o corpo forte e evitar acidentes. Os grandes saltos, que aparecem nos vídeos, muitas vezes são preparados apenas para gravar, dedicamos uma semana para tal salto e levamos até colchão para testes. Tomamos o maior cuidado possível. Nada é feito na loucura”.


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