Opinião

Loirinha rodrigueana

Redação DM

Publicado em 6 de maio de 2016 às 03:25 | Atualizado há 9 anos

Nel­son Ro­dri­gues fa­lou e tá fa­la­do: “Não tem pa­ra nin­guém, bar­ba­da, meu fi­lho, nin­guém re­pre­sen­ta a ideia de pe­ca­do e li­ber­da­de ao mes­mo tem­po co­mo es­sa mi­nha En­gra­ça­di­nha.”

E não mes­mo. Um dia des­ses, en­tre xin­ga­men­tos e con­tes­ta­ções ur­ba­no bur­gue­sa, veio-me à men­te a ima­gem de­la. Loi­ra, shor­ti­nho azul po­la­co cur­to, per­nas bran­qui­nhas, ros­to las­ci­vo. Uma lou­cu­ra, ami­go lei­tor.

Po­de acon­te­cer tu­do nes­sa vi­da ma­lu­ca e des­vai­ra­da. Con­tu­do, pou­ca coi­sa é me­lhor do que amar. Ah, co­mo é bom aque­le chei­ro de mu­lher. Aque­las mãos le­ves e ma­cias. Aque­le sor­ri­so se­du­tor e con­quis­ta­dor.

Sá­bio ve­lho sa­fa­do. Não o Bukowski. E sim Henry Mil­ler – o ca­ra que es­cre­ve­ra a tri­lo­gia de sa­ca­na­gem fi­lo­só­fi­ca/exis­ten­ci­al, A cru­ci­fi­ca­ção en­car­na­da. Li­vrão, ca­ra. Já o li e re­li umas 200 ve­zes. Mes­tre Mil­ler an­da­ra pe­las ru­as de No­va Ior­que re­che­a­do de in­da­ga­ções so­bre a vi­da, mas com dois pro­pó­si­tos em men­te: amor e bu­ce­ta.

Oh, que ves­ti­di­nho! Ou­tro dia, che­guei bê­ba­do às du­as da ma­dru­ga­da. Dei de ca­ra com ela, acre­di­ta? Ti­ve de dar aque­le sor­ri­so etí­li­co de bo­ê­mio in­ver­te­bra­do. Pra mi­nha sor­te, ela re­tri­bu­iu-me a gen­ti­le­za e abri­ra a bo­qui­nha, ex­pres­san­do um ma­ra­vi­lho­so e be­lo cum­pri­men­to en­tre dois vi­zi­nhos es­tra­nhos.

“Obri­ga­da”, agra­de­ceu, quan­do abri a por­ta, dan­do-lhe a pas­sa­gem.

“Não há de quê”, fa­lei, com mi­nha fa­la ar­ras­ta­da pe­la bi­ri­ta.

Bbrrrzzzz…. “Vo­cê é o meu pon­to fra­a­acccco­o­o­o­oo, por que não?”

Ao che­gar em ca­sa, li­guei um BB King – rei do blu­es e uma tri­lha so­no­ra ex­cep­cio­nal pru­ma fo­da – e ou­vi. O som deu-me uma von­ta­de de amar, de de­li­ci­ar-me no se­xo fe­mi­ni­no e ca­ri­nho­so. A bi­ri­ta dei­xa-nos atur­di­dos. Quan­do be­be-se, al­go acon­te­ce. Sá­bio ve­lho Buk – o ca­fa­jes­tão da li­te­ra­tu­ra.

Di­ga sim à vi­da. Di­ga sim ao amor. Di­ga sim à em­bri­a­guez, ao se­xo, à ar­te. Lem­brei-me de Ni­etzsche. E, de­pois, de Mor­ri­son – o vo­ca­lis­ta do The Do­ors, a ban­da mais lou­ca da his­tó­ria do rock.

Tro­ca­mos pou­quís­si­mos olha­res, na­que­la noi­te. Fui pra ca­sa. E cur­ti o tér­mi­no de meu por­re so­zi­nho. Ela de­ve­ria es­tar em sua ca­sa, cu­i­dan­do de seu fi­lho – sim, ela tem um fi­lho –, en­quan­to eu pen­so em al­gu­mas li­nhas trô­pe­gas. Clap-clap, pen­so em al­gu­mas li­nhas! Nin­guém as lê! Acho que nem o pes­so­al des­te jor­nal as lê.

Um dia des­ses, acho que on­tem, ela pas­sou com um car­ri­nho de be­bê. Que coi­sa lin­da. Uma mu­lher com be­bê re­pre­sen­ta e sim­bo­li­za o amor ma­ter­no – aque­le que o doi­dão do Freud dis­se que é a pri­mei­ra atra­ção pe­lo se­xo opos­to que sen­ti­mos.

Eu fu­ma­va meu úl­ti­mo Mi­nis­ter. E pen­sei nas crô­ni­cas de Xi­co Sá e na de­fi­ni­ção de es­tria e ce­lu­li­te. “Ho­mem que é ho­mem não sa­be a di­fe­ren­ça en­tre es­tria e ce­lu­li­te”, es­cre­veu. E se eu te con­tar que ela não tem es­tria, nem ce­lu­li­te, ou qual­quer coi­sa? Eu tam­bém não sei di­fe­ren­ci­ar es­sa por­ra. Mas fo­da-se: ela é uma coi­si­nha de lou­co. Ela lem­brou-me de Ju­di­te, Ve­ra Fis­cher, em “Per­doe-me por me tra­í­res”, fil­me di­ri­gi­do Braz Che­di­ak, ba­se­a­do na pe­ça do Nel­são.

Até o por­tei­ro de meu con­do­mí­nio a acha las­ci­va. Fui pe­dir um ci­gar­ro pra ele. Ela es­ta­va na por­ta­ria, com seu fi­lho. Che­guei, to­do de­sen­gon­ça­do, ten­tan­do pa­re­cer sim­pá­ti­co, pra con­ver­sar e brin­car com a cri­an­ça. Fa­lei al­gu­ma coi­sa, mas nem a cri­an­ça, nem a mãe, nem o por­tei­ro en­ten­deu. Ti­ve de abrir uma fei­ção des­con­tra­í­da. Ti­ve de for­çar, ali, uma si­tu­a­ção qual­quer pra não dar uma de otá­rio. De qual­quer for­ma, acho que não deu.

Ela foi em­bo­ra, com seu fi­lho no can­go­te.

“Tem um ci­gar­ro pra me ar­ru­mar, vey?”, per­gun­tei ao por­tei­ro.

“Na ho­ra”, res­pon­deu.

“Que ga­ta, né?”, in­da­gou.

Acen­di o pi­to. Vi a fu­ma­ça su­bir pe­lo céu, e res­pon­di:

“Pra ca­ra­lho.”

“Li­te­ral­men­te”, brin­cou.

“Fi­quei até de pau du­ro”, cons­ta­tei.

For­cei um ri­so, e con­cluí:

“O dia fi­ca até mais cla­ro, ao vê-la.”

Pe­lo vis­to Ro­dri­go não ti­nha en­ten­di­do o sen­ti­do da co­lo­ca­ção.

“Vou in­do nes­sa, meu”, fa­lei.

“Fa­lou.”

Vi­rei as cos­tas.

Que ga­ta! Que lin­da! Que von­ta­de de abra­çá-la. Que von­ta­de de cu­i­dar de­la e do fi­lho e da mãe e de sua fa­mí­lia to­da!

Ela, cu­jo no­me ain­da não des­co­bri, tem a mal­da­de, a sa­ca­na­gem, a per­ver­são nas pu­pi­las. Taí, tal­vez sa­ca­na­gem na pu­pi­la lhe se­ja a ca­rac­te­rís­ti­ca mais atra­ti­va. Ou mag­né­ti­ca, co­mo can­tou Jor­ge Ben Jor. Ela dá uma ri­sa­di­nha tí­mi­da pras pes­so­as. Uma ga­ro­ta ti­pi­ca­men­te do in­te­ri­or, que vi­ve na ca­pi­tal de Go­i­ás.

Ne­la, en­con­tro uma pi­ta­da ro­dri­gue­na. Ela é te­su­da. Cla­ro que por não ser ci­en­tí­fi­ca, mi­nha pes­qui­sa apon­tou que to­dos, nos ba­res por aí, pre­fe­rem as loi­ri­nhas no­vi­nhas. Sin­to que não de­vo re­pro­du­zir nes­te es­pa­ço o co­nhe­ci­dís­si­mo ve­xa­me ono­ma­to­pei­co dos ho­mens di­an­te da gos­to­si­nha-mor des­sa ca­ce­ta.

Trimmmmmmm…. era ela. Aten­di:

“Ãn…”

“O que tá fa­zen­do?”, ela quis sa­ber.

“O de sem­pre”, res­pon­di.

“Tá bê­ba­do, né?”

“Um pou­co.”

“Te li­go de­pois.”

“Be­le­za.”

Dei­xa­rei pra res­pon­dê-la de­pois des­ta crô­ni­ca etí­li­ca, ta­ra­da, li­sér­gi­ca, fu­ma­da e pi­ra­da.

Que loi­ri­nha te­su­da.

 

(Mar­cus Vi­ní­ci­us Beck, es­tu­dan­te de Jor­na­lis­mo e co­rin­ti­a­no)

 

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