A justiça e o direito
Redação DM
Publicado em 5 de abril de 2016 às 03:30 | Atualizado há 9 anos
Dificilmente alguém terá condições de comentar a crise política e econômica brasileira sem ser afetado por um sentimento de ser contra ou a favor do impeachment da presidente da República. Ou seja, não será possível analisar de forma completamente isenta o panorama nacional. Isto é “bom” e é “ruim”. É bom porque, finalmente, o brasileiro está sendo politizado, embora na “marra”, para o seu dever de cidadania, despertando para a conscientização de que seu voto é importante para a estabilidade social. É ruim porque pode provocar, como de fato está provocando, uma divisão social entre dois grupos, que podemos chamar de “vermelhos” e “verde e amarelos”, tomando como referência as cores usadas nas passeatas.
Como consequência da divisão social, qualquer resultado do Impeachment será catastrófico. Não há luz no final do túnel. Não adianta dizer que a Constituição brasileira é Parlamentarista, embora o Governo seja Presidencialista. Os conflitos entre os Poderes existem. Para os que não se radicalizaram contra ou a favor do afastamento da presidente da República, fica a sensação de que “estamos no mato sem cachorro”. Qualquer resultado da votação do impeachment não será solução para a crise que enfrentamos.
No confronto entre Justiça e Direito, Dilma, para o bem dos brasileiros, não deveria estar na Presidência da República, mas tem o Direito a seu favor; Lula não deveria ter foro privilegiado, mas a Lei lhe favorece; Eduardo Cunha não poderia continuar presidente da Câmara dos Deputados, mas a Lei está do seu lado. E por aí vão vários Direitos que traduzem Injustiça.
Qualquer cidadão de bom senso tem conhecimento, até mesmo os petistas, que a presidente Dilma é incompetente, mal educada e pirracenta. É totalmente despreparada para exercer tão relevante cargo. Inegavelmente a melhor maneira de se chegar ao Poder é pela democracia, em que o povo escolhe o governante. Mas ela foi eleita com bases em “mentiras”, por meio de uma campanha falsa, enganando os eleitores. Dos líderes que temos, muitos deveriam estar na cadeia, como Lula, Eduardo Cunha, Renan Calheiros e muitos outros.
É discutível se o melhor sistema de governo seja o presidencialismo. Quanto à forma, se republicana ou não, depende da cultura do povo. De qualquer maneira, o Brasil adota a democracia, a república e o presidencialismo. A partir da concepção de Montesquieu, que idealizou a divisão do Estado em três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) a República brasileira, com seu extenso território, povo amistoso e que gosta de futebol e carnaval, teria tudo para uma convivência social plena de realizações. Todavia, o que está acontecendo não é o que deveria ocorrer. Não se pode dizer que alguma coisa está errada, porquanto a realidade demonstra que muitas coisas estão erradas.
A divisão do Estado em poderes Executivo, Legislativo e Judiciário não está dando certo. Ao longo do historia tentou-se instituir um Quarto Poder, que seria o Ministério Público (Poder Fiscal). Muitos entendem que o Quarto Poder, livre e Independente, seria a Imprensa. Na situação atual do Brasil, os Três Poderes estão em conflito. O Executivo, a nível nacional, não administra nada. O Legislativo não está cumprindo suas funções. A corrupção é generalizada. Quanto ao Judiciário, está executando atribuições que, em princípio, não lhes competem. Como resultado, acontece uma confusão geral, e o povo sofre com os desmandos.
Nos conflitos existentes, a salvação está no Poder Judiciário. Já está ultrapassado o entendimento de que o Juiz é “escravo da lei”. No conflito entre a Justiça e o Direito, inegavelmente deve prevalecer a Justiça. O Direito, sustentado pela Lei nem sempre é justo, mesmo porque, na maioria das vezes, as leis são elaboradas para favorecer os que estão no poder. Vejamos um caso simples: o juiz Sérgio Moro divulgou conversa telefônica entre Lula e a presidente da República. O conteúdo do dialogo é assustador. O juiz não deveria tornar público o que foi dito, porquanto envolve pessoa que goza de foro por prerrogativa de função. Em nosso entendimento, o magistrado sabia disso. Mas no confronto entre o direito de sigilo da Presidente e o direito da população de tomar conhecimento do que estava acontecendo o magistrado julgou que a Justiça deveria prevalecer em favor da sociedade: divulgou o conteúdo da gravação e provocou tremenda confusão. Pouco importa, pois o fato é que a sociedade ficou sabendo da realidade.
É bem verdade que no Judiciário existem magistrados que se comportam de maneira errada. Mas isto é humano. No momento delicado que vive a sociedade brasileira, é importante que haja apoio popular para o Poder Judiciário. Se o Judiciário está politizando, envolvendo-se em questões que não lhe dizem respeito, tudo acontece porque o Executivo e o Legislativo não estão funcionando a contento.
O Ministério Público pode não ser o Quarto Poder. Mas está cumprindo eficazmente o seu papel de fiscal da lei. A imprensa pode não ser, de fato, um Poder do Estado, mas cumpre o seu papel de bem informar a sociedade tudo que está acontecendo.
(Ismar Estulano Garcia, advogado, ex-presidente da OAB-GO, professor universitário, escritor)