Opinião

O poder moderador

Redação DM

Publicado em 13 de abril de 2016 às 02:39 | Atualizado há 9 anos

O enorme esforço dispendido pelos ministros da área econômica tem sido negligenciado pela tragédia recessiva a que nos levou o intervencionismo voluntarista da política econômica desde 2012.

Assistimos a um desentendimento lamentável entre o Executivo e o Legislativo. Isso tem exigido arbitragens cada vez mais frequentes do Supremo Tribunal Federal, o último “garante” das liberdades individuais e com poder de submeter todos à mesma lei.

A falta de confiança do setor privado no Poder Executivo atingiu o paroxismo e os seus investimentos não param de cair. O mesmo acontece com os investimentos públicos. Sob esse aspecto, é difícil dramatizar, a relação investimento público + privado/PIB no último trimestre de 2015 foi, provavelmente, inferior àquela necessária para manter estável o estoque de capital em torno de 15% do PIB. Estamos em um processo de autofagia, comendo nossas próprias entranhas…

Há alguma coisa muito errada quando o Executivo não assume o seu protagonismo, o Legislativo inventa sua própria agenda e a judicialização das relações entre eles torna-se “normal”. Isso obriga o STF a transformar-se numa espécie de poder moderador. Rejeitado na Constituinte de 1823, tal Poder foi instituído por dom Pedro I, na Constituição outorgada de 1824, “para que incessantemente vele sobre a manutenção da independência, equilíbrio e harmonia dos mais poderes políticos”, o que incluía o Poder Judiciário. O imperador Pedro II exerceu-o até a instauração da República.

Sejamos claros. Um poder superior, o imperador, “velar” pela independência, equilíbrio e harmonia dos Três Poderes é uma coisa. Outra, completamente diferente é, na República, um dos Poderes, qualquer dos três, ter de arbitrar, permanentemente, as diferenças entre os outros dois. Trata-se de um problema político que terá de ser resolvido politicamente. É preciso dar a cada Poder as condições e os meios para cumprir a sua missão. Tanto a judicialização da política quanto a politização da Justiça são inaceitáveis na sociedade “civilizada” que todos desejamos.

Esse é o grave problema que deve ser enfrentado para que o País possa voltar a explorar com inteligência as suas potencialidades. Deveria ser evidente, entretanto, que mesmo bem resolvido, ele não fará desaparecer como por encanto a desintegração estrutural fiscal que a queda do crescimento do PIB pôs em evidência.

Esta é uma questão tão grave e tão complexa quanto a primeira. Teremos de encará-la tão logo o problema do impeachment se resolva, quer com a saída de Dilma, quer com a sua permanência. Por que é uma questão grave e complexa? Porque ouso dizer que nenhum economista profissional que se respeite, não importa a “escola” à qual pertença, sabe responder à pergunta: qual a redução no crescimento do PIB decorrente de um corte de 1% no déficit público? Ela é fundamental para a escolha da melhor saída à desintegração que assistimos nas finanças públicas.

Existem, naturalmente, duas visões extremas, que dependem de muitas hipóteses, de raciocínios duvidosos e de precária sustentação empírica divergente: 1- Neoclássicos e keynesianos tendem a concordar que no curto prazo uma diminuição do déficit público deve produzir uma redução do crescimento do PIB. Só não sabem quanto. 2- Alguns neoclássicos acreditam que se houver confiança no ajuste fiscal, a perspectiva da diminuição do déficit e da sustentabilidade fiscal no longo prazo pode tornar-se positiva, elevando o investimento. 3- Para os neoclássicos, os executores do ajuste fiscal, por motivos políticos, tendem a ser otimistas e a privilegiar o curto prazo, ignorando seus efeitos sobre a acumulação da dívida pública. 4- Na opinião dos neoclássicos, as sugestões dos keynesianos de tentar eliminar os efeitos do ajuste sobre o PIB no curto prazo aumentam a relação dívida/PIB, pressionam a taxa de juros real e tendem a terminar muito mal.

No fundo, os neoclássicos preocupam-se excessivamente com o equilíbrio de longo prazo e os keynesianos tendem a ignorar a sustentabilidade da relação dívida pública/PIB. Nenhum dos dois lados sabe, de fato, o melhor a ser feito. A diferença é entre os que sabem que não sabem e os que não sabem que não sabem. É essa a razão de existirem tantos feiticeiros sugerindo soluções fáceis…

 

(Antônio Delfim Netto, economista, professor universitário e político brasileiro – Artigo publicado originalmente na edição 889 de CartaCapital, com o título “Salvar a siderurgia”)


Leia também

Siga o Diário da Manhã no Google Notícias e fique sempre por dentro

edição
do dia

Impresso do dia

últimas
notícias