Opinião

Cuba e os novos horizontes (Parte 1)

Redação DM

Publicado em 12 de abril de 2016 às 03:02 | Atualizado há 9 anos

Nem o mais dos pessimistas revolucionários de 1959, poderiam imaginar os desdobramentos e o descortinar dos novos horizontes no século XXI, em tão revolucionário solo cubano.

Após a sangrenta luta pela independência contra o domínio espanhol, em 1898, os cubanos tiveram que travar outra, a interferência e os interesses dos Estados Unidos, com  a vergonhosa Emenda Platt, aprovada pelo Senado norte-americano em 1901. Um dispositivo legal, inserido na Carta Constitucional de Cuba, que autorizava os Estados Unidos a intervir no país a qualquer momento em que interesses recíprocos fossem ameaçados. Desta forma, na prática, Cuba passou a ser um protetorado estadunidense. Mesmo independente, o país sempre foi quintal ou uma espécie de extensão do território norte-americano, para o deleite de magnatas e mafiosos estadunidenses. Como Al Capone e seus negócios escusos, o hóspede  vip lendário do 6º. andar do Hotel Sevilla em la Habana vieja.

Uma ilha belíssima e encantadora! Belezas naturais inesquecíveis, praias paradisíacas, povo carismático, acolhedor, alegre e criativo. Ostentam com orgulho uma revolução que acabou com o analfabetismo, com o trabalho infantil, que realizou uma reforma agrária verdadeira, com saúde de qualidade e para todos, exportando médicos e ações transformadoras para mais de 50 países em todo mundo!

Ao final do Paseo del Prado, numa tarde caribenha de Habana Vieja, a imensidão das mornas e transparentes águas do Atlântico, que se confundem com o céu no horizonte, que por um instante, tudo parece mar, tudo parece céu! Um ocaso singular, ao som da algazarra de gaivotas e das ondas quebrando nas pedras vulcânicas e lodosas, do El Malecón, em mais um poético entardecer de Havana.

Na avenida beira-mar, anônimos caminham apressadamente ao longo do calçadão, outros, nem tanto. Cadeirantes, ciclistas, ao lado de Oldsmobile 1941, Chevrolet Bel-Air Sedan 1956, Buick Super 1953, alguns charmosos “coco-taxi” e cachorros vadios, que vão deixando pelo caminho um indesejável “presente de grego”.

Matanzas, Santa Clara, Trinidad, Santiago de Cuba, o eco que ainda se “ouvem orgulhosamente” por alguns sobreviventes do grande legado revolucionário, em reverência as grandes mudanças conquistadas e em memória aos que tombaram na grande resistência, contra o domínio espanhol e o imperialismo norte-americano! Ainda se pode ver e sentir certo fervor patriótico, quando se depara pelas ruas e avenidas ainda hoje, com frases emblemáticas que afirmam: “Bloqueo el genocídio más largo de la história”; “Hasta la victoria siempre”; “Del combate diario a la victoria segura”; “Viva la revolución”; “Esta noche en el mundo tantos millones de niños dormirán en la calle. Ninguno de ellos es cubano”!

A história de Cuba se confunde com a de um povo excluído e esquecido por seus algozes, ora espanhóis, ora os cães sanguinários de Fulgêncio Batista, fantoche dos Estados Unidos. O povo tomou o destino nas mãos e traçou outra história, agora, de luta, sangue e resistência,  que floresceu nas selvas da Sierra Maestra, sob o comando de Fidel Castro, Ernesto Guevara, Camilo Cenfuegos e tantos outros ícones da grande revolução caribenha.

Os Estados Unidos, sempre apoiando colaboradores corruptos e militares sanguinários, a direita covarde e hipócrita, como o ditador Fulgêncio Batista em Cuba. O mesmo aconteceu em outras partes do continente americano nos anos 60 e 70, como no Brasil, Argentina, Chile – fazendo “vista grossa” para todo tipo de contravenção que era proibida em solo norte-americano e “liberada” no protetorado. Tráfico de armas, drogas, prostituição e impondo à população, uma política de repressão ferrenha, opressão, miséria e um governo corrupto. Até a Revolução de 1959, o país era um grande prostíbulo para “gringo” nenhum botar defeito,  em todos os sentidos, ao custo do sangue de camponeses, trabalhadores e indigentes.

O tempo passou e as feridas – umas mais, outras menos – vão cicatrizando e gerando novos panoramas e paradigmas.

Entendo que talvez, os novos ventos das “mudanças” começaram a soprar em 1998, com a  histórica visita do polonês Karol Wojtyla, Papa João Paulo II, ao país. Acenando ainda que de forma bem modesta, novas possibilidades de diálogo, abrindo caminhos entre o ditador Fidel e o Democrata Clinton. O papel de mediador do Vaticano iniciou-se a  construção de  uma ponte – Havana-Washington – alicerçada nos pilares da desconfiança, com vigas de ressentimentos e nos fantasmas da Guerra Fria.

A frágil ponte iniciada pelo pontífice João Paulo II, em setembro de 2015, 17 anos depois da primeira visita papal, ganhou mais um reforço, com a visita a ilha de Jorge Mario Bergoglio, Papa Francisco. Um novo capítulo, agora numa perspectiva mais sólida e com menos desconfiança. A Santa Sé tem dado uma contribuição pertinente nesta reaproximação histórica.

Também em 2015, na VII Cúpula das Américas, realizada no Panamá, desta vez sem nenhuma “santidade” como intermediário, Raúl Castro e o Democrata Barack Obama, selaram com um aperto de mãos, que o caminho do diálogo estava aberto e o passado terá que ser passado a limpo, num processo, que penso ser irreversível.

É claro que este aperto de mãos entre Obama e o ex-guerrilheiro Raúl Modesto Castro Ruz, já vinha sendo esperado e ensaiado, por boa parte do povo cubano. E por muitos não cubanos também. Um gesto carregado de simbolismos históricos, diante de um presente incrédulo, aos olhos de um passado não muito distante, num aceno de estadista, ainda que duvidoso e de interesses.

Ser-se-ia até a pouquíssimo tempo, inimaginável a visita de um presidente norte-americano;  na amada e revolucionária terra do grande José Martí, ainda mais, nascido no Havaí, afrodescendente e filho de um queniano muçulmano, menos ainda. Após 88 anos de uma visita presidencial estadunidense a ilha. Ou seja, as mudanças são inacreditáveis dos dois lados.

A incansável esquerda, que enfrentou ferozmente o capitalismo e o imperialismo norte-americano, em favor das minorias,  dos excluídos e a exploração impiedosa, agora, se vê frente a frente com tudo que combateu durante quase 60 anos!

Independentemente de princípios ideológicos de esquerda ou não, aspirar uma sociedade mais justa, fraterna e igualitária, penso ser um princípio humano e até inconscientemente, um desejo de todos!

 

(Marcos Manoel Ferreira, professor, pedagogo, historiador. [email protected])


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