Mistérios que envolvem ‘Artaud’
Diário da Manhã
Publicado em 5 de abril de 2016 às 02:03 | Atualizado há 4 meses
Apesar de ter sido lançado como um produto da banda Pescado Rabioso, a qual Spinetta integrava até 1973, a banda já não existia. Os outros três músicos que compunham a formação da banda afastaram-se de Spinetta por não concordar com sua forma introspectiva e literária de compor. O álbum diferencia-se drasticamente da sonoridade da banda, sendo composto principalmente por voz e violão, com espaço para experimentos musicais e algumas passagens elétricas. O disco é visto como legendário na Argentina, e para muitos é considerado o melhor trabalho de Luiz Alberto Spinetta, ou até mesmo da música argentina em geral. Spinetta é considerado um dos pioneiros do rock argentino, e é um dos músicos mais respeitados do país.
Em 2015, foram encontradas 25 mil cópias do disco em um galpão abandonado. Spinetta havia pedido que elas fossem queimadas pois ficou revoltado com o resultado da edição conduzida pela gravadora, que contrariou vários de seus princípios artísticos. O álbum foi lançado como duplo, sendo um dos discos um registro da participação do músico em um programa de televisão. A estética musical dos dois discos é discrepante, e a decisão foi tomada sem que o artista fosse avisado, o que fez com que Spinetta tomasse tal atitude. Os discos não foram queimados pois o encarregado não teve coragem, e só foram encontrados mais de quarenta anos depois, em excelente estado de conservação.
Por ser um trabalho bastante profundo e pessoal, Spinetta preferiu vê-lo queimado a sucumbir às vontades de sua gravadora. Uma edição posterior foi lançada, desta vez com a permissão do autor, tornando-se um dos trabalhos mais conhecidos da música argentina. Hoje, as 25 mil cópias encontram-se embargadas, tendo em vista que vários lados reivindicam sua propriedade. A DBN discos, selo que atualmente distribui as cópias de Artaud assegura que o disco lhe pertence, e pretende vender cada cópia por 5300 pesos (cerca de R$1300,00). Luiz Alberto Spinetta morreu em 2012, acreditando que sua ordem havia sido cumprida, e que os discos que a ele causavam nojo teriam virado fumaça.
‘Artaud’ surge em meio a uma encruzilhada histórico-cultural na América Latina, onde regimes totalitários mantinham o controle político em vários países. Foi inspirado principalmente pelo sofrimento e por emoções dolorosas geradas pelo contato de Luis Alberto Spinetta com a obra do poeta e dramaturgo francês Antonin Artaud. Uma das maiores influências no processo de composição do álbum foi o livro ‘Heliogabalo ou o anarquista coroado’, publicado em 1934, no qual Artaud levanta a biografia do imperador que comandou Roma por quatro anos no século II. Heliogabalo é definido como transgênero por alguns historiadores, e pretendia que Roma adotasse uma religião síria que se baseava na concepção de uma divindade andrógina.
Spinetta esclareceu que o álbum é dedicado à Artaud, mas não se trata de uma reafirmação de sua obra, e sim de uma reação desesperada dão conteúdo de seus livros. O momento político da Argentina, associado às leituras e ao início do relacionamento de Spinetta com Patrícia Salazar, com quem viveu 25 anos e teve quatro filhos. “Creio que apenas se nos preocuparmos em curar a alma vamos cortar distorções sociais e comportamentos fascistas, doutrinas injustas e totalitarismos, políticas absurdas e guerras deploráveis. A única forma de fazer subir o peso é com amor”. Afirmou o músico o manifesto ‘Rock: música dura suicidada por la sociedad’, lançado junto com o disco.
O álbum é visto ainda como uma ruptura de Spinetta com a forma com que o músico geria sua carreira. A partir de ‘Artaud’, o artista tomou por completo o controle de suas produções, deixando de preocupar-se com qualquer espécie de molde que lhe prometesse sucesso comercial na hora de compor as músicas, expressando-se sem barreiras institucionais. Outra grande influência do álbum está no pintor holandês Vincent Van Gogh. A canção ‘Cantata de puentes amarillos’, de nove minutos, foi eleita a 16ª música mais importante do rock argentino pelo site rock.com.ar. Spinetta recorreu aos músicos Rodolfo García e Emilio del Guercio (ex-membros da banda Almendra) e ao seu irmão Gustavo para concluir o disco.