Brasil

Transeuntes, mas eternos!

Redação DM

Publicado em 3 de abril de 2016 às 01:50 | Atualizado há 9 anos

Nos últimos meses, a literatura brasileira e especialmente a que se produz em Goiás têm sofrido golpes dolorosos. César Baiocchi, Humberto Crispim Borges, Mário Ribeiro Martins  e Ático Vilas-Boas da Mota.

Nem bem a gente se refazia de um golpe, o outro nos era desfechado, sem piedade.

Dos quatro, três eram também confrades, membros da Academia Goiana de Letras. O outro, o prof. Ático, não pertencia aos quadros da Academia, mas era um extraordinário professor, um literato de mão cheia, um incansável pesquisador.

E eu me recordo deles com frequência, embora o turbilhão de  afazeres, ocupações e preocupações, num país onde os sucessivos rompimentos das barragens da moral fragilizada provocam  rios de lama a arrastarem em sua correnteza incautos ou desprevenidos e a deixar ilhados os cidadãos de bem, que veem, com horror, o estrugir destas ondas de podridão e se perguntam: quando será que seremos salvos?

Mas toda esta escuridão, todo este alarido, todo este temor não impedem que tenhamos corações.

Apanho-me, não raro, diante da figura austera de Humberto Crispim Borges, de postura militar, com uma certa inflexibilidade, mas de fino trato e, principalmente, de pena percuciente nos seus notáveis contos. Quando os releio, cuido ver seu autor, assentado, produzindo aqueles textos.

Os personagens, os locais onde se desenvolviam os enredos dos contos, a sutileza da captação do perfil psicológico de cada um eram realmente uma definição, uma imagem, um perfil de um grande escritor.

César Baiocchi não é diferente. Aquela tenacidade em tudo: na escrita, na presença serena na Academia, na luta contra a morte. Está bem firme em minha memória o lançamento de sua biografia, escrita pelo confrade Bira Galli, ocorrido na residência do biografado. Já fragilizado pela doença César Baiocchi nos recebeu em sua casa, eu, como presidente da AGL e diversos outros acadêmicos que desejávamos prestigiá-lo. Todos nós tínhamos cuidado com ele. Temíamos que não conseguisse estar firme até o fim do evento.

E depois que todos falaram, foi a vez dele. Procuraram uma cadeira para que se assentasse, ao que, suave mas firmemente, retrucou. Não! Eu ainda aguento ficar de pé. E foi de pé, com voz um pouco baixa mas determinada,  que agradeceu a todos.

E Mário? Aquele jeito  meio diferenciado, sorriso acanhado, como se não estivesse querendo sorrir, mas um desejo enorme de servir: servir às pessoas, servir às letras.

Seu interesse em registrar às vezes o levava a alguns enganos quanto a certos dados, mas com que  satisfação e verdadeiro gozo ele escrevia aqueles volumes alentados, sempre de mais de quinhentas páginas, biografando membros da Academia Goiana de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico de Goiás, ou, quando não assim, reproduzindo textos de seus trabalhos na área sociológica ou jurídica.

E como estar olhando para ele permanentemente.

Mestre Ático: na singeleza de seu despojamento, a tradução consciente de um homem dedicado ao bem, à cultura, às letras.

Ia assistir suas palestras com o maior interesse, pois daquela figura despreocupada com a aparência externa, saíam revelações maravilhosas. E se não se preocupava muito se a camisa combinava com o paletó ou a gravata ou se a mesma deveria ficar para dentro ou para fora das calças, estava profundamente comprometido com a verdade histórica, com a beleza literária. Por isso é que íamos todos para ouvi-lo, para nos abeberarmos naquela fonte quase que inesgotável. Inesquecível!

Daí vou me convencendo, a cada dia que passa, da eternidade destes transeuntes, independentemente das homenagens que lhes prestemos ou deixemos de prestar.

A tinta com a qual são pintadas suas figuras não borra jamais.

Que venham os aguaceiros.

Que venham os vendavais.

Que corram os rios de lama.

Estas figuras solenes têm suas imagens fixadas com as cores dos espíritos que os animaram, enquanto caminharam conosco por este planeta de experiências e expiações.

Só foram passageiros no tempo da matéria mas  são permanentes no espaço vital do espírito que a tudo comanda e dá consistência.

São transeuntes, mas eternos.

 

(Getulio Targino Lima é advogado, professor emérito (UFG), jornalista, escritor, membro da Associação Nacional de Escritores e da Academia Goiana de Letras. E-mail: [email protected])


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