Brasil

Soneto do desencanto

Redação DM

Publicado em 24 de março de 2016 às 20:47 | Atualizado há 9 anos

 

ah, se me fosse possível

não ser apenas um sentinela

vigiando os portais do mundo…

se me fosse possível atravessar de salto alto

o oceano

deslizar entre cortinas de clangor

aplaudir da arquibancada com o mesmo prazer

que tenho em atuar sem plateia

quem me concede o poder

de tingir em todos os tecidos

a cor de sangue & escuridão?

se me fosse possível abrir portais em cemitérios (…)

renascer em neves & desertos

entregar-me às viagens dos sonhos

contemplar-me em viagens e sonhos

sem precisar acordar…

se me fosse possível converter claves & graves

e vozes e manifestos em algo absoluto

não despejar como mártir lágrimas das matas

capsulas e armas – olhos de fada – para decepar a vida

se me fosse possível despertar

e ver vales verdes

transbordar em aguas claras

florescer em vaginas & valas

a necessidade não seria sonhar.

ah, se me fosse possível caminhar

em corrégos de cânticos & cristais

acreditar nos inicios e finais

uivaria em cascatas

à virgindade da manhã.

mas se fosse possível ser fumaça

desaparecer sem tocar o chão…

ser possível carregar o vento

debaixo dos pés

não viveria eu num só mundo

não transportaria em trilhos

o vazio de um vagão.

ah, que me dê a possibilidade de falar do amor

como a flor da alvorada

que se abre em perfumes

que se fecha alhures

e derrama como um copo d’agua

não abraçado de mãos firmes.

ah, se me fosse possível expressar em fotografias

o inconsciente

declamar em poesia a divisa do paraíso

ente a lua e a ponta da folha

entre janelas & calçadas

declarar diante de olhos  & bundas

o beijo quente da vida.

se me fosse possível adentrar como talo

toda esta folhagem verde

não estaria aqui em um vaivém de colapsos

não perturbaria o caminho beijando-me com umidez

os passos

nem mesmo os dias (sem gosto) determinando

a fuga do presente

a nostalgia do passado.

ah, se me fosse possível compreender

o sentimento da noite, da verdade, do laço

o mistério diante da eternidade

do eterno

do acaso

transformaria-me em acertos e fracassos

para alcançar en.fim.


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