Eletrocutado
Redação DM
Publicado em 2 de março de 2016 às 22:02 | Atualizado há 9 anos
Num país distante, o milionário apaixonara-se pela esposa do seu amigo e precisava arredá-lo do caminho para realizar seu grande sonho: casar-se com ela, mesmo porque era correspondido no seu afeto.
Os anos venciam os calendários e o ricaço não encontrava um meio de alcançar o objetivo; um dia, porém, por questões de negócios, ele desentendeu-se com o rival e, à custa do seu império financeiro, arregimentou forças a seu favor e agentes secretos contra o adversário, até que o levou às barras da justiça, acusado inocentemente de haver roubado grande parte de sua fortuna, além de ter sido o responsável direto da morte de humilde operário de uma de suas inúmeras empresas, culminando, destarte, com a execução do rival na Cadeira Elétrica. Mas toda essa trama fora urdida pelo tenebroso milionário que arregimentou, para tanto, uma verdadeira legião de bandidos hábeis na falsificação de documentos, na execução de crimes indecifráveis, adestrados em álibis e falsas testemunhas. Gastou muito, todavia, alcançou o tão desejado objetivo, naturalmente apoiado pela imprudente viúva que, por alguns meses, simulou tristeza e luto pela morte do marido, casando-se, um ano depois, com o perigoso amante de muito tempo.
Um lustro depois a morte o recolheu pelas tenazes de amarga enfermidade que o fez expiar num leito de dores inomináveis. Nada vamos lhes falar do quanto padecera infeliz nos planos sombrios da Espiritualidade Inferior, pois avançaremos quase cem anos nesta narrativa a fim de reencontrá-lo de novo entre os homens, reencarnado, numa cidadezinha do interior brasileiro, vivendo só e pobremente na condição de simples mecânico de autos; os rigores da miséria fizeram dele um homem simples e humilde; a solidão em que sempre viveu desde que perdera a esposa, pais e parentes mais chegados lhe amainou os arroubos mais íntimos e o fizera esquecer as extravagâncias e impulsos inferiores; sofrera muito desde a recuada adolescência; foi humilhado por circunstancias as mais diversas, foi enxotado de empregos vitimado de acusações mentirosas; perdera a reputação, amigos diletos, e nunca pudera ter filhos; vivia só, carmicamente só; com cinquenta anos de idade residia na pequena cidade onde já era estimado por muitos, graças às qualidades que pudera adquirir, depois de espiritualmente acendrado, por sofrimentos e provações acerbas.
Um dia um seu amigo, dirigindo uma perua Rural Willys, vendo-o à porta de uma mecânica, convidou-o a fazer-lhe companhia numa viagem até à cidade próxima; Cirilo era esse agora o seu nome, entrou no carro e partiram, conversando animadamente.
Lá adiante, às margens da estrada, um cabo de alta tensão arrebentado descia do poste com a outra extremidade no chão, coberta pelo pó do caminho; ao passar por sobre o perigoso fio, a ponta levantou-se e raspava nas ferragens do carro; resolveram parar na intenção de verificar que barulho seria aquele; o homem que guiava disse a Cirilo, abrindo a porta: – Vou ver de que se trata; mas o mecânico que também já abrira aporta do seu lado, adiantou-se: – Pode deixar que eu mesmo verei; mas quando este botou o pé de fora a poderosa corrente elétrica que dominava o terreno eletrocutou-o num átimo; aterrado, seu companheiro pôde perceber pela janela traseira do auto que o cabo de alta tensão, ao raspar por sob a Rural em movimento, ficara engastado no para-choque de trás, e quando seu amigo pisou no chão, provocou a corrente terra e morreu; dos pés do morto chispas elétricas derretiam as borrachas do piso e incineravam completamente a perna do infeliz; seu colega compreendeu então que não podia tocar na parte metálica do carro ou também pereceria eletrocutado; juntou as pernas sobre as almofadas e, por sorte, havia deixado a porta aberta quando pretendia descer para verificar do que se tratava; como porém Cirilo se dispusera à tarefa, levou a mão esquerda ao bolso da camisa para retirar o cigarro e a outra ao bolsinho da calça para pegar o isqueiro, neutralizando-se inconscientemente das fortes correntes elétricas que dominavam o carro no momento em que Cirilo encostasse o pé no chão; de cima da poltrona da perua, o chofer jogou-se violentamente para fora procurando cair o mais longe possível do terreno invadido pela eletricidade, conseguindo salvar-se; em seguida chamou a perícia e tudo ficou resolvido. O cadáver de Cirilo ficara reduzido a cinzas, tal como fizera suceder a outro num passado distante, quando o seu ouro reduzia a pó aqueles que se interpunham entre ele e seus anseios pessoais.
Dessa narrativa podemos tirar várias conclusões, dentre elas, a de que não nos cabe, em tempo nenhum, executar uma vingança contra alguém que nos tenha prejudicado, pois a lei de Causa e Efeito se encarrega de punir todos os culpados, fazendo-os resgatar “ceitil por ceitil” dos males que tenham cometido; para o criminoso pagar pelos seus crimes basta-lhe simplesmente estar vivo, e como ninguém morre, porque com exceção do corpo que perece, somos todos espíritos eternos, ele haverá de responder pelos seus atos hoje ou amanhã, e se não for nesta vida será noutra; e se formos vingar por um mal que alguém tenha nos feito, estaremos querendo que o culpado pague duas vezes pelo seu delito; mas a segunda vez correrá por nossa conta, ou seja, responderemos pela vindita na condição de agressores e não das vítimas ofendidas que apenas procuraram revidar. Como foi dito, para o culpado pagar pelos seus erros, basta-lhe estar vivo; e como ninguém morre…
Eis também por que nos disse o Mestre da Vida Eterna: “Tudo o que fizeres ao próximo, a ti mesmo estarás fazendo.”
Se Deus é justo, porque permite que uns morram naturalmente e outros tenham mortes violentas? Perguntam muitos estudiosos das verdades transcendentais, no seu nobre desejo de aprenderem sempre mais para errarem menos; pela narrativa apresentada tivemos um exemplo claro que revela o porquê dos diferentes tipos de mortes; e para cada tipo de desencarnação há uma lógica, uma razão, um por que; também podemos observar que só a reencarnação explica as maneiras diferentes de mortes entre os homens.
Eis porque, amigos: “Quem com ferro fere, com ferro será ferido.”
Para tudo o que nos acontece há uma explicação lógica, exata e justa, explicação esta que se não estiver nesta vida estará nas pretéritas; e se pretendemos entendê-la melhor, estudemos se tem fundamento a lei da reencarnação, mas sem espírito de sectarismo e sem paixão ideológica, pois aquele que deseja realmente aprender não se deixa perturbar pela preocupação de ser contrariado no seu modo de pensar; façamos, afinal, como nos pediu o grande Paulo de Tarso: estudemos tudo e retenhamos o melhor, o que nos parecer certo e mais lógico consoante a nossa capacidade de discernimento, porque, afinal de contas, cada um pensa e compreende como pode.
(Iron Junqueira é escritor)