Centenário de nascimento do médico José Normanha de Oliveira
Redação DM
Publicado em 16 de março de 2016 às 02:39 | Atualizado há 9 anosA Academia Goiana de Letras prestará, nesta quinta-feira, uma singela homenagem ao ex-acadêmico José Normanha de Oliveira que, se vivo estivesse, estaria completando no próximo mês de abril (dia 21), 100 anos de nascimento; este acontecimento faz parte das atividades do Ano Cultural Bariani Ortêncio.
Coube-me, por indicação da nossa Presidente, poetisa Lêda Selma de Alencar, a honra de falar em nome daquele nosso sodalício, sobre a vida do nosso tão querido e inesquecível Acadêmico.
José Normanha nasceu na cidade de Carinhanha, situada no sudoeste do estado da Bahia, às margens do Rio São Francisco; seus pais eram modestos sitiantes na região e ele, o menino José Normanha, o auxiliava nas lides da roça, por isto só foi alfabetizado com a idade de 13 anos (curso primário).
Um dia, em reunião da família ao redor da mesa de jantar, seu pai vaticinou seu futuro:
– José, por você ser o mais velho e ter demonstrado interesse pela escola, vai continuar seus estudos e depois volta para ajudar-me a encaminhar seus irmãos; seu padrinho que mora em Salvador, aceitou ajudá-lo. Ali, José Normanha fez o curso ginasial e novamente um parente ajudou seu pai a encaminhá-lo; um seu primo que morava em Belo Horizonte levou-o para aquela cidade, onde completou o curso secundário e depois foi aprovado no vestibular para a Faculdade de Medicina.
Bem mais tarde, já um homem filósofo, José Normanha escreveu vários livros, muitos deles autobiográficos; pinço do livro “Poeira do Tempo” este pequeno trecho evocativo, segundo penso, daqueles tempos:
“Quando menino aprendemos a construir castelos de areia. Depois, construímos com os sonhos os castelos de nossas ambições… E, assim, nós nos tornamos eternos construtores de falsos castelos que a mão do tempo vai refazendo e o mar da vida vai destruindo.”
É preciso ser realçado um fato que fala por si mesmo sobre as dificuldades econômicas da sua família: durante todo este tempo em que esteve fora, José Normanha nunca mais voltou à sua casa paterna e, também, nunca recebeu a visita de nenhum parente, suas ligações eram por intermédio de intermináveis cartas.
Parece que foi no 3o. ano do curso de medicina que José Normanha “encontrou” Bernadete, aquela que seria sua querida companheira pelo resto da vida e que lhe deu três filhos, João e Leonardo (hoje médicos) e Renata (advogada e poetisa maior) além de vários netos .
No dia 8 de dezembro de 1945, ainda na euforia do fim da segunda guerra mundial, José Normanha formou-se em medicina; como dissemos anteriormente, durante todo esse período em que o jovem e sonhador José Normanha viveu longe da sua família, por premente dificuldade econômica, ele nunca recebeu a visita de nenhum deles, inclusive no dia da sua formatura.
Este episódio ele registrou com tintas carregadas de tristeza no seu livro “Pensamentos Vividos”:
“Sozinho, sem ter com quem compartilhar aquela esperada alegria, longe do carinho afetivo dos meus, de quem as dificuldades e as conveniências da vida muito cedo me separaram, confortado apenas com a simpatia carinhosa de algumas palmas discretas e sinceras de meus colegas, eu me convencera de que chegara, enfim, talvez retardatário, ao meu sonhado país de Ítaca.”
Logo após terminar o curso, José Normanha voltou para junto dos seus pais, como havia prometido a si mesmo, pois desejava cumprir a palavra empenhada com o pai e também porque desejava exercitar a medicina junto à população carente do agreste.
No entanto, os desígnios de Deus não permitiram que ele desfrutasse, como médico, da companhia do pai. Três meses após sua volta, o sr. João Moreira Normanha adoeceu gravemente e acabou falecendo; no entanto, dr. José Normanha tinha que continuar seu trabalho de médico pelos sertões, quase sempre em lombo de cavalos.
Apesar da vida agitada de médico, dr. José Normanha não olvidava do compromisso que havia feito com a jovem Bernadete, que o esperava; embora ele tivesse a percepção de que se continuasse naquela vida de “samaritano da medicina”, não teria condições de constituir família.
A oportunidade surgiu: teve notícia de que uma “mina de diamantes”, localizada na cidade de Coromandel, no triângulo mineiro, estava precisando de um médico para dar assistência aos garimpeiros, dr. Normanha não deixou o “cavalo passar arreado”.
Ali, graças à experiência profissional que adquirira naqueles anos que passara no sertão, em poucos meses de labuta, ele conseguiu guardar uma boa quantidade de pedras preciosas.
Com isto tornava mais fácil realizar a segunda parte do seu plano de vida: casar-se com Bernadete.
Mais uma vez a sorte foi-lhe favorável, um propagandista de laboratório farmacêutico chamou-lhe a atenção sobre a cidade de Goiânia – “onde existia futuro e que valeria a pena ir conhecê-la e, quem sabe, começar ali o que seria mais tarde a sua realidade, a sua vida como médico e cidadão, junto com esta informação, o propagandista acrescentou que, em ali chegando, deveria procurar o médico dr. Eduardo Jacobson, com quem, certamente, encontraria ajuda”.
Dr. José Normanha veio para Goiânia no início do ano de 1949, foi amor a primeira vista!
Depois de alguns dias, encontrou-se com o dr. Aristoclides Teixeira, médico já conceituado na cidade e seu “veterano” na Faculdade em Belo Horizonte e este o apresentou ao dr. Eduardo Jacobson, na época construindo o Hospital Santa Luíza, na esquina da Avenida Goiás com a Av. Paranaíba. Este encontro selou uma amizade que duraria por toda a vida dos dois.
Dr. Eduardo o aconselhou a fazer um curso de especialização em radiologia, especialidade que a cidade estava carente e indicou-lhe três serviços (Belo Horizonte, Rio de Janeiro e São Paulo), dr. Normanha seguiu os conselhos do novo amigo!
Após a conclusão dos cursos, dr. José Normanha estava apto a exercer a especialidade e voltou incontinente para Goiânia, quando ficou conhecendo, por intermédio do seu amigo Jacobson, outros médicos, dr. Simão Carneiro de Mendonça, dr. Bruno de Oliveira Torres e o dr. Sebastião Faria, dentre outros. Todos se tornaram seus grandes amigos.
No dia 28 de setembro, dr. Normanha foi a Belo Horizonte para se casar com a jovem Bernadete de Lourdes Martins e, logo em seguida, ela o acompanha na nova aventura profissional, estabelecendo-se, definitivamente, em Goiânia, naquela época com uma população estimada em 50.000 habitantes e pouco mais de 20 médicos, dentre eles destacam-se os pioneiros Altamiro de Moura Pacheco, José Fleury, Domingos Vigiano, Eduardo Jacobson, Sebastião de Faria, Waldemiro Cruz, Clovis Figueiredo, José Sócrates, Bruno de Oliveira Torres, Simão Carneiro de Mendonça, Aristoclides Teixeira, Newton Wiederhecker.
Não havia passado um ano da sua vinda para Goiânia e dr. José Normanha já inaugurava o seu moderno “Instituto de Radiologia e Radioterapia” localizado na Avenida Goiás quase esquina com a Avenida Paranaíba; era o primeiro serviço de radiologia e radioterapia de Goiânia radicado fora do ambiente hospitalar. Foi naquele instituto que o pioneiro José Normanha realizou o primeiro tratamento de câncer em Goiás, utilizando-se da radioterapia.
Na próxima quarta-feira irei comentar sobre a vida do médico, do filósofo, do maçom e sobretudo do escritor e poeta dr. José Normanha de Oliveira, em Goiânia.
(Hélio Moreira, membro da Academia Goiana de Letras, Academia Goiana de Medicina, Instituto Histórico e Geográfico de Goiás)