Goiânia invisível
Diário da Manhã
Publicado em 16 de fevereiro de 2016 às 21:04 | Atualizado há 4 meses
Arte da página Goiânia Invisível Uma rede de páginas criadas no Facebook vem buscando viabilizar a comunicação e os discursos de moradores pouco escutados de grandes cidades do Brasil. A Goiânia invisível faz parte dessa rede. Foi criada em janeiro de 2015, e de lá pra cá vem publicando histórias simples de gente que muitas vezes não consegue estabelecer empatia com a população no dia a dia. São vendedores ambulantes de bala e de artesanato, moradores de rua, pessoas que perderam contato com a família, pedintes: pessoas que são colocadas à margem da sociedade por não se enquadrarem em algum dos “padrões de civilidade” impostos pela vida metropolitana.
A página possui cerca de 1200 curtidores, que na maioria são profissionais da área da comunicação, da educação e estudantes universitários. Na descrição da página, não há nenhum tipo de créditos a organizadores. Apenas é exposta a ideia central da iniciativa: “O Goiânia Invisível é um projeto que procura dar voz aos que não podem falar, dar visibilidade aos que são invisíveis e dar ouvidos aos não que não escutam”. A maioria dos relatos publicados na plataforma virtual nos faz compreender as pessoas tem plena consciência de suas situações, e percebem a ignorância de uma parte da população.
Depoimentos
Um casal de artesãos encontrado na Rodoviária de Goiânia deu seu depoimento à página, falando sobre a emoção que é viajar pelo país. “Ele é de São Paulo, eu sou do Pará, mas moramos em Roraima. Estamos dando uma volta pelo Brasil e agora estamos voltando pra casa. Acabamos de chegar em Goiânia. Nós passamos o carnaval em Pirenópolis, as cachoeiras são ótimas!”. A mulher, não identificada, fala da viagem que não é fácil, porém gratificante. “Pra chegar em casa temos que pegar o rio madeira durante 3 dias, e a sensação de navegar é maravilhosa”.
Ao longo dos três parágrafos de depoimento acompanhados por uma foto, a mulher do casal toca em vários pontos de diversidade cultural: “Nasci na beira do rio, melhor coisa do mundo. Na cidade que a gente mora é uma cidade pequena e a gente foi criada no mato, nós pescamos desde pequenos e caçamos na mata. Comemos veado, jacaré. Olha aqui o dente! Dente de macaco, de jacaré, catitu, de onça, dente de boto também. Caçamos até hoje. Olha aqui olho de boi! Tem muito dessa semente lá na mata. A gente usa pra tirar energia ruim”.
Goiânia invisível traz ainda o depoimento de José, que vende doces pelo centro da cidade. “Meu nome é Jose. Já tem um tempo que eu vendo essas guloseimas aqui. Até que dá pra viver, sabe? Mas ao mesmo tempo não. Me sinto muito sozinho. Minha mulher me trocou por outro já tem uns bons anos. Daí minha vida é meu trabalho”. José se sente bem por ter saúde pra trabalhar, e usa o trabalho como uma espécie de terapia contra a solidão. “Trabalhando me sinto forte, sabe? Ás vezes vejo umas pessoas sem perna, ou sem pé pedindo dinheiro. Eu não preciso disso. Sou inteirinho, posso fazer que eu quiser”.
José conta ainda que apesar de ser ignorado por algumas pessoas, também encontra quem esteja disposto a bater um papo, conviver. “Gosto muito de ver o movimento aqui no centro, é uma bagunça boa. Tem gente de todo tipo. Têm uns que ignoram a gente, outros conversam também, mas o bom é tá perto de pessoas, dá alegria pra vida”. Um dos sonhos do comerciante é conhecer Caldas Novas, no sul do estado. “Tenho vontade de conhecer Caldas Novas. Todo mundo fala que lá é um paraíso. Ficar de baixo da água quentinha durante horas deve ser uma sensação muito boa”.
A saga de Emerson, catador de latinhas que vive em Goiânia há dez anos já passou por várias capitais do país: “Morei dois anos lá em Salvador, lá no Pelourinho, mas sou de Belo Horizonte. Já rodei Recife, Macapá, Belém, Natal”. Ele fala da maneira como os valores humanos são sustentados nos grandes centros: através da aparência. “o ser humano hoje em dia olha muito pela aparência. Às vezes a pessoa vê um catador de latinha igual eu andando e ela tá na minha reta mas faz questão de atravessar achando que eu vou roubar. Pode estar vindo um cara limpinho, todo arrumadinho, chegar e roubar. Vai mudar tudo”.