José Sampaio de Lacerda, o sábio do Coité II
Redação DM
Publicado em 12 de março de 2016 às 01:23 | Atualizado há 9 anosNasceu na Vila do Coité, mais tarde cidade de Mauriti, Ceará, onde, até os nove dez anos, foi alfabetizado pelas parentas professoras Alice e Etelvina Leite de Lacerda. E onde recebeu avançados conhecimentos de Português, Matemática, Geografia, História, Marcha Militar e Cívica, ‘a título de preparação da juventude para a defesa da Pátria’, tudo isso ministrado pelo professor Anselmo Chaves, amazonense ilustre, privado de ambas as pernas que perdera em missões na floresta amazônica. Nos desfiles das datas cívicas, os alunos marchavam, a pé, pela cidade, parando e discursando nas portas dos pais (discursos preparados pelo mestre e decorados pelos alunos), enquanto ele acompanhava os desfilas em lombo de um cavalo. Esse foi um período inesquecível, porque lhe deu a base intelectual e ética de sua carreira. Dos 10 aos 19 anos, enfrentou ‘dura luta nas atividades próprias da agricultura, pecuária, caçadas noturnas de animais silvestres (peba, tatu-bola, tamanduá, mocó, punaré, preá), tudo para sobrevivência. Foi a sofrida época da seca de 1932, ‘quando a população foi obrigada a comer fibras torradas de macambira e pão de massa lavada de mucunam, com as carnes dos bichos do mato referidos.
A 28 de janeiro de 1944, com boa aprovação, em turma numerosa, consegue convincente aprovação (pág.168). No mesmo ano, matriculou-se na primeira série do Curso Ginasial, com aprovação em lugar de destaque. Encerrado o ano letivo de 1946, transferiu-se para Fortaleza para trabalhar e estudar, oportunidade em que contou com o apoio do amigo Ivonísio Mosca de Carvalho, que lhe conseguiu, além de vaga na ‘Casa do Estudante Pobre’ do ‘Centro Estudantil Cearense’, Matrícula no ‘Liceu do Ceará’, e, finalmente, emprego de cobrador da ‘Texaco’, a partir de fevereiro de 1947. Outra inestimável ajuda lhe veio do dr. José Leite Maranhão, primo legítimo de sua mãe. Aquele primeiro emprego durou de fevereiro de 1947 a dezembro de 1952, quando foi nomeado, mediante concurso público, escriturário da então autarquia federal ‘Lloyd Brasileiro’, onde permaneceu de dezembro de 1949 a dezembro de 1952, quando foi nomeado, mediante concurso, Auxiliar de Escriturário do Banco do Brasil, Agência de Salvador (BA). Àquela época, 1952, já havia concluído o segundo ano do Curso de Direito, após cursar o Científico. A 10 de junho de 1948, casou-se com a Senhorita Francisca Zita de Moura Lacerda. De 1949 a 1952, nasceram-lhe os três primeiros filhos: Maria Simone, Judite e José Júnior, e colou grau em Direito em 8 de dezembro de 1955, no Salão Nobre da Reitoria da Universidade Federal do Ceará, pelas mãos do professor Orlando Gomes, um dos ícones do Direito Privado, no Brasil. A seguir, exerceu as funções de advogado do Banco do Brasil, na Bahia, no Ceará e nas Comarcas de Araripina, Bodocó, Exu, Ouricuri em Pernambuco, além de cumprir missões especiais em Camocim, Iguatu, Quixeramobim, Aracati e Fortaleza Ali, fundou e dirigiu a Faculdade de Ciências Econômicas do Crato, então agregada à Universidade Federal do Ceará (pág. 170).
“Dos 44 aos 68 anos, já com residência fixa em Brasília-DF, desempenhou as funções de advogado, assessor, consultor jurídico contencioso e consultor jurídico geral do Banco do Brasil, responsável pela atuação jurídica daquela instituição, inclusive realizando cursos e seminários de advogados em várias cidades do País, resolvendo graves questões internas e internacionais, tendo, inclusive, solucionado problema jurídico-processual de repercussão na imprensa, tendo como objeto a sede do Banco do Brasil em La Paz, Bolívia, vitória para a qual muito contribuíram o consultor Ladislau Carmona, e o cônsul da Bolívia, em Brasília-DF. Esse período durou até sua aposentadoria, setembro de 1988. Dos 68 aos 77 anos, ufana-se, doutor Lacerda, de haver exercido, com firmeza, dignidade e eficiência, as funções de procurador-geral da Conab (de 1990 a 1992), e de corregedor-geral da Advocacia da União (1994 a 2001), responsável pela fiscalização e controle do serviço jurídico da União, executado, no País inteiro, pelos integrantes das carreiras de advogados da União, procuradores da Fazenda Nacional, assistentes jurídicos e procuradores federais das Autarquias e Fundações Públicas. Participou, ainda, do Conselho Superior da AGU – Advocacia Geral da União, cujo Regimento lhe coube elaborar.
No dia 22 de janeiro de 2004, doutor Lacerda, o ‘Zezé do Coité’ – como era, carinhosamente, chamado, na intimidade dos parentes e amigos, ao completar 80 anos de idade, mas com muita disposição para o trabalho, para o estudo e para a meditação, ao lado da querida esposa e notável companheira, dona Francisca Zita de Moura Lacerda. Tive muita sorte por ter sido contemplado com a esposa que a Providência pôs na minha senda, verdadeira estrela d’alva sem a qual, certamente, eu me teria perdido nas ‘veredas da mata’ pela qual trilhei por mais de 60 anos. Eis a homenagem que, emocionado, lhe presta:
“Quando nos casamos, no glorioso 10 de junho de 1948, Francisca Zita tinha apenas 19 anos, mas já tinha a personalidade de uma grande ‘dona de casa’, segundo a qualificação social e familiar daquela época, principalmente na ‘terra alencarina’, o Ceará, lá onde nasceu Iracema, ‘a virgem dos lábios de mel’, como cantou em prosa o grande romancista cearense, José de Alencar. Graças à bênção do Altíssimo – além de gerar e criar oito filhos (três homens e cinco mulheres), sobrecarregada com mais cinco irmãos meus, encaminhados a nossa casa depois da morte de minha mãe –, ela sempre me apoiou nos momentos mais difíceis de minha história, jamais levando em consideração as fraquezas humanas de seu marido. Sempre foi bela, meiga, compreensiva, trabalhadora, econômica, responsável, exemplo da melhor esposa que se possa encontrar na face da terra! Lembro-me de que, quando fui apresentá-la à família do Coité, um tio de minha mãe, Joaquim Furtado Maranhão (‘Padrinho Quinco’), que já estava bastante idoso, ao observá-la bem de perto, dirigiu-me a seguinte pergunta: Zezé, onde você foi buscar essa francesa? Tudo isso porque ela era alva, coada e muito bonita” (pág. 174)
José Sampaio de Lacerda, o Sábio do Coité – Ele, Lacerda, deixou, ao longo de sua trajetória luminosa, um lastro de belas realizações, que vão ficar para a posteridade. Bem assim, uma prole numerosa. Com a sua esposa, dona Zita, construiu uma prole, que é uma referência para a sociedade: Os filhos Maria Simone, Judite, José Júnior, Antônio Carlos, Maria de Fátima, Cristina Zita, José (in memoriam), John e Cristiane.
Sua vinculação às raízes sertanejas identificam-no, perenemente, como nesta trova popular:
“Vou contar uma história,
Ninguém diga que é mentira,
Pois na seca de trinta e dois,
Comi ‘pão de mucunam’
Com raiz de ‘macambira’.
E mais adiante¨
“Quisera ser ignorante
Como um cantor sertanejo:
Era este o meu desejo,
Não ter nenhuma instrução;
Mas ter o dom do improviso,
Para dizer de momento
As dores do pensamento
E as magoas do coração!’’
Sebastião Pereira “era dos chamados Pereira ‘brancos’: pele alva, olhos claros, nascido aos 20 de janeiro de 1896. Sobrinho-neto do coronel Andrelino Pereira da Silva, barão do Pajeú. Estirpe de nobres portugueses. Por questões familiares contra os Carvalho, ingressou no cangaço, última forma de vingança mais protegida entre famílias belicosas naquele tempo.” Eis uma quadra que marca todo o seu orgulho:
“Eu gosto de Pau Pereira
Que é pau de opinião
Todo pau ‘fulora’ e cai
Só o Pau Pereira não.
Quem tem questão com Pereira
Tem muita volta que dar
Dorme tarde, acorda cedo
Pisa no chão devagar.”
Estas quadras estavam bastante em voga nos idos de 1916, e era uma espécie de ‘canto de guerra’ da família Pereira na ribeira do Pajeú. Sinhô Pereira, na época homem de uns 19 anos de idade, e trazia no sangue a austeridade e a rigidez moral da família Pereira. Rancoroso, violento, vingativo e valente. Era, contudo, um homem de boa aparência, alto, moreno, cabelos revoltos.
Por sua vez, o padre José Furtado de Lacerda pertencia à grande família Furtado de Lacerda, de Muriti e adjacências, cujos troncos eram originários de Pau dos Ferros, no Rio Grande do Norte, espalando-se por todo o Nordeste brasileiro. Dentro daquele físico franzino e gestos simples, o padre Lacerda escondia o homem de gênio forte, o advogado combativo e o político ladino. Era, entretanto, criterioso bastante, vaidoso com suas coisas e consigo próprio. Dele pertencia a quadra abaixo, que enviara aos seus parentes residentes em Fortaleza, nos idos de 1920:
“Na batina, sou um padre
No gibão, sou um vaqueiro
No fuzil, sou um soldado,
No rifle, um cangaceiro.”
Dizem que havia sido vigário da Paróquia de Senador Pompeu onde teria deixado um filho (pág. 50).
(Licínio Barbosa, advogado criminalista, professor emérito da UFG, professor titular da PUC-Goiás, membro titular do IAB-Instituto dos Advogados Brasileiros-Rio/RJ, e do IHGG-Instituto Histórico e Geográfico de Goiás, membro efetivo da Academia Goiana de Letras, Cadeira 35 – E-mail [email protected])