Cultura

Paisagismo musical

Redação DM

Publicado em 9 de março de 2016 às 22:47 | Atualizado há 7 meses

 

Naná Vasconcelos nasceu em Recife, onde se viu envolvido desde jovem com tambores nos movimentos de maracatu, ritmo tradicional de sua região. Guiou uma carreira de mais de 50 anos na música, trabalhando ao lado de artistas de várias partes do mundo. Sua maestria em criar ambientes e imagens através da percussão garantiu sua presença em grandes clássicos da música brasileira. O estudo do berimbau e de suas possibilidades sonoras é uma das grandes habilidades do artista, e pode ser sentido através do disco ‘Saudade’, de 1980, seu trabalho mais conhecido mundialmente, no qual é acompanhado pelas cordas do mineiro Egberto Gismonti e pela Orquestra Sinfônica da cidade de Stuttgart, na Alemanha.

Em sua longa carreira internacional, fez parceria com vários músicos, principalmente nos Estados Unidos. Influenciou no conceito de ‘música ambiente’, participando de discos de Brian Eno e Jon Hassell. Compôs em 2013 a trilha sonora do longa-metragem em animação ‘O menino e o mundo’, filme indicado ao Óscar em 2016. Naná Vasconcelos morreu na manhã da última quarta-feira. Ele estava internado há dez dias em Recife, onde passou nos últimos dois anos por tratamentos de rádio e quimioterapia em uma batalha contra o câncer de pulmão. Mesmo doente, participou da abertura do último carnaval de Recife. Em 2015 recebeu o título de doutor honoris causa  da Universidade Federal Rural de Pernambuco.

Nos Estados Unidos, Naná caiu direto na nata do jazz, provando que sempre viveu a música de forma intuitiva. Em entrevista cedida por Naná em junho de 2015 ao jornalista Guilherme Espir, do site ‘La Parola’, ele revela como se observava como músico no cenário artístico agitado dos EUA, onde teve que improvisar muito. “Não tive processo de adaptação, eu não cheguei lá tocando isso depois toquei aquilo. Foi assim: vai meu filho! Um processo bem espontâneo e que precisou ser rápido”. Naná atribui seu sucesso à maneira peculiar como ele explorava o sentido da percussão e dos instrumentos na música. “Eu tinha uma coisa que eles não tinham, por isso eu estava fazendo sucesso lá. Eles nunca tinham visto uma coisa dessas”.

A criação de atmosferas e ambientes climáticos é um elemento recorrente no trabalho de Naná Vasconcelos. Ele conta que conseguiu vislumbrar o potencial sinestésico e imaginativo da música através do contato com a obra de Heitor Villa-Lobos, compositor brasileiro de música clássica. “Em ‘Trenzinho Caipira’, ele monta o trem e coloca você na janela vendo as paisagens do Brasil. […] Surgiu muito com o Villa Lobos, essa ideia, esse lado visual… A intuição me levou a pensar dessa maneira”. Sentindo-se o estrangeiro, Naná expressava essa incomunicabilidade em sua música. “Na época era muita informação chegando e eu no meio do pessoal do Jazz, eu nem falava Inglês, e eu ficava pensando muito em casa, tinha que inventar alguma coisa”.

Na entrevista, Naná também explicou como percebe a percussão. Para ele, ela não precisa ser um acompanhamento, pois por si só ela pode conduzir e tomar o poder da música. “Pra mim a percussão é uma orquestra de timbres, eu uso a percussão como se fosse uma orquestra”. Ele esclarece ainda que percussão não está na força ou na rapidez, mas no ‘jeito’. “Eu procuro contar histórias através dos sons”. A música de Naná percebe os instrumentos como uma extensão do corpo humano. “O primeiro instrumento é a voz, ou melhor, o corpo. O resto é consequência disso. Então a música pra mim está em tudo”.

Colaborações

Naná Vasconcelos já participou de mais de 100 discos como percussionista. Dentre eles podemos apontar alguns clássicos da música nacional como ‘Mustang cor de sangue’ de Marcos Valle (1969), ‘A divina comédia ou ando meio desligado’ dos Mutantes (1971), Milagre dos Peixes, de Milton Nascimento (1973), ‘Estrangeiro’, de Caetano Veloso (1989), ‘Verde, anil, amarelo, cor-de-rosa e carvão’ de Mariza Monte (1994) e ‘Batuque freak’, de Karol Conka (2013). Com músicos internacionais, teve destaque nos trabalhos ‘Fourth World vol. 1: Possible Music’, de rian Eno e Jon Hassell (1980) e ‘The Rhythm of The Saints’ de Paul Simon (1990), bastante conhecido pela dupla Simon & Garfunkel.

Naná colaborou em discos clássicos de Mutantes, Milton Nascimento e Marisa Monte

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