Comissão de direitos humanos da OEA encara desafios interamericanos
Redação DM
Publicado em 21 de janeiro de 2016 às 10:06 | Atualizado há 10 anosWASHINGTON – Após recorde de demandas em 2015, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), da Organização dos Estados Americanos (OEA), inicia o ano com novos desafios, temas relevantes e composição. Com a troca de quatro de seus sete membros, a entidade, considerada a mais importante do assunto no continente, tem de enfrentar restrições orçamentárias e estoque elevado de casos aguardando anos por resolução.
Dados inéditos de 2015, obtidos pelo GLOBO com exclusividade, mostram que, no ano passado, a comissão recebeu 2.164 petições, número recorde e 23% maior que em 2014, mas só conseguiu decidir sobre a abertura ou não de processos em 1.084 casos — a metade. O Brasil foi o quinto país mais demandado (99 petições) e o segundo com maior número de pedidos aceitos (40). No ano passado, 14 casos da comissão foram para a Corte Interamericana de Direitos Humanos, a segunda instância continental, sendo dois do Brasil. O estoque dos pedidos que aguardam análise cresceu 7% e fechou o ano com 9.673.
— Muitos países dizem que não vão ampliar suas doações para a comissão por afirmarem que ela demora. Ora, a demora é justamente pela falta de recursos. É milagroso o que conseguimos fazer — afirmou o americano Jim Cavallaro, presidente interino da CIDH que, segundo fontes, tende a ser eleito em abril.
orçamento de us$ 11 milhões por ano
Ele afirma que a CIDH recebe cerca de 5% do orçamento da OEA e, para ter os cerca de US$ 11 milhões que consome anualmente, depende de mais da metade de doações de organismos e de países europeus. Ele afirma que o orçamento deveria ser no mínimo o dobro e critica que nações tenham os direitos humanos como prioridade no discurso, mas que na prática não fortalecem a comissão. Ele também vê a falta de prioridade no processo de escolha dos candidatos à CIDH.
— O processo de indicação dos candidatos quase sempre é feito sem debate. Não estou reclamando da qualidade dos membros da CIDH, mas sim do processo de escolha. É preciso mais transparência — disse Cavallaro.
Mas Katya Salazar, diretora-executiva da Fundação do Devido Processo Legal, não é otimista sobre o orçamento. Ela acredita que Oriente Médio e África afastam os doadores das Américas e que a comissão terá de se adequar ao que tem. Katia vê uma boa oportunidade de renovação com os novos quatro membros e não enxerga riscos de perda de independência — agora, três membros são oriundos do Executivo, incluindo o brasileiro Paulo Vannuchi. Ela crê numa oportunidade de aproximação da OEA com seu novo presidente — o uruguaio Luis Almagro, que definiu como prioridade em sua gestão “mais direitos para mais pessoas” — e um impulso do Canadá, com seu novo governo de esquerda.
— O grande desafio será o debate entre segurança e direitos humanos, que afeta quase todos os países. Há ainda a independência judicial, na qual o Brasil é bem avaliado, conflitos sociais por exploração de recursos naturais, corrupção e direitos culturais e sociais — disse Katya.
José Miguel Vivanco, diretor para as Américas da Human Rights Watch, afirma que o maior desafio da Comissão — que entre 2011 e 2014 esteve sob ataque das nações “bolivarianas” do continente (principalmente Venezuela e Equador) e do Brasil (sobre a hidrelétrica de Belo Monte, processo a que o órgão deu continuidade dias atrás) — é desvincular os direitos humanos das questões ideológicas.
— Direitos humanos são valores universais e devem ter os mesmos padrões para governos de todas as colorações e países de todos os tamanhos — disse ele.
A brasileira Jessica Morris, diretora da Conectas Direitos Humanos, afirma que a CIDH deve continuar como protagonista do tema na região. Ela lembra que a Lei Maria da Penha, contra a violência feminina, surgiu no Brasil por sugestão da comissão. Contudo, vê desafios:
— Temos casos de 2007 que não tiveram sua admissibilidade analisada. Isso gera aflição às famílias das vítimas.
‘congresso conservador no brasil’
Viviana Krsticevic, diretora do Centro pela Justiça e Direito Internacional, afirma que a comissão terá de enfrentar desafios internos, como melhorar a representação feminina em sua estrutura e dar atendimento mais célere aos processos. Já Natália Damazio, advogada da ONG brasileira Justiça Global, alerta:
— No Brasil, além dos impactos da crise econômica, nos preocupa a atual composição do Congresso, a mais conservadora desde a ditadura militar. Vemos a tramitação de projetos que criminalizam a luta pelos direitos humanos e retrocedem os já conquistados — afirmou ela.