Opinião

“Nem toda estrada é caminho”

Redação DM

Publicado em 29 de dezembro de 2015 às 23:40 | Atualizado há 9 anos

O título epigrafado é do livro do jovem escritor Nazareno de Souza Santos, o Naza, de fortes ligações com a terra mineirense, onde cresceu com seu Dorvalino e dona Felisbina, seus pais. Ele mesmo conta que aqui foi escoteiro. Nadou nos córregos da cidade. Gostou de meninas e professoras. Apaixonou-se várias vezes, sem desapaixonar-se. Quis salvar o mundo, quando quebrou a cara, sem perder a fé. Fez serenatas e considera as boas amizades imprescindíveis. Encontrar os amigos para uma cerveja, boa música e conversa sem pressa, é uma das coisas que lhe dá mais prazer. Gosta de manifestar o que pensa e o que sente. “Um dia ainda vou voar”, jura.

Apesar da forte intimidade com Mineiros, Naza nasceu numa sexta-feira de 1971, em Goiânia, a bela Capital com origem num poema épico de Manoel Lopes de Carvalho Ramos, pai do grande Hugo de Carvalho Ramos, ilustre autor de “Tropas e Boiadas”, um dos livros mais famosos do chamado regionalismo literário brasileiro, cujo pano de fundo tem muito a ver com a paisagem rural e campesina de Mineiros, onde o Naza cresceu no bairro que já foi o mais pobre, alegre e comentado do lugar, apelidado “Baixadinha”, também chamado pelas más-línguas “escorrega-mingeis”, onde Naza foi garoto sujo das ruas empoeiradas. Só posteriormente virou o pomposo setor Oeste, compatível com o velho desejo de abastados e grã-finos do lugar, onde amor platônico, incompatível com hipocrisia, imaginado e defendido por Naza, além de raro, é completamente diferente, certamente porque Naza quer mostrar a todos nós que “Nem toda estrada é caminho” na biografia das pessoas. Comportamento filosófico ou religioso, tendo a moral como valor universal, tem seus limites.

Pouco importando onde nasceu ou viveu, Naza da minha longa amizade nas lides literárias, é escritor por convicção, mais propriamente no âmbito da ficção, devendo ser por isso que desde cedo (…) “achou de ser livre e de manifestar-se através das palavras escritas, mesmo com sua linguagem limitada de vocábulos, (…) repleta de sentimentos…”, como confessa, acrescentando que desde “a percepção do mundo, sempre gostou de ser atento observador”, característica dos bons intelectuais, sobretudo na ficção literária, começada pelos poemas na adolescência, que não se destinavam para namoradinhas, como era de se esperar, mas já expressavam sua indignação frente às injustiças que afligem a sociedade; seguindo o velho costume da crônica, bem humorada, às vezes ácida, utópica, onde busca um mundo melhor; elabora os contos curtos, sempre cheios de emoção e visão crítica.

É chorão, não esconde lágrimas, encobre risos. Sua casa no reservado Setor Cohacol, foi um animado palco de saraus, momentos de lazer e criação, discussão cultural.  Só recentemente exibe com rara mestria o gênero literário do romance, decerto a mais elevada expressão da arte, inaugurada no rico conteúdo de “Dois Segundos” (2013), a começar da nomeação do título; sequenciado por “O Círculo de Loki” (2015), quando Naza, mais amadurecido, ansioso na busca da perfeição, sobretudo literária, escolhe o estressante cenário do cotidiano goianiense, onde a narrativa não tem como não ser a de um romance policial construído pela violência e ousadia da “arte engajada” do Naza, na geografia física e humana da Capital, onde os crimes e a barbárie são anunciados de domingo a domingo.

Finalmente, publica “Nem toda estrada é caminho” que, admita ou não Naza, é sua primeira e por certo a mais real autobiografia literária de sua atribulada, pra não dizer dramática, vida no cenário mineirense, onde, além do curso superior em Ciências da Computação na Unifimes e outras experiências acadêmicas, adquiriu seu maior cabedal como artista e escritor, firmando-se e consagrando-se a cada livro que lança. Percebo, inclusive, que o Nazareno, de tão impregnado da “cultura da pobreza”, conceito tomado ao livro clássico de Oscar Lewis, pela força de sua interpretação, atinge à “cultura da transformação”, que lhe é imprescindível. Sua obra está imortalizada, a partir de Mineiros, vale a pena adquiri-la! Parabéns!

 

(Martiniano J. Silva, advogado, escritor, membro do Movimento Negro Unificado (MNU), da Academia Goiana de Letras e Mineirense de Letras e Artes, IHGGO, Ubego, mestre em História Social pela UFG, professor universitário, articulista do DM – [email protected])

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