O impeachment que já se deu!
Redação DM
Publicado em 15 de dezembro de 2015 às 22:21 | Atualizado há 10 anosOs paulistas categorizaram de lulopetismo ao amplo movimento político que conduziu o ex-operário Luís Inácio Lula da Silva à Presidência da República em 2002. Trata-se de novo fenômeno político posto que realiza interfaces fundamentais com aspectos e fenômenos nacionais e internacionais sumamente contemporâneos, no entanto, traz também e, da mesma forma, componentes essenciais da tradição política brasileira e que foram atualizadas pelo Partido dos Trabalhadores (PT) a fim da garantia da sua governabilidade.
Assentada em um presidencialismo de coalização capenga, frouxo e sustentado pelo fortalecimento de caciques locais ou regionais onde fatias da máquina pública são solenemente entregues para donatários da política brasileira, a coalização pró-governo enredada pelo PT é de outra maneira, a doação de poder político e administrativo para nichos políticos-empresariais e que, em troca, prometem não chafurdar o Governo. Evidentemente… Não cumprem o prometido!
Modelo frágil e falido porque a estratégia não deu certo, não gerou estabilidade e ao contrário, a coalização azeitada pela máquina de governo do PT deu forma para o “frankenstein político” e que agora tenta precipitar Dilma e suas “boas intenções” no precipício do impedimento.
Sem mais delongas, lembremos que o PMDB, já “dono” da vice-presidência ocupada pelo fleumático Michel Temer; com o indefectível Eduardo Cunha fazendo e desfazendo na Câmara dos Deputados e; com Renan Calheiros presidindo o Senado; fora contemplado ainda com sete ministérios (Ciência, Tecnologia e Inovação; Minas e Energia; Secretaria de Portos; Turismo; Agricultura, Pecuária e Abastecimento; Saúde e; Aviação Civil [este, recentemente desocupado por Eliseu Padilha!]).
O PMDB “gordo” de cargos e poder é o porco em melhores condições de abate. Política é equilíbrio e a ausência de poder é tão danosa quanto seu excesso. Mas, ponderemos… O PMDB pecou pelo excesso; os outros, pela carência, pela hipo suficiência de participação, de decisão e poder e daí… Temos o que temos: “Obesos e famélicos” unidos ou separados pelo ódio, pela avareza e por nacos de poder.
Nem vou falar de movimentos sociais, de partidos, de militâncias das mais diversas e mesmo dos trabalhadores do Brasil que foram fundamentais para a assunção de Dilma Roussef e que foram sumariamente apartados das possibilidades do poder.
Caberia à presidente da República construir esse equilíbrio. Como não foi capaz de ajustar a balança do poder é vítima de sua incapacidade política e administrativa.
O PSDB identificou nesse desequilíbrio, nessa assimetria de potência a chance e possibilidade de operar e avançar em sua lógica de “terra arrasada”. Identificou que o PMDB é um multifacetado político que é movido única e exclusivamente pelo poder.
Compreender as bases da “governabilidade de vidro” do petismo pós-PT é tão complicado quanto entender o PT desprovido de sua lógica fundadora e que, outrora, era movida por ideais de justiça social, equidade, republicanismo e… Socialismo.
Nesse sentido, a “base” da governabilidade das administrações petistas inclui desde parte de movimentos sociais como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), passando por colegiados de reitores das universidades brasileiras, movimento de catadores de materiais recicláveis até ao conclave de bispos da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD). É uma saraivada política, uma geleia geral de “coisas políticas” e que cuja soma não gera qualquer síntese.
Na verdade é um alongado político de instituições que não forma uma efetiva base sócio-política a dar sustentação efetiva, sobretudo, ao projeto eleitoral vencedor das eleições de 2014.
A sustentação a que me refiro são as condições de arregimentação social, política e econômica em favor da pauta administrativa expressamente posta no Plano de Governo de Dilma Rousseff, em favor do aperfeiçoamento da democracia e da modernização do país.
Ocorre que em um ano de administração empatada por “pautas-bombas”, obstrução de votações e conspirações de toda ordem arranjadas pelo demo-tucanato presente não só no Congresso, mas também no STF, no TCU e no próprio governo, a oposição vitoriosa, posto que 2015 foi o “ano tucano” e que, em que pese Dilma ter ganhado as eleições de 2014, foram, de fato, os tucanos que, pelo menos até aqui, tem governado.
E governou bem ao seu estilo! Com mentiras, manipulações, dissimulações, fraudes e ódio… Muito ódio! Dilma e seu núcleo duro de assessores viram-se em um transe jamais imaginado posto que o dialogo por estabilidade com interlocutores que mediam a política com ódio e despeito não é operação de fácil realização.
Quem vai se esquecer dos clamores pela volta dos militares? E as grandes concentrações, sobretudo, em São Paulo, pelo impedimento de uma Presidente recém-eleita? E o “humor” com toda sorte de racismo, fascismo e machismo contra a condição feminina da presidente?
Alguém vai se esquecer disso?
Estou seguro de que daqui a vinte, trinta ou quarenta anos quando essa história for contada, o termo Ódio deverá ser parte do vernáculo histórico-político nacional. Quem se lançar a interpretar os dramas que vivemos atualmente terá que ter no vernáculo “ódio” o ponto de partido fundamental para muitas das suas considerações. Autores, e sejam eles de esquerda ou de direita, que não incluírem esse termo em suas narrativas não serão dignos de serem lidos ou estudados.
Finalmente, falava da “vitória” do PSDB! E de fato, saiu vitorioso, afinal, manobrou de todas as formas para “queimar” um ano administrativo do Dilma 02. Um quarto do “novo” Governo Dilma escorreu e praticamente nada fora feito para ajustar a economia, ampliar políticas sociais e construir a infraestrutura e de que o país carece.
Certamente as “libertárias excelências” do impeachment não saibam, mas dados do DataSUS/TrataBrasil mostram que 61% das internações de crianças de até cinco anos no Brasil se dão em função de diarreia, ou seja… Não existe saneamento básico nesse país tucano.
Isso já é impeachment!
Aliás, milhões de brasileiros mirins já estão impedidos. Em um país subaproveitado do ponto de vista econômico, com tragédias ambientais acontecendo aos borbotões, com corrupção periclitando no cotidiano da vida nacional em todos os níveis, estratos e esferas do país e… A governança federal fora emasculada do seu tempo político e administrativo e, conforme se identifica, segue acanhada e em pleno mal-estar político e institucional.
(Ângelo Cavalcante, economista, cientista político, doutorando em Geografia Humana (USP) e professor da Universidade Estadual de Goiás (UEG), campus Itumbiara)