Cotidiano

Escolas de samba e blocos transformam escândalos de políticos em enredos

Diário da Manhã

Publicado em 13 de dezembro de 2015 às 04:05 | Atualizado há 9 anos

RIO — Vai ter Lava-Jato e escândalos até na folia. Mas em forma de brincadeira e crítica. É que a corrupção que corrói o país vai virar tema do próximo carnaval na Marquês de Sapucaí e também na irreverência dos blocos de rua. No sambódromo, a Mocidade Independente de Padre Miguel vai apresentar uma alegoria com ratos gigantes, de colarinho e gravata, para simbolizar os escândalos que assolaram o país recentemente. O longo histórico de “maracutaias” nacionais também será lembrado em escolas como a São Clemente e a Unidos de Padre Miguel. Já os blocos de rua vão satirizar assuntos que irão da crise político-econômica atual ao desastre de Mariana, em Minas Gerais.

No caso da Mocidade, o carnavalesco Alexandre Louzada ressalta que a escola vai se ater aos fatos, não aos personagens das denúncias de corrupção. A agremiação vai lembrar os 400 anos de morte do espanhol Miguel de Cervantes, mas com uma leitura nada tradicional. Pegará o personagem mais conhecido do escritor, Dom Quixote de La Mancha, e o trará para o Brasil. Em terras verdes e amarelas, o cavaleiro imortalizado na literatura irá se deparar com um país, segundo Louzada, “entregue às moscas”.

— Como a literatura de Cervantes nos apresenta um personagem que contestava o sistema da época, que era contra a corrupção e todas as mazelas de um país imaginário, nós fazemos uma associação com a situação brasileira atual. No nosso enredo, Dom Quixote acha que o Brasil é um paraíso tropical, como o descrito por escritores como Gonçalves Dias. Mas ele desperta para a situação que estamos vivendo, de caos. Repara que o Brasil é um grande abacaxi que vai ter que descascar, virado de cabeça para baixo, entregue às moscas e à corrupção — explica ele.

PETRÓLEO NO ABRE-ALAS

Logo no abre-alas, haverá uma referência à Petrobras, numa alusão aos esquemas ilícitos descobertos pela Operação Lava-Jato. Nos fundos do carro, plataformas de petróleo, com dragões em cima, vão demonstrar os desafios que Quixote terá de vencer. Em seguida, a terceira ala da verde e branca ganha o nome de “inflação bombástica”, para depois o desfile chegar à segunda alegoria, onde estarão os ratos gigantes, que sairão de dentro de um imenso queijo suíço sobrevoado por moscas.

— Quixote encontra um país corroído pela corrupção, como se fosse um verdadeiro queijo suíço. Os ratos representam a roubalheira, os que corroem e roubam a nação. E o queijo é suíço para lembrar que é para o país europeu que vai o dinheiro dos corruptos — diz Louzada.

Os roedores terão movimentos na cabeça e no focinho. Eles passarão o desfile tentando “sair” do carro. Mas estarão com o rabo preso dentro da alegoria, em mais uma brincadeira da escola. Já no alto do carro, virá a figura de Sancho Pança. Na literatura de Cervantes, o companheiro fiel de Quixote é quem o ajuda a voltar à realidade. No enredo, representará o mesmo. Só que trazendo o cavaleiro para a realidade brasileira.

A partir daí, Quixote viajará por máculas da história do país. O racismo, a desigualdade social no sertão nordestino e os resquícios da ditadura militar serão lembrados no enredo. Para, no fim, o personagem descobrir que a solução para o país está na educação, principalmente dos mais jovens.

Louzada adianta que a história termina com um grande lava-jato, assim como o nome da operação da Polícia Federal. Só que carnavalizado.

— O lava-jato que vamos mostrar é uma coisa mais positiva, lançando jatos de felicidade e esperança para lavar as manchas da história do Brasil. Assim como a gente espera ouvir os anúncios de nota 10 para a Mocidade, queremos, um dia, ouvir o povo brasileiro gritar “saúde e educação nota 10” — diz Louzada.

Do mesmo bairro da Mocidade, a Unidos de Padre Miguel — da Série A do carnaval carioca, o antigo grupo de acesso — é outra escola que apostará na crítica. Com o enredo “O quinto dos infernos”, a agremiação levará para a avenida políticos e burocratas. Lembrará o imposto do quinto, cobrado pela coroa portuguesa sobre o ouro encontrado no Brasil. Para, depois, como a própria sinopse do enredo afirma, criar “uma fábula sobre o tamanho da mordida, sobre o tanto que nos tiraram e tiram”.

Já na São Clemente, do Grupo Especial, os personagens principais do enredo da carnavalesca Rosa Magalhães serão os palhaços, de Carequinha a Oscarito e Grande Othelo. Numa escola com tradição de apresentar sátiras na Sapucaí, uma pitada de crítica social e política não ficará de fora. Será recordado, por exemplo, o movimento dos caras-pintadas. E lembrado que o brasileiro precisa se equilibrar o ano inteiro, diante de tanta “marmelada” e “faz-me rir”.

Brincadeiras que, certamente, também estarão nas ruas. Como adiantou mês passado a coluna Gente Boa, as máscaras do deputado Eduardo Cunha (PMDB), presidente da Câmara, já começaram a ser produzidas por uma das maiores fábricas do setor no país. O senador Delcídio Amaral, preso por tentar atrapalhar investigações da Operação Lava-Jato, provavelmente ganhará a sua.

Os blocos de carnaval também preparam suas críticas, algumas bem ácidas. Presidente da Sebastiana (Associação Independente dos Blocos da Zona Sul, Santa Teresa e Centro), Rita Fernandes diz que muitos deles ainda estão definindo seus sambas e temas. Mas ela garante que o momento político atual estará presente em blocos como o de Segunda, o Que merda é essa? e o Imprensa que Eu Gamo. O Meu Bem, Volto Já reeditará um samba antigo para fazer uma alusão ao momento atual do país. E o Clube do Samba, diz ela, só deve definir seu samba e seu enredo na semana que vem. Mas já cogitou um nome em alusão a Eduardo Cunha.

— Alguns blocos, como o Escravos da Mauá e o Simpatia É Quase Amor, não têm essa característica de enredos políticos. Mas todos os outros que costumam apresentar essa proposta de crônica ou crítica social vão fazer sátiras este ano. O Cunha, com certeza, estará em vários blocos. Mas também terá o mar de lama do desastre de Mariana. O carnaval não deixará esses temas passarem — diz Rita.

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