As quatro vitórias da liberdade de imprensa
Redação DM
Publicado em 10 de dezembro de 2015 às 21:48 | Atualizado há 10 anosA ministra Cármem Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF) negou seguimento a recurso interposto pelo ex-secretário da Fazenda de Goiás, Jorcelino José Braga, em ação penal movida por ele contra os jornalistas Ulisses Aesse, Deusmar Barreto, Sabrina Ritiely e João Bosco Bittencourt. A ação foi iniciada em abril de 2011 com uma queixa-crime movida por Braga contra os jornalistas do Diário da Manhã sob a alegação de que eles teriam cometido os crimes de calúnia e difamação.
No Recurso Extraordinário que Braga fez chegar até o STF seus advogados pretendiam reverter o julgamento da Turma Recursal dos Juizados Especiais de Goiânia que inocentaram os jornalistas. O advogado Alex Neder, que atuou em defesa de Ulisses Aesse e Sabrina Ritiely acompanhou todo o trâmite do processo e lembrou a aplicação da Súmula 279 do próprio STF que pacificou o entendimento de que não cabe reexame de prova nesse tipo de crime.
“Logo de início no curso dessa ação demonstramos equívocos que tornavam a ação sem possibilidade de prosseguir. O primeiro foi que quem assinava a coluna onde foi publicado o comentário que o ex-secretário Jorcelino Braga considerou ofensiva à sua imagem era o jornalista Nilson Gomes, que sequer foi arrolado como parte na ação”, explicou Neder.
Na audiência inicial do processo o juiz Oswaldo Rezende Silva havia determinado o arquivamento da ação em virtude dos advogados de Braga não terem proposto a ação também contra o jornalista Nilson Gomes, autor dos comentários considerados ofensivos por Braga. Essa falta de chamamento ao feito invalidou a ação inteira, no entendimento dos julgadores, porque o principal agente do fato deixou de ser citado. Essa foi a primeira derrota de Braga e vitória da liberdade de imprensa.
Em seguida os advogados recorreram para a Turma Recursal dos Juizados Especiais, que determinou a instrução da ação penal. Seria necessária a formulação de debates, argumentos e oitiva de testemunhas que o autor pretendia citar como fontes confiáveis para fundamentar a ação movida contra os jornalistas.
Entretanto, os advogados de Braga não produziram qualquer ato capaz de instruir a ação. Não foram nominadas testemunhas e outros atos processuais deixaram de ser produzidos, invalidando qualquer pretensão. O juiz que presidiu o feito, Oswaldo Rezende, negou integralmente a pretensão de punir que o ex-secretário pretendeu, acatando todas as preliminares citadas pelo advogado Alex Neder.
“O ânimo de gracejo, ainda que ácido, não abrange necessariamente o elemento subjetivo exigido para a caracterização do tipo penal” e “não se evidencia especificamente a imputação de qualidades negativas ou defeitos”, mas sim, “deboche ou troça à administração, principalmente por se tratar da imitação de um diálogo ao qual se pretendeu dar efeito cômico e no qual se destaca a pessoa do governador”, frisou o julgador. Essa foi a segunda vitória da liberdade.
Unanimidade
Em seguida a Turma Recursal passou a analisar novo recurso de Jorcelino Braga. O Acórdão aprovado por unanimidade pelos juízes Luis Antônio Alves Bezerra, Placidina Pires e Fernando Moreira Gonçalves pacificou o entendimento de que “os delitos contra a honra exigem, para a configuração penal, o elemento subjetivo consistente no dolo de ofender na modalidade de dolo específico”.
Alex Neder insistiu na tese de que jornalistas no exercício de sua função cumprem o trabalho de informar à sociedade sobre fatos ocorridos, inclusive com críticas. “Quem está na vida pública deve saber receber essas críticas”, comentou o defensor. Além de Alex Neder atuou na defesa o advogado Marcelo Di Rezende, que foi patrono de Deusmar Barreto. Pela terceira vez triunfou a liberdade.
Continuou Alex Neder a acompanhar com cuidado redobrado o caso quando chegou ao STF e prevaleceu sua tese de inexistência total de crime e de responsabilidade dos réus na ação.
“Foi mantido o entendimento de que ‘a ausência de dolo acarreta o reconhecimento da atipicidade da conduta passível de reprovação na seara penal, por ausência do elemento subjetivo do tipo”, explicou. Alex Neder lembrou que a ministra Cármem Lúcia pacificou o entendimento de que “impõe-se nesse caso a absolvição”. Venceu a liberdade pela quarta vez.
Alex Neder frisou que um jornalista ao divulgar um fato ou comentário de outra pessoa não incorre no crime por ser apenas o difusor da notícia e não quem pratica o ato. “O profissional de imprensa narra o fato e leva ao conhecimento da sociedade fatos de interesse social, moral e público. Isto é uma bandeira de luta que sempre defendemos. As pessoas investidas de um cargo público precisam ter um nível maior e mais elevado de tolerância a críticas, porque está exposto como agente público e não como defensor de seus interesses particulares. Quem está na vida pública precisa estar pronto para debater e se defender sem se valer da violência de processos judiciais ou da intimidação de perseguir jornalistas e mover toda a estrutura do Poder Judiciário em proveito próprio. A Justiça já está corrigindo isto e negando prosseguimento a essas anomalias”, finalizou.