Opinião

Lembranças dos tempos de escola – Parte XXX

Redação DM

Publicado em 9 de dezembro de 2015 às 22:54 | Atualizado há 10 anos

Findando o ano letivo, a nossa professora de Língua Portuguesa conseguiu um emprego na capital do País e para que ela fosse ocupar o cargo era necessário lançar todas as notas dos alunos nos boletins, a fim de não deixar pendências para a escola. Como ainda faltava uma avaliação para todas as turmas dela, ela sugeriu que fosse feito um trabalho a critério. Todas as turmas estavam fazendo documentários em VHS, isto é, gravados em fitas de vídeo e nossa turma dirigida por mim resolveu fazer um filme amador, o qual denominamos Os jovens aventureiros em busca do tesouro perdido. Então, eu escrevi a história, preparei o roteiro, ensaiamos, nos preparamos para a gravação e gravamos… Engraçado foi a letra da música que eu compus para a trilha do filme:

Todos cantavam:

Três cavaleiros para três guerreiros!

Três cavaleiros para três guerreiros!

Três cavaleiros para três guerreiros!

Em seguida Vando falava se requebrando:

Um cavaleiro se foi!

Paty avisava:

Um guerreiro também!

Vando:

Outro cavaleiro se foooi!!!

Paty:

Outro guerreiro tambééém!!!

Vando:

O último cavaleiro se foooooi!!!

Paty:

O último guerreiro tambééééém!!!

E depois todos arrematavam:

E no final da história não restou ninguém!

Três cavaleiros para três…

Nesse ano recebemos a visita de meu primo Bira, órfão de pai e mãe, sobrinho de minha mãe. Ele trouxe consigo um periquito verde. O cara era extremamente nojento, vivia com o domesticado na mão, às vezes até o colocava na boca. Em quase todos os lugares que ia levava o tal, parecia um pirata de navio que não tirava o papagaio do ombro. Até comer que ia, colocava a ave para comer juntamente com ele, no mesmo prato. Que nojo!

Certa vez à noite, alguns colegas, ele e eu saímos e como íamos zoar algumas garotas ele não pode levar o periquito, deixando-o numa amendoeira que ficava no quintal de casa e quando voltamos para casa, Bira só encontrou as penas do animal. O gato do vizinho havia jantado o periquito. Bira desesperou, choramingou, lacrimejou e prometeu matar o gato. Minha mãe disse que ele jamais faria aquilo. Meu irmão se aliou ao primo e os dois prometeram dá um fim ao animal. Chegaram a me pedir ajuda na captura do felino! Ajudá-los a matar o bichinho, logo eu que desde criancinha tinha um gatinho preto e quando mudamos para a cidade o coitadinho se apavorou e sumiu?! Jamais! E depois eu sempre respeitei as leis naturais.

Dois dias depois, quando acordei pela manhã, avistei o quintal todo molhado da chuva que caíra à noite, mas observei também pegadas de gato e de homem. Em todo o quintal havia marcas de pés e patas. Parecia que houve um confronto ali entre humano e selvagem. Chequei toda a área. Notei pedaços roliços de madeira como cabos de rodos e de vassouras. Questionei mamãe se ela notara algo estranho durante a noite e ela respondeu que houve correrias, barulho e tropeços, parecendo alguém correndo atrás de algo que também corria para se defender, mas ao se levantar para constatar se havia algo de errado, percebeu um silêncio profundo.

De repente, notei um gato na copa embaixo do fogão. Fui observá-lo de perto e certifiquei de que o bichano não miava, o gato não se mexia, porém, respirava. Neste memento mamãe e eu começamos a interrogar os dois, mas eles negavam tudo. Embora todas as circunstâncias caminhavam para denunciá-los eles se restringiam a negarem.

Em meio a nossa conversa o gato sumiu de debaixo do fogão e apareceu ao pé do muro e não demorou quase nada para o animal dar o seu último suspiro. Tive muita pena do pobre, tive muito ódio dos dois. Hoje, mesmo depois de muitos anos eles insistem em afirmar que não foram eles quem o matou. Afirmam com tanta franqueza que eu já estou meio em dúvida. Eu não consigo entender quais razões eles teriam para mentir até hoje. Da mesma forma que não consigo descobrir quem matou o gato.

Logo, terminou o ano letivo, chegaram às férias e todos os meus parentes e amigos viajaram. Fiquei sozinho em casa com o meu irmão Samuca, o suposto cúmplice pela morte do animal, que não quis viajar, mas era como se eu estivesse ficado sozinho, pois o meu irmão quase não ficava em casa, nem saía comigo. Contudo, às noites de domingo, eu ia à igreja e, numa dessas minhas idas, avistei Erimar, de longe. Aquelas coisas que ela me dissera, noutro dia, não saíam do meu pensamento… Provar a ela que eu não era o que ela pensava que eu fosse, passou a ser inevitável, por questão de honra.

Aquelas férias foram para mim uma fossa, um barril de desânimo, uma carceragem, um poço de melancolia, solidão e isolamento. Só começou a melhorar quando Maick chegou de viagem antes do esperado e passávamos muitas horas juntos, às vezes, conversando, outrora íamos apanhar umas frutinhas chamadas umbus que nasciam na caatinga, em especial em regiões de relevos. Depois meus parentes e amigos, foram chegando aos poucos e tudo começou a se encaminhar à normalidade.

 

(Gilson Vasco, escritor)

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