Cultura

Pena Coletiva de Morte

Redação DM

Publicado em 8 de dezembro de 2015 às 20:02 | Atualizado há 7 meses

Quem habita os presídios brasileiros? A etnia predominante, negros, que correspondem a mais de 60% da população carcerária. Quando o critério é escolaridade o número dos presidiários que tem ao menos ensino médio incompleto é de apenas 1,2%.

A maioria dos delitos, mais de 52%, se trata de crime contra o patrimônio, furto e roubo. O delito que soma 22% é o tráfico. Os crimes contra a vida, homicídios, são cerca de 12%. Esses são dados da Defensoria Pública e do JusBrasil.

O significado destes números indica que a maior parte dos presos são negros, sem acesso a educação formal. E mostra também que a maioria não cometeu crime contra a vida de outra pessoa. O preso é visto pela sociedade como um “monstro” que não tem direito a vida por não respeitar a vida alheia, mas estes números mostram que isso não é um fato.

Se a maioria da população carcerária sequer cometeu crime contra a vida o que justifica um massacre como a da Casa de Detenção de São Paulo, o Carandiru. Vendo o perfil do presidiário uma resposta pode ser apontada, uma tentativa de “limpeza” étnica e racial. No ano de 1992 no dia 2 de outubro mais de 100 homens foram assassinados pela PM paulista neste presídio. No Brasil não há pena de morte mas nada que o Estado não possa dar um jeito, inclusive estabelecer uma pena coletiva sem julgamento.

O governador de São Paulo na época, Luiz Antônio Fleury Filho, sob a legenda do PMDB, foi a pessoa que deu a ordem de invasão. O foco que iniciou a rebelião foi uma briga entre presos do pavilhão 9. A PM foi evocada para conter a rebelião, em uma operação comandada pelo coronel Ubiratan Guimarães. Resultado, 111 mortos, isso em número da polícia, os detentos relatam que o número é bem superior.

A visão distorcida que a maior parte da população tem sobre justiça elegeu Ubiratan Guimarães como Deputado Estadual em São Paulo. Sua eleição veio mesmo depois de ter sido condenado por 632 anos de prisão pelos assassinatos no Carandiru. Acabou que ele foi absolvido pelos tribunais. Mas em 2006 foi assassinado com um tiro e no muro do seu prédio foi escrito “Aqui se faz, aqui se paga” referência ao massacre de 92.

Contando a História

“Dois ladrões considerados passaram a discutir/Mas não imaginavam o que estaria por vir/ Traficantes, homicidas, estelionatários/Uma maioria de moleque primário/Era a brecha que o sistema queria/Avise o IML, chegou o grande dia”. Esse é um trecho de “Diário de um detento” do grupo de rap Racionais Mc’s que conta a história do massacre.

Esta letra é do ex-detento da Casa de detenção de São Paulo, Jocenir. Na visão dele essa rebelião era de certa forma ansiada pelo governo paulista que não relutaria em matar quantos presidiários pudesse se tivesse uma oportunidade. Jocenir ainda escreveu um livro com o mesmo título.

O massacre do Carandiru, foi um acontecimento que levou muitas pessoas a produzirem trabalhos sobre o tema. O diretor Hector Babenco fez o filme “Carandiru” (2003) inspirado no livro “Estação Carandiru” de Dráuzio Varella, que era médico no presídio a época da rebelião. O filme ainda rendeu um seriado na Globo “Carandiru, outras histórias”. Paulo Sacramento dirigiu o documentário “Prisioneiro da Grade de Ferro: Autorretratos”.

Relatos do Horror

O sobrevivente Francis Lyns conta como foi sua experiência de sentir a ronda da morte naquele 2 de outubro “Eu me lembro que eles vinham gritando: ‘o Choque chegou, vocês pediram, o Fleury mandou’ e davam rajadas de metralhadoras. Você ouvia gritos horríveis e a galeria cheia de presos mortos”. Na época o detento tinha 25 anos, detido por um roubo de carro.

David Oreste também é um sobrevivente do massacre e diz que as imagens do terror ainda assombram seus pensamentos. David diz que a sociedade majoritariamente apoiou esta ação por uma certa ignorância “A sociedade imagina que ali eram pessoas irrecuperáveis. Eram todos primários, sumariando, pena vencida, progressão de regime e molecada”.

No ano de 2002 o governo de São Paulo começou um processo de desativação do presídio paulista, soterrar em escombros a mancha de sangue deixada na história do lugar. Os presos foram transferidos e os prédios demolidos. Atualmente o local abriga o Parque da Juventude e a Biblioteca São Paulo, ali jaz também os alicerces do que seria o Carandiru II. Agora o local tem quadras de esporte, pistas de skate e até salas que abrigam cursos técnicos.


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