Arte em tempos de cólera
Redação DM
Publicado em 29 de novembro de 2015 às 21:17 | Atualizado há 8 meses
“Provocar faz parte da minha condição de artista e chargista”. A frase é de Carlos Latuff, em um de seus muitos posts no twitter e define muito bem o que artista e ativista social pretende atingir com seus desenhos. Mas, provocar, para ele, não significa apenas “semear a discórdia”. Muito pelo contrário: ampliar visões. É por isso, que sua arte é engajada e limites políticos geográficos não o cercam. Nela, estão desde a corrupção policial no Brasil, até o grave desafeto histórico e religioso entre Israel e Palestina. Para o mundo, ele revela as vertentes obscuras pouco tocadas nos grandes conflitos – mesmo quando a maioria parece notar apenas uma direção.
Latuff é um carioca, que hoje faz 47 anos, e pela data de seu aniversário, e a necessidade pujante de uma luz coerente, nestes dias tensos, que falamos hoje sobre seu trabalho. E, se você não o conhece, saiba que seus trabalhos já rodaram parte do mundo e, têm participado ativamente de fatos emblemáticos.
Cartazes com desenhos criados por ele, por exemplo, foram empunhados nas diversas manifestações, que derrubaram o líder político egípcio Hosni Mubarak, em 2011.
Nesta época, ele retratou quase que diariamente, a efervescência popular que contagiou países como: Síria, Iêmen, Bahrein. Logo, sua arte ilustrou grande parte da chamada Primavera Árabe.
Agora, quando o mundo lamenta – com razão – a os atentados terroristas na França, seus desenhos tem questionado a outra face do terrorismo. Em diversas charges criticou a vista grossa do mundo com as dores do Oriente Médio. “
Os atentados na França foram obra de extremistas financiados por aliados do próprio ocidente, são frutos diretos da política intervencionista de Estados Unidos e Europa”, disse ele em entrevista ao DMRevista.
É verdade que o Oriente Médio (principalmente a Palestina), ele tomou como causa – e pelo engajamento, ele já foi até ameaçado de morte por
um site ligado ao partido Likud, do premiê israelense Benjamin Netanyahu.
Mas, não é sua única causa. Latuff tem o que podemos chamar de um espírito de unidade mundial.
Portanto, natural que os problemas de sua casa – o Brasil – também estejam inerentes em sua obra. Assim, a preocupação do governo de maquiar os problemas do país para Copa e Olimpíadas, a violência policial, o desastre socioambiental em Marina (MG) também aparecem em suas charges.
E por aqui, ele contou em entrevista ao Portal Terra, que já sofreu algumas ações repressivas, sobretudo quando fez charges sobre violência policial. “
Três vezes eu fui parar em delegacias por conta de charges, grafites contra a corrupção policial. E tive também, em 2009, um outdoor censurado que tratava da temática da violência policial. É um tabu no Brasil tratar sobre esse assunto”, disse em uma entrevista ao Portal Terra.
O começo
O Latuff ilustrador e o Latuff ativista são mesmo indissociáveis. Dessa forma, as causas sociais pelas quais simpatiza fixaram à sua arte aos poucos. E, neste sentido uma das suas primeiras experiências como cartunista – em um jornal sindical de esquerda, no início da década de 1990 -, colaborou muito em sua formação política.
“Até então, eu não tinha um envolvimento ideológico com aquilo que eu desenhava, era uma relação profissional. Com o passar do tempo, eu fui me identificando com os pontos de vista. E, a partir de 1996, com um dos meus primeiros acessos à internet, eu comecei a vislumbrar a possibilidade de utilizar a internet como plataforma pra divulgação das charges”, contou o artista na entrevista ao Portal Terra.
Após assistir a um documentário, uma das primeiras causas com o qual se identificou foi a do movimento zapatista, que ocorreu no México. “Eu comecei a fazer desenhos tendo como intenção produzir um banco de imagens, de maneira informal, que pudesse ser utilizado não só pelos zapatistas, como também por grupos de solidariedade aos zapatistas”, explicou na mesma entrevista.
Outro fator marcante em seus traços foi uma viajem pelos territórios ocupados da Cisjordânia, no final da década de 1990. Logo, tornou-se simpatizante da causa palestina e esta identificação, claro, iria se estender para seu trabalho.
Os seus desenhos convictos e repletos de mensagens pertinentes, ele aliou ao poder da internet. Dessa forma, Latuff começou a ser procurado por vários ativistas ao redor do mundo. E, foi assim que aconteceu a sua aproximação com os manifestantes da Primavera Árabe.
Mas, antes dos protestos no Egito, ele já era conhecido mundialmente. Em 2006, por exemplo, foi o autor da primeira charge brasileira a participar do Concurso Internacional de Caricaturas Sobre o Holocausto, do jornal iraniano Hamshahri (O Povo).
Neste concurso, Latuff ficou em segundo lugar com, um desenho que colocava os palestinos, no lugar dos prisioneiros judeus dos campos de concentração nazistas. O concurso deu lugar a uma exposição de 204 obras vindas de todo o mundo, no Museu de Arte Contemporânea de Teerã. E, esta charge é um de seus mais famosos desenhos.
Entrevista Carlos Henrique Latuff
“Nós mesmos estamos cavando nossas sepulturas”
È o que disse a chargista, em convesa por e-mail ao DMRevista. Para ele, a humanidade optou pela barbárie, pois sabe o que tem que fazer para mudar o mundo. Confira a entrevista a seguir:
DMRevista: Como é a sua percepção da arte enquanto transformação social nos dias de hoje?
Latuff: Como transformação eu vejo acontecer nas favelas e periferias. Já no asfalto a arte tem sido apenas um produto.
Mesmo grafiteiros tem se rendido aos apelos do mercado, e em troca de grana e os tais minutos de fama, fazem desenhinhos coloridos. Ainda assim, você tem alguns poucos, que com tintas ou palavras atiradas num microfone expõem o barbarismo nosso de cada dia que o mainstream media tenta dourar.
DMRevista: E a relação entre arte, expressão e repressão, como enxerga?
Latuff: A arte É expressão, e quando ela vai contra um pensamento hegemônico, sofre censura. Vivemos na democracia, certo? Em tese temos nosso direito de expressão garantido pela constituição, estado de direito e todo o blá blá blá legalista, correto? Agora experimente expor outdoors em Mato Grosso do Sul com charges contra a morte de indígenas por fazendeiros, ou cartazes no Rio de Janeiro com caricaturas de policiais assassinando favelados. Experimente e veja o que acontece.
DMRevista: Qual o seu objetivo enquanto artista e militante?
Latuff: Meu objetivo é apenas e tão somente expressar meus pontos de vista através do desenho e apoiar essa ou aquela causa a qual me identifico. Sou só artista, não sou militante. Tem gente que merece ser chamada como tal, não é o meu caso.
DMRevista: O que acha que o mundo precisa que aprender após os atentados na França e o desastre em Mariana?
Latuff: Nada. O mundo já sabe o que tem de fazer, não faz porque não quer, a humanidade optou pela barbárie. Os atentados na França foram obra de extremistas financiados por aliados do próprio ocidente, são frutos diretos da política intervencionista de Estados Unidos e Europa. Mariana é vítima de mineradoras, do pretenso desenvolvimentismo, que sangra as reservas naturais pra que possamos sustentar esse sistema suicida de produção e consumo. Nós mesmos estamos cavando nossas sepulturas.