O crime do doutor José Mariano
Redação DM
Publicado em 7 de novembro de 2015 às 00:38 | Atualizado há 10 anosAcaba de me chegar de São Luiz, do Maranhão, o opúsculo “O Júri da Corte -1886, tendo como subtítulo “O Crime do Doutor José Mariano da Silva”, já em sua 3ª edição, Editora Juruá, Coleção Semeando Livros, 81 páginas, que o meu caríssimo amigo Desemb argador Federal Alberto José Tavares Vieira da Silva.
Eis como a matéria é narrada por Eulálio Leandro, historiador, professor da rede pública do Estado do Maranhão, e do Instituto Histórico e Geográfico de Caxias/MA.
Eis a narrativa:
“Os escravos do médico teriam denunciado que a senhora Helena Augusta da Silva estava em estado de adultério com o morador vizinho à sua casa. A esposa do médico Dr. José Mariano teria sido vítima de um complô sub alterno da senzala urbana, que poderia ter provocado a intriga entre o casal? No Brasil escravocrata, a crônic a policial era povoada de denúncias de cativoscontra os seus senhores como vingança de injustiça ou ciúme.”
Prossegue, Eulálio:
“O processo e o julgamento do Dr. Mariano da Silva foram marcaados pela celeridade. No espaço de quarenta dias após o crime, o réu ilustre estava diante do júri popular – O Júri da Corte.”
Submetida a matéria a períc ia médica, obteve-se o seguinte veredito:
“1 – O Dr. José Mariano da Silva, antes do acontecimentofatal de que é acusado, não tinha as suas faculdades intelectuais em completo estadode normalidade;
“2. Não sofre dúvida alguma (de) que, na ocasião de matar a esposa, as faculdades intelectuais do Acusado estavam alteradas e pervertidas; o indivíduo se achava sob grande constrangimento moral e, por conseguinte, fora do perfeito uso de sua razão;
“3. Provavelmente c ontinuara o delito depois do ato consumado. Sumetido a julgamento em 15 de dezembro, o júri reconheceu, unanimemente, que o réu estava louco, no momento em que praticou o fato criminoso, e em conformidade desta decisão, ele foi absolvido” pág. 15).
E mais adiante, este registro:
“A história do Júri da Corte retratou bem a sociedade patriarcal, a absolvição dos Marianos foi farta e repetida em todo o Brasil durante quase um século e meio. O júri da Corte foi um marco histórico para a psiquiatria forense brasileira. Nele, a presença dos conceituados alienistas ou legistas – como eram conhecidos – tedve participação desde o início da fase processual, com a emissão de laudo de sanidade mental. Esse laudo foi o ponto de partida para a defesa do médico assassino subsidiar a tese. Depois, a participação desse especialista dividindo espaço com o advogado de defesa e acusação nos debates. Por isso que o júri da Corte exibiu uma nova fase da interdisciplinaridade do Direito Penal, prenunciando a Criminologia” (pág. 16).
E prossegue, Eulálio:
“O grande criminalista paulista Dante Delmanto, na tribuna do júri, defendendo a tese da legítima defesa da honra: “Ninguém estudou melhor os costumes brasileiros e o problema do adultério entre nós do que Lemos Brito, em sua ‘Psicologia do Adultério’.” Ele escreve:
“A honra doméstica, porém, no sistema da honra individual, ocupa a cúspide, a eminência, o topo. Facilmente se explica esta ascendência. Quasndo oi homem constrói seu lar, visa a uma existência que transcorrerá num ambiente, remansado de dedicações e de virtudes. Ele contempla os demais lares íntegros, e reivindica o direito de exigir que o seu não desgarre nem quebre a real ou aparente harmonia geral. (…) Assim, para o esposo, a honra doméstica está na pureza de seu lar, e essa pureza quase se resume na da mulher. A sociedade, neste particular, é tão exigente, que não admite seja, a esposa, suspeitada. Ela tem que ser rigorosa, absolutamente honesta, ou estaráperdida. Neste caso, o homem sentir-se-á arrastado em sua queda” (pág. 19).
No Prefácio à 1ª edição, o Desor. Alberto José Tavares Vieira da Silva assim se manifestou: “O marido traído surpreendeu sua mulher fazendo um sinal subreptício para a escrava, no sentido de que ela nada dissesse. B A defesa arguiu que, nesse comenos, o autor perdeu a razão, empolgado por situação tão extravagante, ficando completamente louco. Em estado emocional paroxístico, o desditoso médico empunhou um bisturi, seu instrumento de trabalho, desferindo três golpes no pescoço da infeliz vítima, causando-lhe a morte. O autor, segundo sustentou a defesa, com arrimo na opinião de dois louados, no instante da ação, estava sob o influxo de loucura súbita que, depois de tomadas as providências curativas, cessou. (…)”. De quanto se extrai dessas razões, colhem-se dois argumentos fundamentais:
“A defesa da honra do marido ultrajado;
O consequente estado de loucura transitória, que determinou a obnubilação da consciência do autor, anulando a sua capacidade de entender e querer.
Convém relembrar que o julgamento correu a cargo do Tribunal do Júri, que julga de acordo com suas convicções, deixando a lattere o juízo técnico, compromissado com a Lei e a Ciência.” (…) “Ante o Código Criminal de 1830, a responsabilidade penal quedava-se excluída aoensejo da positivação da loucura” (pág. 22).
E mais adiante, prossegue, o ilustre desembargador criminalista:
“As teses de defesa, em casos de crimes passionais, nem sempre se preocupam com os rigores da nossa lei penal, quando trata das emoção e da paixão. Não raro, invocam, os advogados, perante o corpo de jurados, a ocorrência de legítima defesa da honra, e da coação moral irresistível. Neste caso, a sociedade seria autora da coação, diga-se de passagem, sem qualquer amparo legal. Afinal de contas, a indulgência plenária do júri tem lá suas razões, próprias dos juízes leigos, às vezes mais sábias do que a aplicação fria da lei” (pág. 25).
Ao estudar a matéria, a ilustre Procuradora de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo, autora de várias obras sobre crimes passionais, assim se manifesta:
“Trata-se de um rabalho de imenso valor para a compreensão da sociedade brasileira e da evolução da posição da posição da mulherno País e no mundo, pois o livro também trtaz, como anexos, a narrativa de outroscrimes cometidosno exterior.” E prossegue:
“O doutor José Mariano da Silva, as assassinar sua mulher por suspeitar que ela estivesse enamorada de outro homem, teve uma conduta peculiar às sociedades patriaaracais, tratando a esposa como um objeto de sua propriedade, sobre o qual se achava no direito de vida e de morte” (pág. 27).
A ‘plaquette’ traz vários anexos, como o “Dístico” de Enrico Ferri, excertos da 6.a Sessão, de 15 de dezembro de 1866; e um singular Interrogatório; e vários outros documentos que enriquecem a valiosa publicação.
(Licínio Barbosa, advogado criminalista, professor emérito da UFG, professor titular da PUC-Goiás, membro titular do IAB-Instituto dos Advogados Brasileiros-Rio/RJ, e do IHGG-Instituto Histórico e Geográfico de Goiás, membro efetivo da Academia Goiana de Letras, Cadeira 35 – E-mail [email protected])