Opinião

Três grandes abalos no narcisismo do homem

Diário da Manhã

Publicado em 18 de novembro de 2015 às 01:03 | Atualizado há 4 meses

Em texto publicado em 1917  (Uma dificuldade da psicanálise) Freud chama a atenção para o fato de que a sua nova descoberta, o inconsciente, seria o último abalo no narcisismo do homem sobre a terra.

Convido os leitores a viajarem comigo nas asas da história para entendermos este postulado de Freud; de antemão esclareço que neste percurso caminharemos por atalhos, porém, com paradas em vários pontos, para ouvirmos relatos de alguns  estudiosos que deixaram registros dos seus feitos.

Nossa primeira parada é para consultar a Bíblia Sagrada onde em “Crônicas 1-16-30” lê-se: O mundo (a terra) também deve ser estável, não se move”; em “Eclesiastes 1-5”, está escrito: O sol nasce e se põe e volta para o lugar de onde estava.

Até o século XV, a igreja católica aceitava, como não discutível, o geocentrismo (a terra era imóvel e os demais astros giravam ao seu redor) defendido por Aristóteles (384 a.C/322 a.C), até pela interpretação literal de algumas passagens da Bíblia Sagrada, que indicaria a terra como o centro do universo.

No século XVI (1543) Copérnico, ao descrever a teoria do heliocentrismo marcou o inicio das discussões entre as duas teorias. É necessário frisar que figuras importantes da cúpula da igreja católica daquela época, embora mantivessem a postura de oposição, eram favoráveis a que se estudasse mais sobre o assunto, tendo em vista o fato de que Copérnico se baseava na suas observações a olho nu, portanto sem condições de provar sua hipótese.

Os estudos de Galileu Gallilei (1564/1642), usando o telescópio, embora rudimentar, confirmaram aquela assertiva de Copérnico, porém, agora com grande oposição da igreja católica, sob a égide da temida inquisição que considerava uma heresia, até a simples discussão do tema.

No entanto não havia mais como contestar, o universo era muito mais vasto do que supunham Aristóteles e Copérnico e a terra não era o centro do universo; estava aberto o caminho para as grandes descobertas astronômicas que continuam nos dias atuais.

A teoria heliocêntrica e a sua confirmação, foi o primeiro abalo no orgulho ou no narcisismo do homem, pois, como habitante da terra, em volta da qual giraria todo o universo, viu-se, de uma hora para outra, destronado desta hegemonia. De repente, o homem com a terra onde ele vivia, não era mais o centro do Universo

Nossa segunda parada são os estudos do naturalista inglês, Charles Darwin (1809/1882), que convenceu a comunidade científica a respeito da sua teoria da “evolução”,  descrita em dois livros  “Viagem de um naturalista ao redor do mundo e  a Origem das espécies”. O homem era, simplesmente, mais um elemento  da cadeia evolutiva biológica do reino animal, não o seu centro, como “ele” se imaginava.

Esta descoberta abalou, pela segunda  vez, o narcisismo do homem, derrubando, um pouco mais, a sua  autoestima – Ele descobriu que era um descendente direto do macaco.

Finalmente chegamos ao final desta nossa viagem quando iremos discutir as ideias do médico que  provocou o 3o. abalo no narcisismo do homem: o austríaco de origem judia, Sigmund Freud (1856/1939).

Permito-me levar meus leitores até a cidade de Viena  no final do século 19, quando  imperava a dinastia dos Habsburgo e onde vivia o descobridor da psicanálise; antes preciso dizer que Freud era um homem corajoso, pois em uma época em que havia enorme tabu a respeito do sexo, quando este assunto jamais era discutido em público, ele provocou enorme celeuma no meio da sociedade vienense, ao discutir a sexualidade das crianças e afirmar, categoricamente: – a criança, ao sugar o leite do seio da mãe, experimenta desejo sexual.

 

 

 

É claro que tais afirmações desencadearam uma onda, até de ódio, contra o seu propositor, envolvendo nesta avalanche de ressentimentos, até mesmo a classe médica; Freud era a pessoa a ser evitada!

Esta sociedade, onde Freud vivia, seguia as rígidas tradições herdadas da era Vitoriana (alusão á  rainha Vitória da Inglaterra); segundo estas tradições, o marido, dentro do lar, era o todo poderoso, pois comandava os habitantes da casa com “mão de ferro”. Nada acontecia no sacrossanto recanto do lar que  não fosse do  seu conhecimento.

De repente Freud lhe disse: Você pensa que tudo pode e manda, porém, você não tem controle, como pensa que tem, sobre sua esposa e seus filhos, aliás, você não é dono das suas próprias ações, pois existem mecanismos que você ainda não conhece – O inconsciente – que governam e determinam seus atos e suas decisões conscientes.

Para entendermos melhor este abalo voltemos, na companhia do escritor  “Peter Gay – O século de Schnitzler, a formação da cultura da classe média 1815-1914, Cia. da Letras, 2002– onde ele faz um arrazoado da vida familiar daquela época, destacando a posição do chefe da família, o marido. Pinço alguns excertos do livro:

“Na legislação, nos costumes e, também, nas autoavaliações das próprias mulheres, elas eram consideradas inferiores aos homens no intelecto e na capacidade de exercer funções publicas. Seu ambiente era o lar, único lugar onde poderiam realizar a vocação  divina de esposa e mãe; não tinham direito ao voto, de frequentar uma instituição de aprendizado superior ou de possuir conta bancária independente do marido, não tinham direito à igualdade  nos processos de divorcio e de outros direitos privativos do homem. Somente em 1893 o parlamento inglês aprovou ‘Lei de Propriedade da mulher casada’ que dava às esposas alguns direitos, os quais  as solteiras já gozavam”.

Como se vê, o marido era quase que um rei dentro do lar, sua palavra era, sempre, a última!

O enunciado de Freud, como poderia esperar, foi um “banho de água fria” no seu mandonismo e foi, também, o terceiro e definitivo abalo na sua autoestima.

 

(Hélio Moreira, membro da Academia Goiana de Letras, Academia Goiana de Medicina, Instituto Histórico e Geográfico de Goiás)


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