Controle populacional na marra
Redação DM
Publicado em 18 de novembro de 2015 às 00:30 | Atualizado há 10 anos“O sapo pula não é por boniteza. É por precisão!”
(João Ubaldo Ribeiro)
Nessa quadra da primavera, o Astro-Rei dá as caras diferentemente das outras estações. Isto é, começa mais cedo sua competente função de elaborar a fotossíntese, controlar a temperatura, a evaporação e demais processos biológicos que ocorrem na vida animal e vegetal do nosso planeta e de fazer jus ao ditado popular de que o sol nasce pra todos. Muitos juram de pés juntos que ele nasce mais para alguns e menos pra outros.
Levanto-me cedo, me purifico por meio da água e assim que o lusco-fusco pispia a decompor os vultos, tomo coragem e saio à cata do pão e do Diário da Manhã na panificadora ali na esquina. Desço os tantos degraus da escada cumprimentando efusivamente os que madrugam achando que alguns estão ficando mais decrépitos, mais manquitós e eles tendo a certeza de que fiquei caquético depois de me virem roncando e babando nuns cochilos rápidos que costumo dar nos bancos do jardim do condomínio.
Assim que chego à ruazinha defronte ao condomínio volvo os olhos para os céus em direção ao nascente e numa súplica agradeço ao Bom Samaritano por Ele ter me aturado até agora, deixando a cobrança dos meus pecados para o dia do juízo final.
Como sou um pedestre um tanto prudente, parei, olhei para os dois lados e constatado que não vinha nadica de nada, nem caminhão, nem moto e nem carroça, tomei impulso e dei uns passos na pista e, eis que, do nada, num vapt, me aparece uma camionetona desse tamanho cheia de mocinhas de chapéus atolados na cabeça e um agro-boy com uma mão agarrada ao volante e a outra atarracada ao celular, gesticulava a cabeça feito cavalo pedindo rédea e ria às bandeiras despregadas, acho que falando assim pro seu interlocutor: – Prepara aí o sangradouro que tô chegando, viu? – Ciente que sou da rápida mudança de humor dos motoristas, torci pra que ele não tivesse me visto mas, para a minha desdita, ele me viu, e assim que me viu, largou o celular prá lá como quem joga fora uma casca de amendoim, freou a camionetona, empurrou o chapelão pra trás, jogou na boca um troço que tirou do bolso da camisa e mastigando aquele troço me mirou e acelerou fritando os pneus no asfalto e qual um bólide partiu pro abatimento da presa e eu, numa imitação grotesca do super-homem alçando voo, consigo por o pé no meio-fio do outro lado a tempo de ouvi-lo me xingar de filho disso e filho daquilo sob os olhares desdenhosos das moiçolas de chapéu atolado.Esbaforido chego à padaria, nada comento com os demais a fim de evitar cochichos de que estou querendo aparecer e que se eu continuar assim, daqui uns dias apareço com um pinico na cabeça, achando que é um elmo. Ô velho gaga, siô!
Leio a manchete dos jornais e me estarreço com as estatísticas: trânsito mata mais do que o câncer, do que a guerra. Isso é controle populacional. Na marra!
(Alcivando Lima – [email protected])