A revolução dos infomilitantes
Diário da Manhã
Publicado em 17 de novembro de 2015 às 00:58 | Atualizado há 9 anosNovos exércitos surgem na eterna luta entre trabalho e capital. Com o advento do mundo virtual, das redes sociais e do amplo acesso a toda sorte de espaços de comunicação (universidades, residências, “lan houses”, praças, empresas etc) e equipamentos de informática (computadores, notebooks, tablets, smartphones etc) tem-se um novo campo de batalha a ser compreendido e explorado a envolver ideias, perspectivas, estéticas, discursos e projetos sociais.
Um universo nasceu com o nascimento da internet. E, de verdade, a maioria de nós sequer percebeu! Um universo com galáxias de informação; com astros a orientar nossos discursos e formas de comunicação; estrelas a iluminar nossas sensibilidades; buracos negros onde crimes e desvios dos mais diversos acontecem e; movimentos cíclicos cadenciados pelos padrões tecnológicos a definirem posições, angulares, proximidades e distâncias.
E a comunicação acontece nesse universo e condicionada aos tempos da internet e que, efetivamente, não tem nada que ver com o tempo cronológico, mas que respeita o tempo do saber, do sentir e do ser. Isso é a internet.
São imagens, pastiches, comunicações ligeiras e, não raro, carregadas com doses de humor, ironia e muito apelo. E tem-se de um tudo! Do pregacionismo cristão e apocalíptico passando por defesas político-partidárias intensamente apaixonadas até a bizarrices de péssimo gosto.
Dia desses vi uma postagem de um “quase-humano” onde um bode era lançado em um triturador de metais. Evidentemente o pobre animal virou “suco”! Fico a me perguntar sobre as razões que levam um indivíduo a postar coisas tão feias, duras e desumanas como essa. Em quê, essas cenas melhoram o ser humano, ampliam suas sensibilidades e aprimoram seus comportamentos?
Fato é que ainda há muito a estudar e compreender desse novo “locus” de atuação social e política. É uma “geleia geral” onde são criados e ordenados grupos temáticos que envolvem comunidades acadêmicas, partidos políticos, preferências alimentares, “baladas”, viagens, esoterismos e mais uma infinidade de outros temas.
Talvez a palavra-chave seja ‘diversidade’.
Compreender essa ‘diversidade’ é entender o próprio fundamento da rede social. Porque não é o caos, os eventos das redes sociais estão interligados histórica e temporalmente. O fato de eu não entender o evento na sua relação com a totalidade dos demais eventos não quer dizer que não existam nexos temporais a influenciar sensibilidades, percepções, indivíduos e coletivos.
Outra característica, sobretudo, das redes sociais é a sua multifuncionalidade, ou seja, funciona de acordo com as experiências e necessidades de cada um. Dia desses uma conhecida disse-me que se “desestressa” no facebook; uma outra, muito religiosa, contou-me que o facebook lhe serve para levar a “palavra de Deus”; um outro me falou que sempre vende coisas no grupo de comércio da qual é parte e; eu mesmo vivo postando textos, análises e fragmentos por essas teias virtuais.
Mas o bastante curioso é que eu ou você, também somos operadores deste novo universo repleto de virtualidades e que, não raro, se materializam. Acontece alguma coisa bastante curiosa quando o indivíduo se assenta na frente do seu computador e se lança a brincar de “deus” a gerir seu universo particular.
E nessa catarse onde incluímos, retiramos, denunciamos, declaramos, convidamos, mobilizamos, fazemos e acontecemos enfim, nos manifestamos um novo “ethos” é forjado e cultivado e, por estranha razão, aqui, exatamente aqui, me sinto livre ou quase livre.
E ser livre ou algo que o valha é sempre uma experiência transcendental que me altera, me modifica, modificando minhas formas de ser e agir. Operar minha singela página de facebook onde me sinto o “senhor de todas as vontades” é algo novo nas sensações de quem opera e manipula por aqui.
E é nessa tsunami de intenções, desejos e necessidades que opera o dito ciberativismo ou a infomilitância. Com força, empenho e determinação, a chamada infomilitância disse a que veio. Ela, por exemplo, defende Dilma ou o seu impedimento; quer Lula em 2018 ou prega o fim do PT; está certa de que o socialismo primitivo ou reformado é a solução para esse mundo insolúvel ou está segura de que o capitalismo humanizado é nosso caminho.
E as convicções pululam entre diálogos, desaforos e promessas, contudo, existe uma coisa que o ciberativismo/infomilitância não poderá substituir, não poderá alterar na tradição política: a relação física e direta com as pessoas.
Parafraseando o título do filme dos irlandeses Kim Bartley e Donnacha O’briain “A revolução não será televisionada” (2003) que conta os bastidores do golpe que tentou derrubar o ex-presidente venezuelano Hugo Chavez, afirmo sem medo de errar que a transformação social de que necessitamos não será “digitalizada” na medida em que a internet não fará a revolução que o Brasil e o mundo precisam.
De fato, a internet é grande aliada porque replica informações importantes, leva outras perspectivas e confere alguma democratização das informações outrora controladas pelos oligopólios das comunicações. Mas o fato é que os partidos políticos, sobretudo, os de esquerda, e suas militâncias não podem esquecer do bairro, da vila, do assentamento, das áreas rurais e e das favelas. Precisam de estar concretamente nesses cenários.
O encontro físico entre seres humanos ainda é possível e faz o maior sentido ainda nos tempos deste império virtual. Em outros termos, nossa sensação de divindade e que nos toma ao operarmos um computador e os comandos de nossa página ou “front page” em qualquer rede social é explicada pelos rigores da vida social e que nos absorve violentamente.
Finalmente, não somos deuses; a militância política é essencial e a infomilitância, para o horizonte de transformação que o Brasil carece é importante, contudo, complementar porque nosso centro político é gente concreta, de carne e osso, ativa e reinventando nossas dramáticas e maledicentes formas do viver.
(Ângelo Cavalcante, economista, cientista político, doutorando (USP) e professor da Universidade Estadual de Goiás (UEG), campus Itumbiara)