Opinião

A guerra (necessária) contra os carros

Redação DM

Publicado em 14 de outubro de 2015 às 23:53 | Atualizado há 10 anos

Símbolo de poder aquisitivo, fetiche e em sua medida, estimulante sexual, o carro ficou velho e seja qual for o modelo, marca e estilo, se dissocia a passos largos do mundo da cidade. De outro modo, carro e cidade é a mistura mais improvável que se possa imaginar.

A história do carro no Brasil deita raízes no movimento de industrialização desencadeado por Getúlio Vargas, se intensifica com Juscelino Kubitschek e com a farra de créditos disponibilizada por Lula da Silva atinge seu ápice no próprio esgotamento de qualquer real possibilidade de mobilidade nas cidades do País.

Não há qualquer exagero em se dizer que não existe qualquer engenharia de tráfego, arquitetura urbana ou política de gestão de espaços urbanos que consiga compatibilizar ou minimizar os múltiplos impactos do oceano de carros com algum projeto de cidades sustentáveis, limpas e menos agressivas.

Para vaga ideia do que tento dizer, o país já conta com mais de cinquenta milhões de veículos. A muito bem elaborada pesquisa Estado da Motorização Individual no Brasil – Relatório 2015, produzido pelo Observatório das Metrópoles e coordenada pelo economista goiano Juciano Martins Rodrigues mostra com precisão que: “…No Brasil, desde 2001, foram acrescidos à frota um total de 32,3 milhões de automóveis, com isso o país terminou 2014 com um total superior a 56,9 milhões. Apenas nesse último ano, o aumento foi da ordem de 3,2 milhões. A taxa de motorização passou de 14,4 automóveis para cada 100 habitantes em 2001 (quando a frota nacional estava em torno de 24,5 milhões) para 28,1 autos/100hab em 2014.”

A repórter Mariana Barbosa, responsável pelo blog “Cidade Sem Fronteiras”, afirma de forma mais enfática ainda que a “frota brasileira cresce onze vezes mais rápido do que a população e já é suficiente para cobrir Barbados, no Caribe”.

São muitos e diversos os fatores que contribuíram para o atual cenário e é certo que contemporaneamente, a ampliação de crédito, a valorização do salário mínimo e as desonerações de itens industrializados ampliaram exponencialmente as aquisições de veículos individualizados.

Paralelamente, é preciso considerar, no entanto, que este fenômeno não se restringe ao Brasil. Trata-se de tendência mundial que, evidentemente, redunda em multidões de mortos e sequelados em todos os cantos do mundo. Não casualmente, a Organização das Nações Unidas (ONU) determinou, ainda em 2010, que para o decênio de 2011 a 2020 seja estabelecida a “Década de Ações para a Segurança no Trânsito”. A justificativa é simples e escancaradamente evidente: são três mil mortes por dia nos trânsitos do mundo e estas mortes já estão, pelo menos, na nona posição de “causas mortis” do mundo.

Apenas em 2009, a ONU contabilizou 1,3 milhão de mortos no trânsito de 178 países com 50 milhões de pessoas que sobreviveram com as mais distintas sequelas. A pesquisa irá mostrar ainda que acidentes de trânsito são o primeiro responsável por mortes na faixa de 15 a 29 anos; o segundo entre 5 e 14 anos e; o terceiro entre 30 e 44 anos e, atualmente, esse morticínio planetário já representa um custo de US$ 518 bilhões por ano, ou um percentual que varia entre 1% e 3% do produto interno bruto de cada país.

Finalmente, já está mais do que provado a impossibilidade da coexistência entre veículos privados e públicos e, definitivamente, a população e seus respectivos governos terão que fazer uma opção. O que se espera é que estas escolhas sejam feitas com base na democracia, no interesse comum e no equilíbrio das cidades.

 

(Ângelo Cavalcante, economista, cientista político, doutorando em Geografia Humana – USP e professor da Universidade Estadual de Goiás – UEG)


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