Brasil

O AROMA DOS VERBOS NO SOM DAS CORES

Redação DM

Publicado em 10 de outubro de 2015 às 22:22 | Atualizado há 8 meses

“Mia Couto nasceu em Beira, Moçambique. Foi jornalista e professor e é atualmente biólogo e escritor. Está traduzido em diversas línguas. Entre outros prêmios e distinções, foi galardoado, em 2013, com o Prêmio Camões e com o prêmio norte-americano Neustadt. Seus livros de poesia, infelizmente, ainda não foram publicados no Brasil, podendo ser encontrados em Portugal, publicados pela Editorial Caminho.”

(Nara Rúbia, Escritora, advogada e professora universitária. Administradora da página oficial do escritor moçambicano)

 

 

 

As obras de Malaquias Belo – “Nesta vertente de criações fantásticas em que extrai elementos inaudíceis de sonhos e fantasias especiais, vê-se que mantém serenidade em suas paisagens mórbidas com cenários insólitos e transcendentes que indagam subjetividade pela perturbadora solidão, questionando um mundo paralelo ou metafísico[…] Fatores que sugerem elementos primordiais da criação genesíaca, dotados de magnetismos de sensualidade nas formas de erotismo inócuo, porém vigoroso. … Eternizando imagens extraídas dos porões da mente sob ativação irracional do inconsciente.”

(Iuri Godinho, Escritor da Academia Goiana de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico de GO)

 

Poemas do escritor Mia Couto (Beira/Moçambique). Telas, do artista plástico Malaquias Belo (Tupaciguara/MG), em exposição na Vila Cultural Cora Coralina. Convite acima.

 

DESTINO

à ternura pouca

me vou acostumando

enquanto me adio

servente de danos e enganos

vou perdendo morada

na súbita lentidão

de um destino

que me vai sendo escasso

conheço a minha morte

seu lugar esquivo

seu acontecer disperso

agora

que mais

me poderei vencer?

 

No livro “Raiz de Orvalho e Outros Poemas”

 

SAUDADE

Que saudade

tenho de nascer.

Nostalgia

de esperar por um nome

como quem volta

à casa que nunca ninguém habitou.

Não precisas da vida, poeta.

Assim falava a avó.

Deus vive por nós, sentenciava.

E regressava às orações.

A casa voltava

ao ventre do silêncio

e dava vontade de nascer.

Que saudade

tenho de Deus.

 

No livro “Tradutor de Chuvas”

 

 

COMPANHEIROS

quero

escrever-me de homens

quero

calçar-me de terra

quero ser

a estrada marinha

que prossegue depois do último caminho

e quando ficar sem mim

não terei escrito

senão por vós

irmãos de um sonho

por vós

que não sereis derrotados

deixo

a paciência dos rios

a idade dos livros

mas não lego

mapa nem bússola

porque andei sempre

sobre meus pés

e doeu-me

às vezes

viver

hei-de inventar

um verso que vos faça justiça

por ora

basta-me o arco-íris

em que vos sonho

basta-te saber que morreis demasiado

por viverdes de menos

mas que permaneceis sem preço

companheiros

 

 

ESPIRAL

No oculto do ventre,

o feto se explica como o Homem:

em si mesmo enrolado

para caber no que ainda vai ser.

Corpo ansiando ser barco,

água sonhando dormir,

colo em si mesmo encontrado.

Na espiral do feto,

o novelo do afecto

ensaia o seu primeiro infinito.

 

No livro “Tradutor de Chuvas”

 

IDADE

Mente o tempo:

a idade que tenho

só se mede por infinitos.

Pois eu não vivo por extenso.

Apenas fui a Vida

em relampejo do incenso.

Quando me acendi

foi nas abreviaturas do imenso.

Mia Couto

 

No livro “Vagas e lumes”

 

O ESPELHO

Esse que em mim envelhece

assomou ao espelho

a tentar mostrar que sou eu.

Os outros de mim,

fingindo desconhecer a imagem,

deixaram-me a sós, perplexo,

com meu súbito reflexo.

A idade é isto: o peso da luz

com que nos vemos.

 

No livro “Idades Cidades Divindades”

 

A página Oficina Poética, criada e organizada pela escritora, acadêmica Elizabeth Abreu Caldeira Brito, é publicada aos domingos no Diário da Manhã.Esta é a 189ª edição (desde 8/1/2012). [email protected]


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