Opinião

Querer mudar de sexo pode ser considerado transtorno obsessivo de modificação corporal?

Redação DM

Publicado em 8 de outubro de 2015 às 22:43 | Atualizado há 10 anos

Em nosso último artigo, desta terça,  6.10.15 (disponível em dmdigital.com.br) falamos sobre uma mulher jovem com transtorno obsessivo de modificação corporal que optou , com ajuda de seu psicólogo, para ficar cega e assim “ser mais feliz”. A partir daí recebi algumas considerações, que reproduzo abaixo:

FSSJr diz – Marcelo, as cirurgias de mudança de sexo entram nesse mesmo quadro?

Eu respondo: Mudança de sexo, em muitos casos, tem um fator que não existe nestes transtornos de obsessão corporal que discutimos no último artigo : o papel do companheiro, o papel do outro, o papel da estética. Muitos transexuais (pessoas que se sentem mal em seu corpo sexual e querem mudar de sexo) querem mudar de sexo porque sentem-se desconfortáveis, por exemplo, acham que seus companheiros não os querem como homens, com corpo de homens, mas como mulheres. Então há este “fator externo” que vem complicar o transtorno de obsessão corporal.

Há também a questão da “identidade de gênero” (“mulher num corpo de homem”), algo que não há no transtorno de obsessão corporal.

Portanto, no transexualismo  há um elemento “a mais” e diferente  do que aqueles elementos obsessivos do transtorno de morfologia corporal: a sexualidade vivida como ego-distônica naquele corpo. Portanto, são duas condições diferentes, no transexualismo o que está em primeiro plano não é a “dismorfia corporal” e sim a “identidade, o gênero e o interesse sexual”, que estão trocados. Não é propriamente a “obsessão corporal” que incomoda, mas sim o fato de “usar um corpo incongruente com a mente”. Portanto, duas situações psiquiátricas  diferentes…

FSSJr. diz – Confesso que para um não especialista parece muito semelhante, algo mais para patológico do que uma escolha ou inadequação de gênero como a sociedade talvez hoje acredite e grupos LGBT querem vender… essa história do companheiro influenciar na decisão então…

Se não me engano há uma proibição do conselho de psicologia de  “tratar” esses casos, mas imagino que seja fundamental acompanhamento psiquiátrico nessas situações para isolar por exemplo essa questão do papel do companheiro nesse tipo de mudança tão radical, ou identificar aquela casos que se pareçam mais com os que você relatou do que com uma inadequação de corpo e mente/sexualidade.

Há esse mesmo tipo de restrição para tratar esses casos na medicina / psiquiatria?

Não acha que há uma influência ideológica a influenciar a forma como essa questão da transexualidade é tratada inclusive dentro da academia?

Para a sociedade em geral me parece que se vende a ideia de que esse tipo de cirurgia seria uma adequação de um homem em corpo de mulher, e há quem diga que, de forma semelhante a essa mulher que teve seu desejo de ficar cega atendida, seja uma forma de alimentar a loucura de alguns indivíduos…

Não é raro vermos indivíduos agora fazendo o caminho oposto, em particular já vi um testemunho na Igreja, e há uma pessoa que sigo no facebook nessa situação, que inclusive já deu entrevistas em programas de televisão. Acho que daria uma área de pesquisa extremamente interessante, mas se já vigorar uma proibição de estudar, diagnosticar e tratar essas pessoas, influenciado por questões ideológicas, morre a pesquisa nesse assunto.

Eu respondo: As mudanças corporais sexuais que alguns homossexuais  fazem no corpo não estão no âmbito de uma “obsessão corporal”, estão no âmbito de uma “estética feminina” (glúteos, mamas, cartilagem cricotireoidea: pomo-de-adão, etc) é um mecanismo diferente. Como sua mente é “feminina” eles gostam dos adereços, atavios, adornos que a mulher gosta em seu corpo. Em alguns casos, pelos mesmos motivos estéticos (“um corpo para mostrar aos outros”), acham o pênis “desagradável”, “ego-distônico”. Outros, chegam a um grau tal de feminização que querem ser completamente “passivos” face a seus companheiros, daí quererem emascular-se de um “órgão fálico”, mesmo que isto lhes retire o prazer venéreo. E, alguns poucos, em cima da identidade corporal trocada, fazem, de fato, uma busca obsessiva (meio dismorfofóbica – como os casos que citei antes) pela “retirada do pênis”, as condições psicopatológicas, então,  podem cavalgar-se. Muitos transexuais não são propriamente “obsessivos”, portanto não têm aquele mecanismo presente nas dismorfofobias de obsessão corporal (transtorno ego-distônico da morfologia corporal). Daí muitos não querem emascular-se, querem continuar tendo o prazer sexual pleno, etc. O transexualismo (“querer ter um corpo contrário ao seu sexo”) não é propriamente um transtorno ego-distônico da morfologia corporal, é um “transtorno da própria identidade sexual”, são coisas distintas. No último caso o indivíduo se sente mulher, isto é vivido, em grande parte dos casos, ego-sintonicamente; já os transtornos de morfologia corporal são vividos como sempre ego-distônicos e sempre de modo obsessivo. A questão, neste último caso, não é de “estética”, é de “controle obsessivo de uma parte do corpo”; o “mal-estar” ansioso/depressivo que estes pacientes sentem são projetados sobre o corpo e no corpo eles depositam todas as chances de alívio. É claro que, em alguns poucos casos, como eu disse acima,  pode haver cavalgamento de “transtorno de identidade de gênero” com o “transtorno ego-distônico de morfologia corporal”, complicando ainda mais as coisas.

 

(Marcelo Caixeta, médico psiquiatra, artigos as terças, sextas, domingos – [email protected])

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