Venturas e desventuras de Ailtamar Carlos da Silva
Redação
Publicado em 5 de outubro de 2015 às 23:05 | Atualizado há 10 anosAssumir uma Superintendência Regional contra a vontade dos servidores daquela repartição pública foi algo desafiador. Mas um verdadeiro guerreiro sabe que, ao perder uma batalha, está melhorando sua arte de manejar a espada. Saberá lutar com mais habilidade no próximo combate. E foi isso que ele fez.
O organograma do Incra Goiás possuía quatro áreas de atuação e interesse: Administração, Obtenção de Terras, Assentamento e Procuradoria. Partiu para o ineditismo autorizando eleições diretas para a escolha do cargo de chefia daquelas divisões: o mais votado seria o chefe da repartição e o segundo mais votado seria o substituto. E foi isso que aconteceu.
Diante da perplexidade dos servidores que estavam acostumados as serem guiados por pessoas com sobrenomes famosos e de peso pertencentes à famílias tradicionais do Estado de Goiás, não lhes houve outra alternativa senão se renderem àquela nova fórmula de administração pública: uma gestão baseada num modelo democrático de definir quem são os mais trabalhadores, os mais dedicados e competentes, dentro de um novo sistema de gestão que considera o mérito como aptidão e razão o principal para se atingir posições de topo.
Esta foi a primeira revolução experimentada pela Superintendência Regional do Incra em Goiás sob o comando de Ailtamar Carlos da Silva.
Decidiu então nomear como superintendente substituto uma pessoa que emergisse dos movimentos sociais. E assim o fez. Logo seu superintendente substituto virou vice-prefeito de Orizona e hoje ocupa a Secretaria de Cultura daquela cidade. Gestão igualmente vitoriosa afinal.
Em 2003, no seu primeiro ano à frente daquele órgão, o Incra estava detonado. Faltavam veículos, impressoras, material de expediente, a energia estava atrasada.
Então Ailtamar levantou as demandas e definiu metas e estratégias de ações a serem realizadas.
Numa outra atitude inédita, buscou parceria com a Secretaria da Receita Federal, que lhe forneceu carros, pneus, material de informática e expediente – tudo dentro da legalidade – é claro. Isto viabilizou o início de sua gestão à frente do Incra/GO.
Como superintendente Regional do Incra, foi avançando de forma criativa, com planejamento e redução de custos.
Ademais, Ailtamar gostava do que fazia. Jamais administraria de dentro de seu gabinete, sob os ventos lassidosos do ar-condicionado. Militante, gostava de estar no meio dos assentados. Isto fez toda a diferença, pois olhava os problemas de perto. Amou os Sem Terra, se importou com eles, compreendeu o seu caminhar, sendo compassivo, para ajudá-los em sua luta e retirá-los da miséria e vida de sofrimento.
Para se ter uma ideia, só na cidade de Goiás haviam 24 assentamentos. Desenvolveu um relacionamento de amizade e confiança entre assentados. Para os movimentos socias envolvidos com a Reforma Agrária, era ‘deus’ no céu e Ailtamar na terra.
As reuniões eram realizadas na Câmara Municipal ou no Ginásio de Esportes da cidade mais próxima ao assentamento visitado, o que o fez desenvolver uma relação de amizade com os prefeitos de todo Estado de Goiás. As assembleias eram produtivas e caminhos eram traçados. Com seriedade, o trabalho realizado por Ailtamar possibilitou o desenvolvimento de parcerias com as prefeituras envolvidas, que resultavam na construção de estradas, pontes, bueiros – ou seja – uma verdadeira revolução.
Uma dessas parcerias, a título de exemplo, foi o pagamento por parte do Incra de grandes quantias monetárias em óleo diesel, enquanto a prefeitura entrava com os tratores e equipamentos para melhoria das estradas onde estavam os assentados.
Foram firmados vários Termos de Cooperação Técnica, e toda a comunidade se envolvia, fiscalizando a execução do mesmo. Assim, o Brasil ia prá frente.
Nem a Faeg – Federação da Agricultura do Estado de Goiás ficou de fora, e com Macel Caixeta, ficou ainda mais fácil viabilizar tal parceria, focada principalmente no setor de compra e venda de terras por todo o Estado de Goiás.
Ainda no início de sua gestão se deparou com seguinte realidade: Goiás era o Estado com o maior número de processos judiciais do Brasil: cinqüenta e seis processos relativos a problemas envolvendo o Incra corriam nas Varas de Justiça Federal da 1ª Região. Então, ao lado do presidente Nacional do Incra, Rolf Rackbart, e do ouvidor agrário Federal, Gercino José da Silva Filho, desembargador do Tribunal de Justiça do Acre, visitou cada um dos juízes goianos envolvidos com os respectivos processos. A ação deu resultado, e vieram os acordos judiciais. O número de processos que corriam na Justiça Federal goiana foi reduzido em 50%.
Para se ter um idéia, nos 25 anos anteriores à sua gestão, o Incra havia desenvolvido 153 processos de assentamentos. À frente do Incra, de 2003 a 2008, Ailtamar criou mais 83 projetos de assentamentos. Um recorde nacional, além de ter deixado mais 10 em andamento.
Não é à toa que o Incra Goiás foi considerado a terceira melhor Superintendência do Brasil – tudo medido de acordo com o desempenho do cumprimento de metas e ações definidas pelo Incra Nacional e fiscalizadas pelo Tribunal de Contas da União.
Ailtamar foi o primeiro obter áreas rurais para Reforma Agrária advindas do narcotráfico: duas fazendas de Fernandinho Beira Mar foram desapropriadas no município de Paraúna, e uma em Varjão, chamada Quinta da Bicuda, cujo proprietário era Antônio Damázio.
Assim, terras que serviam ao narcotráfico agora produzem alimentos saudáveis, hortaliças, permitindo o manejo adequado para o reflorestamento, o que ganhou repercussão nacional.
Brigou com a Igreja Católica Conservadora, obtendo desta uma área para reforma agrária em Jataí.
Mas venturas como esta na administração pública são a exceção à regra.
Por um acordo político, em virtude das famosas reformas políticas promovidas pelo governo federal, era a vez do PTB indicar o novo superintendente desta entidade em Goiás.
O então presidente estadual do PTB em Goiás, deputado federal Jovair Arantes, procurou Ailtamar Carlos da Silva, então superintendente do Incra/GO, para um conversa informal no Piquira’s Bar e Restaurante.
Ali, ele cobrou um alto preço, literalmente, para que Ailtamar continuasse no cargo.
A resposta de Ailtamar foi simples, curta e direta: “Enfia o Incra, os Sem Terra e o Diabo a quatro no seu rabo.”
Levantando-se, se retirou. Obviamente, perdeu o cargo.
Mas homens como Ailtamar não se dobram à circunstâncias. Para ele todos são iguais, até pelo senso de justiça que carrega, sejam elas ricas ou pobres, poderosas ou não.
A honra e a dignidade falaram mais alto, e Ailtamar Carlos da Silva saiu de cabeça erguida.
Fez história.
Segue vitorioso, possuindo um escritório de advocacia na Capital, onde atua na defesa da Reforma Agrária.
Ainda defende os Sem Terra, por vocação. É uma vontade nata e irremediável.
Alguém se atreve a advinhar quem foi o substituto de Ailtamar no Incra, por indicação do deputado federal e líder do PTB em Goiás Jovair Arantes? Pasme! O sobrinho dele, Rogério Arantes. Isso se chama nepotismo! Só pra esclarecer, nepotismo é um termo utilizado para designar o favorecimento de parentes ou amigos próximos em detrimento de pessoas mais qualificadas, geralmente no que diz respeito à nomeação de cargos públicos e políticos.
O resultado desta manobra política é que o Incra/GO foi interditado pelo Governo Federal, que exonerou Rogério Arantes e nomeou como interventor Jorge Tadeu Jatobá, funcionário de carreira daquela entidade, e que permanece no cargo até os dias de hoje.
Assim não tem jeito não. O Brasil não vai pra frente.
Isto se dá em resultado a um governo opressor, autoritarista, que reflete uma ditadura própria dos partidos de esquerda, que persiste por toda América Latina moderna.
Em uma análise, a advogada e professora da USP Janaína Paschoal avaliou que os parceiros do presidente Lula e Dilma Rousseff evidenciam o autoritarismo de esquerda praticado no Brasil por aqueles que compõem a base governista.
Dentre eles está o PTB.
O autoritarismo dos partidos da base aliada do governo federal reverenciam, flertam e financiam a ditadura as ditaduras da América Latina.
A consequência imediata é que há uma inversão completa de valores, refletindo o sentimento destes governantes de que tudo é deles: a Petrobrás é deles, o Incra é deles, e o dinheiro público é deles. Eles lidam com a coisa pública como se fosse deles, e não como se pertencesse ao povo, como de fato o é.
A esquerda brasileira não inventou a corrupção, mas a institucionalizou, avalia ainda a mesma professora, como demonstração do autoritarismo praticado por estes partidos.
Insta que os oposicionistas a este governo que aí está, como eu, se manifestem, antes que o nosso país comece a nos bater e a prender-nos, como já se faz na Venezuela, em Cuba, etc.
Sou da ‘Turma do Jubileu 90’. Me formei com Ailtamar Carlos da Silva, e o homenageio neste artigo.
Também são da nossa turma Jubileu/90 Carlos Roberto Alves dos Santos, juiz federal; Leonardo Buissa Freitas, juiz federal; Marcus Vinícius Aires Barreto, juiz estadual; Regina Márcia Himenes, promotora de Justiça; Osvaldo Rezende Silva, juiz estadual; Edvaldo Félix do Nascimento, delegado da Polícia Civil/GO; Ernesto Martim S. Dunk, advogado e professor de Direito da PUC/GO; Roberto Rodrigues, advogado e professor de Direito da PUC/GO; Balbino Laurindo, advogado; Divino Martins Arruda Júnior, funcionário público federal e tantos outros colegas que honram e dignificam a classe jurídica do Estado de Goiás.
Somos corajosos. Não nos dobramos às desventuras.
Como bem disse o pensador Ralph W. Emerson:
“Tudo o que você faz requer coragem. Qualquer direção que você tomar haverá alguém para dizer que você está errado. E sempre surgirão dificuldades para tentá-lo a achar que seus críticos têm razão. Para mapear seu curso de ação e segui-lo até o fim, você vai precisar da mesma coragem necessária aos soldados.”
Ailtamar não ouviu seus medos, não desistiu e fez do seu caminhar um exemplo para muitos.
Seguiu em frente.
E isso ainda não acabou.
Por um Brasil melhor do que este que se apresenta.
(Silvana Marta de Paula Silva – advogada e escritora. Twitter:@silvanamarta15 Blog: silvanago.blogspot.com.br)