Cotidiano

Oitenta pacientes podem ficar sem medicamento em Goiás

Redação

Publicado em 25 de julho de 2015 às 01:54 | Atualizado há 4 meses

Divania Rodrigues, Da editoria de Cidades

Pacientes com esclerose múltipla ficaram assustados com o anúncio de uma consulta pública que irá decidir a permanência ou não da distribuição gratuita pelo Sistema Único de Saúde (SUS) de um das betainterferonas usadas no tratamento da doença. O remédio vendido com o nome de Avonex® é utilizado por cerca de 3 mil pessoas no Brasil, 80 somente no Estado de Goiás de acordo com a Associação Goiana de Esclerose Múltipla (Agem).

O medicamento é de alto custo, com valor comercial entre 5 e 6,5 mil reais (em dosagem para um mês), e está incluído no Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas da Esclerose Múltipla do Ministério da Saúde como terapia padrão desde 2002. Atualmente estão disponíveis no SUS três tipos de betainterferonas, a Avonex® (cientificamente betainterforena 1a de 30mcg), a Betaferon® e a Rebif®. O medicamento é o único com administração uma vez por semana por meio de aplicação intramuscular, os demais precisam de mais doses durante a semana.

Se a retirada do primeiro for confirmada restará aos pacientes procurar as farmácias ou a mudança no tratamento. Em Goiânia, a reportagem entrou em contato com farmácias de grandes redes para saber o valor do remédio, mas foi informada pelos atendentes que não trabalhavam com o medicamento produzido e distribuído pela Biogen Idec a pronta entrega. Um dos locais consultados se disponibilizou a fazer o pedido do produto, mas pelo menos 50% do valor do produto deveria ser pago como adiantamento.

A consulta pública foi encerrada essa semana e pacientes e técnicos puderam dar seus pareceres por meio da internet no site da Conitec – Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias pelo SUS. O resultado é aguardado com ansiedade pelos pacientes e de acordo com a comissão os relatórios estão em análise e por enquanto não há previsão de um parecer final.

O Ministério da Saúde justificou a decisão de acordo com estudos que demonstraram ineficácia do Avonex e explicou que a Conitec leva em consideração evidências científicas, segurança para os pacientes, além de outras como a relação custo-efetividade. A reportagem entrou em contato com a assessoria de comunicação da Biogen Idec via e-mail, mas não obteve respostas sobre o assunto.

Reação

As associações que defendem os direitos dos pacientes com esclerose múltipla reagiram a possibilidade dos SUS não oferecer mais a betainterforena 1a de 30mcg. A Associação Brasileira de Esclerose Múltipla (Abem), estabelecida há 31 anos e com cerca de 13 mil portadores associados, faz severas críticas ao SUS pelo que entende ser um retrocesso. Em nota a entidade assevera: “O tabelamento dos tratamentos disponíveis pelo SUS demonstra que o cidadão doente e carente de recursos está à mercê de um protocolo de diretrizes terapêuticas em total avesso ao comando do artigo 196 da Constituição Federal.”

A associação também afirma que o SUS está na contramão de melhorar a gestão de saúde, pois ao invés de disponibilizar aos pacientes o maior número possível de terapêuticas existentes retirando do protocolo a betainterforena 1a de 30mcg. “Os critérios estabelecidos pelo SUS não podem interferir no tratamento que o médico e seu paciente, de comum acordo, escolheram como sendo a melhor conduta terapêutica.”

A Associação Goiana de Esclerose Múltipla (Agem) enviou nota de repúdio alegando que o Ministério da Saúde não deveria excluir nenhum tratamento independente do preço e que o “custo de um paciente internado com esclerose múltipla é muito mais caro do que o medicamento mensal que eles devem fornecer!”

Eduarda Assis de Albuquerque Arantes, 52 anos, engenheira civil, portadora da doença, é diretora-presidente da Agem, que tem 840 pacientes associados no Estado e teme que os usuários dos Avonex sejam prejudicados. “É de uma frieza muito grande deixá-los sem a medicação. É uma doença muito difícil e já estão estabilizados e acostumados com a medicação e ter que trocar é uma falta de senso já que o interferon é muito forte.”

Ana Maria*, 45 anos, formada em Administração e estudante de Direito, conta que faz uso do Avonex desde 2009 quando descobriu possuir esclerose múltipla. Ela se diz preocupada com o resultado da consulta pública e a possibilidade de exclusão da betainterferona 1A 6.000.000 UI (30 mcg) do SUS, pois a filha de 19 anos, diagnosticada em fevereiro de 2014 com a doença, também faz tratamento com a medicação. “Aqui em casa que somos duas e ninguém dá conta de se manter pagando o remédio”, afirma.

De acordo com Ana Maria, o resultado que conseguiu com a medicação é excelente, com boa qualidade de vida, e que não sabe o que fará se o medicamento deixar de ser fornecido pelo SUS. “Eu estive com a médica nesta semana, mas a gente ainda não pensou o que fazer se tirarem essa medicação”, explica.

Para Eduarda Assis cabia ao Ministério da Saúde fazer um levantamento e avaliação em longo prazo e com mais transparência. Eduarda explica que o medicamento já vem sendo usado há bastante tempo assim como os demais e questiona por que o estudo comparativo do Conitec foi realizado apenas neste momento.

Remédio seria inferior, diz governo

A Conitec analisa estudos científicos a respeito de medicamentos, produtos e procedimentos de saúde, além de avaliar custos e comparar com as terapias utilizadas no SUS, para incorporar, excluir ou alterá-los. Para isso suas recomendações vão para consulta pública por 20 dias e depois de uma recomendação final é encaminhada ao secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde que decide o que fazer.

O relatório da comissão apontou que os estudos científicos disponíveis sobre as betainterferonas demonstram “uma significativa inferioridade do Avonex® em relação ao Rebif® e ao Betaferon® no tratamento da esclerose múltipla do subtipo RR”. Também apontou que apesar de ter um custo menor que as demais, apenas as últimas “deveriam ser consideradas como tratamentos de primeira escolha” para a doença.

Para o neurologista Fernando Elias Borges, coordenador de doenças desmielinizantes do Hospital Alberto Rassi (HGG), a exclusão e eventual troca do medicamento pelos pacientes não é algo simples. “A suspensão da distribuição da betainterferona 1a de 30 mcg pode repercutir na adesão de alguns pacientes ao tratamento.”

Ele explica que isso ocorreria porque a formulação do Avonex é de uso intramuscular e de aplicação semanal única diferente das outras que são de aplicação subcutânea, em duas vezes ou diariamente. Outra questão, de acordo com o neurologista é que o Avonex foi criado para ser utilizado no início de tratamento em formas específicas da esclerose múltipla como na síndrome clínica isolada. “Essa suspensão pode ocasionar tratamentos em doses elevadas em situações em que uma dose baixa poderia ser utilizada com maior segurança e comodidade pelo paciente.”

Os pacientes que não conseguirem comprar o Avonex no caso deste não ser mais fornecido pelo SUS, não poderão trocar imediatamente de formulação de betainterferona. “As demais tem posologias e doses diferentes. O paciente terá que procurar o serviço de saúde para realizar essa troca. Vai ter que ser avaliado em uma consulta e muito provavelmente vai haver questionamentos sobre a necessidade dessa troca”, explica o neurologista.

Para o médico muitos pacientes que usam a betainterferona 1a podem ter uma resistência ou intolerância ao uso de formulações com doses mais elevadas, subcutâneas, de três a quatro vezes na semana. “Isso acarretará a migração de pacientes para os medicamentos de segunda linha que tem ação imunossupressora, porém com comodidade maior na posologia”, avalia.

Caso essa tendência se confirme o médico alerta que o gasto público pode ser mais elevado: “Isso ao contrário do que o Ministério da Saúde imagina ou preconiza poderá acarretar em aumento do gasto estatal, pois os pacientes migrarão de um medicamento já consagrado para um medicamento mais moderno e de alto custo.”

 

 

Esclerose não tratada pode causar prejuízos irreversíveis

 

A esclerose múltipla (EM) é uma doença inflamatória e degenerativa que acomete o sistema nervoso central – cérebro e medula espinhal. É autoimune, ou seja, o próprio sistema imunológico ataca e destrói as células saudáveis. Os sintomas comuns são: visão turva ou dupla, cansaço, formigamentos, perda de força e de equilíbrio, dores crônicas. O diagnóstico pode ser difícil porque o subtipo mais comum é o recorrente-remissivo ou remitente-recorrente (RR), em que os sintomas aparecem em surtos dos quais os pacientes se recuperam completamente e depois ficam meses ou mesmo anos, sem sinais da doença. “O paciente tem um surto em que para de andar e depois de algumas semanas ele recupera essa capacidade, depois perde parcialmente a visão e recupera. A doença se manifesta de forma progressiva, mas em surtos de forma saltatória” explica o neurologista Fernando Elias Borges.

Ana Maria*, portadora da doença, conta que procura não pensar na doença e só lembra-se na hora da medicação ou quando tem surtos. Para, apesar da EM sua qualidade de vida se mantém boa, embora tenha que ter deixado de trabalhar em 2012.

O problema é que na medida em que a doença avança, se o paciente não realiza nenhum tipo de tratamento, suas recuperações se tornam cada vez mais limitadas e o paciente começa a somar mais incapacidades funcionais, como a perda da fala ou dos movimentos.

Eduarda Assis de Albuquerque Arantes afirma que depois do choque inicial por descobrir a doença hoje tem uma vida normal: “As coisas não são como estão na internet e o baque foi muito grande. Passei dois anos sem trabalhar ou fazer exercícios físicos. Foi muito complicado.”

Com a ajuda da família ela superou esse período, voltou a trabalhar, estudar e treinar e a levar uma vida normal – exceto pela medicação – no convívio social. À frente da Associação Goiana de Esclerose Múltipla (AGEM) ela ajuda a promover há quatro anos uma meia maratona pelas ruas da capital para informar as pessoas a respeito da doença e mostrar que seus portadores podem não ficar limitados pela EM. O evento chamado “Em Movimento”, elogiado e reconhecido no Brasil, será realizado em 30 de agosto – Dia Nacional da Esclerose Múltipla.

 

 

*A paciente aceitou conceder entrevista, mas pediu para não ter o nome revelado por motivos pessoais.


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