Opinião

Maledicência sem inocência

Redação

Publicado em 1 de julho de 2015 às 23:37 | Atualizado há 10 anos

O filósofo brasileiro Huberto Rohden, autor de mais de 60 livros, em um deles, intitulado “Educação do homem integral”, esmiúça a máxima contida no evangelho de Lucas: a boca fala do que está cheio o coração. Ele assevera que o péssimo hábito de falar mal dos outros é contagioso e perigoso, corrompendo a alma assim como uma substância entorpecente contamina o corpo. Peço licença para fazer meus próprios apontamentos.

Parece mesmo ter virado moda entre as rodinhas, panelinhas e não mais se resume, a maledicência, a denegrir a imagem dos outros conhecidos, dos amigos. Agora na própria família torna-se salutar a jocosidade e o escárnio apontando as mazelas e proezas insanas dos familiares. Irmãos, pais e filhos se juntam para maldizer os confrades, em conluio de vertiginosa e ferina verve, resultando, muitas vezes, em graves brigas. O conflito é certo e o confronto imediato.

Todos nós cometemos deslizes e os que julgam nunca ter empreendido percurso pelas ruas perdidas dos descaminhos, carrega sem consciência os próprios defeitos, a começar pela errônea e torpe sensação de perfeição e falta de humildade. Mudar e polir os hábitos são atitudes necessárias a todos.

Outro apontamento ríspido é o costumeiro olho ganancioso pelos infortúnios alheios, o gosto de cuidar da vida dos outros. A razão do sucesso das revistas de fofocas. Elucubrações entre uma fama ilusória e estética, sem grandes importâncias, e seus trágicos casamentos rápidos, percursos e badalações, intrigas e boatos: massagem do voyeurismo do leitor. Então, qual a razão de tento apreço pela maledicência?

Algo que se justifica na própria literatura. A arte imitando a realidade e o homem se identificando por espelhos. Uma magia de maior facilidade para aprendizados. Eis o poder da ficção, assim como são as lições das parábolas e das fábulas.

São os espelhos que nos cutucam para diversos apontamentos: o hábito de se julgar pelas comparações. Se houver algum complexo de inferioridade e o desejo pela vangloriosa vitória ou vantagem, diminuindo o valor dos outros haverá a ilusória sensação de aumentar o próprio valor, revelando, porém, a falta de auto-realização, um resquício depressivo da baixa estima, ou então, puro gosto pela miséria alheia.

Julgamento alheio não cabe a nenhum de nós, menos ainda por comparações, por ser o ato de julgar um sentimento de conceitual e presteza que é absolutamente peculiar. Isto é, quem julga, só deve julgar a si mesmo. Nem mesmo os juizes, que, por sinal, não julgam pessoas, mas apenas os seus atos supostamente contrários à lei levado ao Poder Judiciário.

Apagando a luz alheia, a luz própria não tende a brilhar mais – ao contrário –, escurece pelo torpe e fútil gosto pela maledicência. Quem tem luz própria não apaga a dos outros, ao contrário, faz brilhar mais, tanto pelo valor quanto pela saúde espiritual.

Não se mata o tempo falando mal de ninguém. A palavra não volta, reverbera adiante. Diz o ditado “três coisas nunca voltam: a flecha lançada, a palavra dita e a oportunidade perdida”. A palavra é recurso comunicativo, de aprendizados mútuos, construtora de esperanças e projetos. Pode amainar dores, mas pode dilacerar conceitos, numa revolta injuriosa.

Vamos combater o veneno da maledicência, corrompendo a vida alheia. A fragilidade humana é inerente a todos, sem censura e exceção. Que todo coração conheça a bondade e misericórdia, pois toda maledicência sem inocência gera a própria destruição de seu valor. Até a próxima página!

 

(Leonardo Teixeira, escritor)

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