Mais um ano sem o dr. Henrique Santillo
Redação DM
Publicado em 24 de junho de 2015 às 02:17 | Atualizado há 10 anos
Vivemos um momento no mundo em que tudo é superficial, descartável e fácil de quebrar. Nada pode ser visto como duradouro, nem mesmo os relacionamentos. Não tenho medo de dizer que boa parte do nosso sofrimento tem origem nas relações mais próximas de nós, com quem partilhamos boa parte da nossa vida. São pessoas que dividem ou dividiram a vida conosco, que expressaram bons sentimentos a nosso respeito e que, de repente, acabam nos fazendo sofrer. Mas, nada como num dia após o outro.
À medida em que envelhecemos adquirimos experiências, mais experiências, e descobrimos uma série de coisas através dos ensinamentos da chamada “escola da vida”. É pelo acúmulo desse aprendizado a cada ano vivido é que nós nos fazemos capazes de entender as pessoas, as relações humanas e o sentido real do amor.
Descobrimos com a vida, frustrando a nossa expectativa, que nem sempre somos correspondidos no amor e, o que é pior, nem sempre amamos como deveríamos amar. É lastimável, mas acabamos descobrindo com o tempo que aqueles que nos amaram acabaram muitas vezes nos usando. Que os que se interessaram por nós, em certo momento da vida, tiveram inveja da nossa alegria e felicidade. Por muitas vezes agiram como se tivéssemos o dever de ter sempre algo a lhes oferecer.
A realidade nos mostra que entender o amor na perspectiva humana não é suficiente, pois nós, homens e mulheres, temos sido incapazes de amar profundamente. Quantos não são os nossos atos que buscam, de alguma forma, abater o amor, impedir que ele cresça em nosso ser? Estamos na contramão dos sentimentos nobres. Precisamos desfrutar o amor em intensidade que quebre as barreiras de todas as influências negativas que recebemos ao longo de nossas vidas, como feridas, mágoas, frustrações, desilusões e sofrimentos. Temos feito isso?
Não. Basta olhar à nossa volta e nos depararemos com um cenário atemorizante de indiferença e frieza. Sabemos – e nada fazemos – que existe uma grande força que tem destruído o amor, este sentimento maior: o medo. Estamos nos fazendo medrosos, calados, vergados pela submissão, num mundo que está a exigir o ressuscitar da honra, da decência, da moral e dos bons costumes. A exigir as virtudes dos chamados “Homens com H”. Tivemos muitos deles ao caminhar da história.
O prezado leitor é testemunha de que, ao longo dos últimos 13 anos, eu tenho escrito aqui alguns artigos sobre a luta de um homem que sofreu com as aflições dos seus semelhantes. Um homem para quem as pessoas valiam e valem mais que todas as coisas materiais do Universo. Um homem que nunca almejou o poder pelo poder. Um democrata em permanente luta contra o sistema político vigente. Um guerreiro a combater um mundo político onde prepondera o fisiologismo e a falta de compromisso público. Uma lança afiada a combater a podridão política que, ao longo da existência da humanidade, se perpetua, transformando pessoas até então simples em seres arrogantes.
Falo do dr. Henrique Santillo. A sua coragem produziu o seu caráter – e ele mesmo repetia, a todos os ombreados na causa e pela causa do homem, que a coragem é o resultado de quem somos. O homem, sem medo, ama. Esse homem amou porque não tinha medo. Através de suas experiências de vida e de memoráveis lutas, ele nos ensinou que, se tomados pelo medo, muitos não conseguem expressar sentimento sincero por ninguém; que o medo leva alguns a enxergar apenas as tragédias e nos revela tão só coisas terríveis. Pessoas criam o drástico e o trágico, quando tomadas pelo medo.
Nas aulas que dele tive, aprendi que em muitos momentos vivemos cenas que nos aterrorizam simplesmente porque permitimos que o medo se instale em nosso ser. E ele o faz de tal modo que mais nenhum sentimento aflore em nosso interior, que passa a ser o campo de cultivo do medo. A partir daí, porque permitimos, toma-nos a cegueira, impedindo-nos de ver que há mil outras janelas abertas para a vida.
Eis por que muitos homens e mulheres fracassam: não têm mais coragem para enfrentar os obstáculos, encarar a vida de frente, com ousadia, e correr os riscos que forem necessários. Vemos aí muitos que, apesar de terem poder e dinheiro, viverem doentes e paralisados pelo medo. São seres incapazes de amar.
Busco no exemplo do dr. Henrique fonte de inspiração para que ninguém tenha medo da vida e das dificuldades que dela vierem. Saibam que ele teve uma infância e juventude muito dura, ao lado dos seus pais. Teve, desde pequeno, de viver e lutar para sobreviver. Humanista que era, conheceu e conviveu com o sofrimento do povo. Formado em Medicina, ele a exerceu como sacerdócio, nunca se preocupou com honorários. Servia com alegria, não lhe faltava sinceridade e amor para com o próximo. Entendia que o verbo amar deve ser seguido de outro, servir, que é conjugado na antítese da grandeza.
Eis por que não havia qualquer manifestação de orgulho ou ostentação na sua alma.
Por isso ele defendeu e lutou pelas causas populares. Lutou! Amou! Não teve medo! Não teve medo de lutar para livrar o povo da ditadura militar que castigava o Brasil. Nunca titubeou na defesa de seus sonhos, de seu ideal. Não teve medo das artimanhas políticas praticadas contra ele e nem daquelas engendradas para usá-lo, daí a destemida decisão de deixar a Secretaria de Saúde e a de Articulação política do governo de Goiás.
Henrique Santillo sempre foi sujeito, não objeto. Ele não se acovardou quando quiseram tomar o BEG de Goiás, assim como fizeram com a Caixego e com o Banco de Desenvolvimento (BD). Em momento algum ele ficou de braços cruzados, quando se tentou a privatização do nosso banco, luta que, infelizmente, não foi seguida pelos que o sucederam. Quando partiu, o fez sabedor de quem, realmente, havia sido o verdadeiro coveiro do nosso querido BEG.
Santillo sofreu, mas não teve medo de enfrentar o Césio 137. Feliz o Estado por ter a governá-lo um conhecedor do assunto, levando-nos a superar o problema e as discriminações de que fomos vitimas. Ainda que isso sacrificasse o seu governo, milhares de obras foram feitas. Delas não se falou porque, ao contrário de alguns, ele jamais se permitiu gastar dinheiro público com matérias pagas para divulgar o que, na opinião dele, era obrigação de todo governante fazer. Aliás, ele não teve medo nem mesmo quando o acusaram de não ter feito propaganda do seu Governo. Palavras dele, textuais, e aqui as repito: “Toda minha vida tem sido de pregação contra usar recursos públicos para autopromoções. Não fiz festas para inaugurar obras. As obras que fizemos aos milhares estão aí.”
Fez pela Saúde uma obra extraordinária. Construiu 10 hospitais regionais, os Cais 24 horas, o Hospital de Urgências e cuidou com maior atenção do saneamento básico, onde foram investidos 600 milhões de dólares. Obras que não aparecem, ficam debaixo da terra e não levam placa.
Quem o conheceu, como nós o conhecemos, sabe que estará cuspindo na sua face aquele que se atrever a usar o seu nome em obras faraônicas, luxuosas, costumeiramente superfaturadas e usadas para mordomias de descompromissados com a coisa pública e com as causas populares, obras que não servem ao povo.
No Ministério da Saúde, quando ministro, chamou a Polícia Federal para apurar desvios das verbas federais destinadas ao Sistema Único de Saúde, assim como não teve medo de enfrentar os que boicotavam a saúde do povo brasileiro (disso ainda iremos falar). Nunca andou atrás de doadores para as suas campanhas. As pagou com o sacrifício dos poucos bens de que dispunha.
Nunca teve medo de embates eleitorais e no enfrentamento de grandes debates nos Parlamentos por onde transitou. Nunca se intimidou com os jagunços de caneta e seus mandantes. Nunca teve medo de proteger e apoiar seus entes queridos, assim como não teve medo de enfrentar poderosos, corruptos, contraventores e ladrões do dinheiro público. Não teve medo de lutar pela democracia e liberdade de imprensa. Essa foi a sua maior luta. Essa foi uma de suas grandes lições.
Henrique Santillo nunca admitiu monitoramento em qualquer coisa que fizesse, mesmo porque nunca teve o rabo preso. Não devia nada a ninguém. Como nunca teve medo, tornou público todos os pensamentos e intenções. Dizia não caber medo no que caminha com a verdade. Ele abominava mentirosos, os nivelava aos traidores.
Tinha consciência de que todo homem público está sujeito a críticas e elogios, daí nunca ter acionado na justiça aqueles que o criticavam. Ele considerava a censura coisa abjeta e via no censor a mesma vileza do tirano.
Dizia o que disse Marcus Furtado, presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, por ocasião da liberação das biografias pelo Supremo Tribunal Federal,: o remédio para os males da liberdade e da democracia é mais liberdade e mais democracia.
Destemido Santillo. As coisas que disse eu as tenho, como tenho, também, as que escreveu. Esta que é do meu acervo particular, ilustra esta saudação a ele: “Porque não tenho zíper na boca e outros políticos da cidade têm zíper na boca. Eu não tenho.”
Essa é uma das muitas histórias das coisas que aprendi com o dr. Henrique. Amar é não ter medo! Vivemos num País com liberdade de expressão. Eu lutei por isso! Todos nós temos o direito de nos expressar sobre as coisas que vivemos (principalmente sobre a coisa pública).
Aprendi com ele a não ter medo e não me intimidar com ameaças, sejam elas feitas por pessoas de quem nunca esperávamos ou por desclassificado jagunço de caneta desconhecido e seus mandantes. Eu não os temo. Quem ama não tem medo da vida, das coisas e pessoas. Entrega-se completamente! É corajoso, altruísta e valente. Deus nos disse para amarmos, mesmo sendo perseguidos.
Não se abandona um amigo nem mesmo quando ele morre. Ao saudoso amigo Henrique Santillo a minha gratidão eterna pelos ensinamentos sobre o medo e o amor! Nesses 13 anos de sua ausência física, permita-me que festejemos o seu legado, cujos valores hauridos na honra, ética, decência, probidade e dignidade, infelizmente, se fazem ausentes na maioria dos nossos chamados “homens públicos”.
(Waldemar Curcino de Morais Filho, capelão hospitalar e genro de Henrique Santillo, de quem foi secretário particular por 23 anos)