Opinião

Costume de beijar – final

Redação DM

Publicado em 3 de junho de 2015 às 02:54 | Atualizado há 10 anos

Os historiadores não identificam uma data exata para o surgimento do beijo. No entanto, as primeiras referências remetem a 2.500 a.C.; as carícias aparecem em colagens nas paredes dos tempos de Khajuraho, na Índia. Mas o beijo na boca nem sempre foi uma forma de demonstrar carinho. Teve muitos significados durante a História. Ainda é encarado de diferentes maneiras em cada sociedade. A primeira evidência conhecida sobre beijo, encontrada num texto literário, remonta cerca de 1500 a.C. em textos em sânscrito, também na Índia. Assim, não importa o fato de muitos já o terem considerado sagrado; ter sido encarado de diferentes maneiras; ser ato natural ou não; proceder da relação entre mãe e filho, deixando muitas dúvidas na historiografia de sua origem; deduzo que a história do costume de beijar, no Brasil e mundo afora, não tem limites para ser contada, descrita ou dissertada. Tema desafiador, polêmico, certamente inesgotável, estando até entre os cílios das borboletas, sendo certo que o beijo está em todo lugar. Na história, literatura, religião, música, filmes, TV e até na astrologia, onde alguns acreditam que existem tipos de beijos para cada signo e que há combinações, conforme dizem pesquisas de Lívia Aguiar (1º de setembro de 2011) e de Naila (maio 2015).

Imaginem se o objeto de abordagem for o instigante e sempre polêmico “beijo na boca”, deixando intrigantes e estranhos efeitos, mostrando os mais diversos significados, também dúbios e mais vezes questionáveis, como os nos quadrinhos, o de língua, o selinho, com toques dos lábios, dentre outros! Dráuzio Varella, famoso médico-escritor, maratonista com sebo nas canelas, hábito do qual se tornou dependente, versado técnica e cientificamente no assunto, escreveu no livro Correr (2015), que “um beijo na boca (durante uma corrida), mesmo de passagem, revitaliza mais do que glicose na veia”.

Por certo, o beijo descrito por Dráuzio Varella, no entusiástico exercício do que mais gosta de fazer, deve ser o mais pleno de amor e paixão, mostrando que todos os grandes cientistas são apaixonados e só com a paixão contida neles, conseguem avançar o conhecimento e alcançar a verdade objetiva, de que fala o sociólogo e historiador Clovis Moura; mostrando também que esse beijo é o mais impulsionado pelo amor e o que mais se aproxima desse amor definido por Santo Agostinho, teólogo, historiador, maior expoente da filosofia cristã formulada pelos padres da Igreja nos primeiros cinco séculos de nossa era: “Ama e faz o que quiseres. Se calares, calarás com amor; se gritares, gritarás com amor; se corrigires, corrigirás com amor; se perdoares, perdoarás com amor. Se tiveres o amor enraizado em ti, nenhuma coisa senão o amor serão os teus frutos.”

Do mesmo modo, com as belas lições do Apóstolo Paulo, em Carta aos Coríntios: “…O amor é paciente, é benigno; não arde em ciúmes, não se ufana, não se ensoberbece, não se conduz inconvenientemente… não se alegra com a injustiça, mas regozija-se com a verdade. Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e o amor, estes três; porém o maior destes é o amor.”

Quem dera, pudesse o escriba expor o tema somente no sentido acima descrito; mostrando que a forte magia do beijo, fundamentando o “costume de beijar”, deveria estar sempre dotada das delícias e purezas do amor, incompatíveis com a hipocrisia e outras iniquidades humanas, onde moram o crime e outras desumanidades; revelando e ensinando que há outra rica tipologia de beijos, entre eles, o de esquimó, onde “beijar” é sinônimo de “cheiro”, o sagrado, da Igreja Católica, que virou da Paz, o das axilas, africano, não podendo esquecer os 10 que entraram para a história, destacando-se como primeiro, o de Judas Iscariotes, o apóstolo traidor, mais divulgado do mundo, de um tempo em que não existia câmera fotográfica, muito menos Facebook (década de 30 d. C.), quando Judas combinou dar um beijo no rosto de Jesus Cristo, querendo indicar quem Ele era; sabendo-se que após esse ato, Jesus foi torturado, morto e tudo mais.

O segundo, ocorrido na estátua mais beijada do mundo, na Itália, onde Guiddarello Guidarelli, bravo soldado italiano do século XVI, morreu em combate e ganhou uma estátua para colocar sobre sua tumba. O que Guidarelli nunca poderia imaginar é que ela viraria alvo de mulheres desesperadas por um príncipe encantado. A partir do século XIX, começou a correr o boato de que, se você beijasse os lábios da estátua do soldado, se casaria naquele mesmo ano. Estima-se que 5 milhões de mulheres procuraram o ósculo casamenteiro. Ficou interessada? Infelizmente, depois que a estátua foi beijada com batom, em 1938, o acesso a ela é restrito.

Um terceiro, do cinema, quando John C. Rice e May Irwin protagonizaram o primeiro beijo registrado em filme, por Thomas Edison, em 1896, na era paleozoica do cinema. Tímido, mas ousado para a época, não dura mais que 30 segundos, e está no Youtube. O quarto, beijo do dia da vitória dos EUA sobre o Japão na Segunda Guerra Mundial. Há uma foto desse beijo publicada na revista americana Life, tirada por Alfred Eisenstaedt no dia 14 de agosto de 1945 na Times Square, em Nova Iorque. Segundo a fonte de que faço uso, o fotógrafo alega que perdeu as anotações sobre quem era o casal. Em 1970, Edith Stain se apresentou como a garota da imagem e a revista começou uma caça pelo marinheiro atrevido, mas muitos declararam ser o protagonista do beijo sem chegarem a uma conclusão; havendo também outra foto da cena, de outro ângulo, captada por Victor Jorgensen, publicada no New Yorque Times, sem o charme e requinte da primeira. De todo modo, é o beijo mais famoso.

Outro beijo fotojornalístico famoso, é o ocorrido em Paris em 1950, creio no L’hotel de Ville. Foi documentado por Robert Doisneau e também publicado na revista Life, como parte de uma série sobre a classe trabalhadora parisiense. Diferentemente do beijo em NY, este foi um ósculo encenado por dois modelos profissionais (e amantes da vida real): Françoise Bornet e Jacques Cartaud.

Outro famoso, também causado pelo batom, de 1977, é o que uma mulher de 43 anos, ao entrar no Museu de Arte Moderna de Oxford, na Inglaterra, beijou – com a energia erótica do batom – uma pintura da artista minimalista Jo Baer. Justificava tentar animar o quadro, que parecia frio. A peça era avaliada em 18 mil dólares e a vândala (ou amante da arte) foi ordenada pela justiça a pagar pelo conserto: 1.260 dólares. Mais a bicota ocorrida entre Michael Jackson e Lisa Marie Presley, no Vídeo Music Awards em 1994, que foram ao palco para provar que estavam juntos de verdade. Haviam acabado de se casar na República Dominicana e se separariam um ano mais tarde. Não sei quem se convenceu por esse beijo.

Mais o que foi processado por assédio sexual em 1996. Um menino de seis anos de idade, isso mesmo! Beijou uma coleguinha da escola no rosto. Sua professora viu e denunciou à diretoria. Não foi preso, mas ficou sem ir ao festival de sorvete da escola, tendo ainda que passar por um programa disciplinar de um dia. Segundo Lívia Aguiar, citada, a “coisa foi tão absurda que gerou indignações por todo o país e mudou a lei de assédio sexual, que excluiu menções a beijos entre estudantes do ensino fundamental. Detalhe: o garoto disse que a menina lhe pediu um beijo. Ou seja… muito barulho por nada”.

O polêmico beijo do Big Broder em Bahrein, Conforme a fonte referida, ocorreu em 2004. Uma emissora de Bahrein resolveu trazer o realy show Big Broder para o Oriente Médio, com o nome de Al Ra’is (que significa “O Chefe” em árabe). O problema foi que, “já nos primeiros minutos do primeiro episódio do programa, dois participantes que não eram casados (Abdel Hakim e Kawthar) se beijaram na boca – um tabu entre algumas vertentes islâmicas. Duas semanas e muitos protestos em frente aos estúdios da emissora depois, o programa foi cancelado”.

O primeiro beijo gay da TV brasileira, SBT (2011), causou o maior alarde pelo fato de ter colocado no ar o “primeiro beijo gay da TV brasileira, entre Gisele Tigre e Luciana Vendramini na novela Amor e Revolução. Segundo fonte mencionada, há uma certa controvérsia a respeito, admitindo não ter sido este o primeiro, uma vez que em 1963, a atriz Alda Alves beijou Geórgia Gomide no teleteatro A Calúnia, na TV Tupi, o ósculo foi transmitido ao vivo e não causou nem furor nem revolta. Além disso, alguns anos depois, em 1990, a minissérie Mãe de Santo, da TV Manchete, transmitiu “o primeiro beijo gay gravado da TV brasileira”, assim arrematando dita fonte: “Com isso, poderíamos chamar o beijo de 2011 como o primeiro beijo gay gravado e feito com a luz acesa da TV Brasileira”, o que não pode deixar de ser um marco.

Enfim, sem omitir o beijo técnico, sem emoção, o Titanic, com grande troca de salivas e o “perigoso”, do tal “ficar”, consta que não há muitos registros sobre os beijos no mundo ocidental até a época do Império Romano, quando costumavam usar o beijo no cumprimento de amigos e familiares, os cidadãos beijavam a mão do Imperador e naturalmente, as pessoas beijavam seus parceiros, lembrando que os romanos tinham três categorias para o beijo: osculum, o beijo na bochecha; basium, o beijo nos lábios; e o savolium, chamado beijo profundo.

Os possíveis leitores já devem estar curiosos em saber o que acontece na hora do beijo. Pouco importando se entre heteros ou homossexuais, eis um conceito, da mesma fonte:

“Durante o beijo você movimenta 29 músculos, dos quais 17 são da língua. Os batimentos cardíacos aceleram, vão de 60 a 150, fazendo uma espécie de exercício para coração. Um beijo caprichado gasta em média 12 calorias, o beijo estimula a liberação de hormônios que causam bem-estar. Na troca de saliva, a boca é invadida por cerca de 250 bactérias, 9 miligramas de água, 18 de substâncias orgânicas, 7 decigramas de albumina, 711 miligramas de materiais gordurosos e 45 miligramas de sais minerais.”

 

(Martiniano J. Silva, advogado, escritor, membro do Movimento Negro Unificado (MNU), da Academia Goiana de Letras e Mineirense de Letras e Artes, IHGGO, UBEGO, AGI, mestre em história social pela UFG, professor universitário, articulista do DM ([email protected]))

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