Carta sobre a dor
Redação DM
Publicado em 16 de abril de 2015 às 01:46 | Atualizado há 10 anosAmaury Oliveira Tavares Especial para o Diário da Manhã
Prezado dr. Demóstenes,
Não o conheço pessoalmente, mas fui seu eleitor. Assisti uma fala sua no CRM, quando junto estava o então deputado Ronaldo Caiado. Na época o senhor tinha por ele todas as amabilidades e agradecimentos. O tempo e o Alzheimer me impedem de lembrar das palavras. Parecia, naqueles dias, que nada os separaria. Razões do destino determinaram o contrário. E agora parece que nada de bom ficou daqueles dias. Sua amizade com o sr. Carlos Cachoeira construiu as circunstâncias que selaram o desenlace. Somos seres emotivos, e incapazes, muitas vezes, de nos convencer disso ou de prever as consequências das suas manifestações. Essa é a nossa rotina. E se o acaso tivesse lhe arranjado destino diferente? Quem sabe ainda seria senador, e o povo goiano teria alguém para defendê-lo. Sem dúvida o destino lhe pregou uma baita peça. Por favor, não diga que não sente dor, seria negar o óbvio.
A briga que o senhor armou com o senador Ronaldo Caiado parece que carece de explicações razoáveis. E não estou aqui para fazer nenhuma análise profunda dos acontecimentos ou distribuir acusações. Basta compartilhar os fatos. O senhor não está nesta discussão numa situação favorável, o senhor está simplesmente magoado. Diria que com razão pelo tudo que sofreu, mas o senador Ronaldo Caiado não tem nada com isso. Nem ele nem Marconi ou qualquer outro. Foram suas ações e as circunstâncias que o levaram ao ponto em que se encontra. Recentemente, e de repente, uma fala do senador sobre seus sentimentos desencadeou uma tempestade emocional de proporções imensas. Ânimos e mágoas até então contidas surgiram a flor da pele. Sobrou até para outros políticos. No entanto, um ligeiro resumo do passado revelam que o atual senador lhe deu amplas condições (somada a suas habilidades pessoais, evidentemente) para ser o tribuno combativo que foi, numa época que poucos ousavam, de verdade, combater o petismo. Então, se o inimigo continua o mesmo, e no mesmo lugar, o senhor está errando o alvo. Muitos ainda reconhecem na sua pessoa um dos precursores desse movimento maravilhoso que toma as ruas do país. Seu histórico político, portanto, é de boa qualidade.
O senador Ronaldo Caiado pode ter sim seus defeitos, emoção demais e talvez ele não tenha atentado para o momento em que se encontra. Mas ninguém é perfeito e o senhor também não é. Com tanto tempo de convivência, como é que o senhor descobre, de repente, que seu amigo de então perdeu a dignidade? No entanto, dr. Demóstenes, uns são mais defeituosos que outros, fazem do déficit de caráter o alimento para o seu protesto político, são reincidentes, anunciam o paraíso e entregam o inferno, mentem, pilham os cofres da nação, são amigos de ditadores e narcotraficantes, enganam seus eleitores com um discurso populista e paternalista, sem maiores escrúpulos. Esses adjetivos, desculpe, não cabem na conta do senador Caiado. Portanto, achamos que suas emoções continuam lhe traindo.
Uma das suas principais marcas do senador Caiado é a coerência, mantida a custo. Seu discurso a respeito dele é expressão de feridas ainda expostas. Não deve estar sendo fácil. Por que expor suas mágoas de um modo tão explícito e imprudente? Nessas ocasiões as palavras terminam valendo mais que os fatos. Convém cuidar dessas dores de outro jeito, sem a presença pública, não? Não compensa aliviar nossos sofrimentos infligindo dor nos demais e nem confunda dores pessoais maltratadas com postura política. Se o senador lhe deu condições para ser o político corajoso que foi, devolva a si mesmo mais dessas memórias dos momentos marcantes da sua vida política, e menos do rancor que a falta deles lhe fazem. Quem sabe um dia conciliando com seu próprio desespero. Não sabemos se ajuda, mas podemos afirmar, com certeza, que o senhor não perdeu sozinho, outros também perderam, inclusive o próprio Caiado. Mais ainda, a democracia brasileira perdeu e nós perdemos um vibrante defensor das causas justas. Ainda que menos, compartilhamos sua dor, nós de Goiás e do Brasil que luta.
Saudações democráticas.
Amaury Oliveira Tavares, médico, psicanalista, psiquiatra da Unimed e autor do livro O Esquerdismo como patologia do sonhar (2014) e outros.