Quanto vale esta cadeira?
Redação DM
Publicado em 29 de março de 2015 às 03:17 | Atualizado há 10 anosGetulio Targino Lima , Especial para Opinião Pública
De lado as controvérsias entre as partes envolvidas, chamou-me a atenção notícia veiculada dias passados, a respeito de uma cadeira. Sim, uma cadeira, que pertenceria ao patrimônio da Faculdade de Direito da UFG, teria ficado anos e anos sob o poder da Faculdade de Direito da PUC/GO e agora volta, gloriosamente, ao seu lugar de origem.
Trata-se de objeto feito à mão, com entalhes específicos, inclusive brasão da República, e ainda com a inscrição República dos Estados Unidos do Brasil, o que indica data anterior a 1969, quando o Brasil passou a denominar-se República Federativa do Brasil.
Como dito, não desejo me imiscuir nos aspectos fáticos, nem jurídicos, referentes à presença do móvel na PUC/GO ou na UFG.
Que se trata de objeto que constitui ou constituiu patrimônio público, não resta dúvida, mas o aspecto que me encanta, na questão, é a paixão com a qual os dois lados defendem o direito de ter, em seus próprios sítios, uma cadeira.
Quanto vale uma cadeira?
Aí, depende… como diria o desconfiado mineirinho.
Vi a foto da cadeira, carregada pelos alunos e pelo diretor da Faculdade de Direito da UFG, ilustre prof. Pedro Sérgio Santos.
Depois vi a foto do conjunto. Esta cadeira, com o espaldar um pouco mais alto, compondo a mesa diretiva existente no Salão Nobre da Faculdade de Direito da UFG, e as demais, mais baixas, mas com o mesmo estilo, tudo a indicar que esta cadeira era onde se assentariam diretores ou reitores ou outras autoridades, acaso presentes a algum evento na Faculdade de Direito.
Confesso que a visão me acelerou as batidas cardíacas.
É que, professor na UFG desde 1967 e, especialmente, na Faculdade de Direito desde 1972, visualizei aquele mobiliário vetusto, tradicional, muitas e muitas vezes, em solenidades diversas, realizadas no Salão Nobre da Casa.
Vi diversos diretores ali assentados, ladeados de professores, inclusive eu, em muitas solenidades, todas elas gratificantes e que me trazem recordações prazerosas.
A mim, pessoalmente, pelo menos quatro momentos são marcantes naquele Salão Nobre, vendo aquela cadeira maior, ocupada por grandes mestres e benfeitores da educação superior em Goiás.
Primeiro, em dezembro de 1988, naquele Salão Nobre e vendo o mesmo mobiliário, inclusive a cadeira maior, onde se assentou o então presidente da Academia Goiana de Letras, professor e escritor José Mendonça Teles, quando recebi meu diploma de membro efetivo da Academia, saudado, na recepção acadêmica, por meu ilustre amigo e antigo professor José Luiz Bittencourt.
Mais adiante, em 1990, o mesmo ambiente vetusto abrigou uma solenidade grave em que me envolvi: defesa de dissertação de Mestrado. Naquela noite, com toda a severidade que lhe era própria, a Banca Examinadora constituída dos eminentes professores dr. Licínio Leal Barbosa, Dr. Jerônimo Geraldo de Queiroz e dr. Rafael Augusto de Mendonça Lima (este das Universidades Católica e Federal do Rio de Janeiro ) bombardeou o Candidato, mas afinal considerou-o aprovado, com nota máxima e “cum laude” de todos os seus integrantes.
Em seguida, em 1991, quando lançava o livro Universo de Cada Um, poemas, editado pelo Centro Editorial e Gráfico da Universidade Federal de Goiás, para minha honra. Ocorreu, inclusive, episódio engraçado, pois meu grande amigo prof. Cid Albernaz Oliveira, principal artífice a me fazer apresentar a obra à congregação da Faculdade de Direito e depois acompanhar toda a enorme tramitação pelos órgãos superiores da Universidade, até que o Cegraf aprovasse sua publicação, no dia do lançamento não apareceu. Passou-lhe despercebido o evento. Sempre se desculpava comigo por isto, mesmo sabendo que eu havia compreendido totalmente o acontecido.
Finalmente, em 1996, o mesmo salão nobre e a mesma cadeira, ocupada então pelo Magnífico Reitor da UFG, prof. dr. Ary Monteiro do Espírito Santo, abrigaram evento que me restou inolvidável. O Conselho Universitário da UFG em sessão solene me outorgava o título de Professor Emérito da Universidade Federal de Goiás. Proferiu a oração congratulatória o meu inesquecível amigo e mestre prof. dr. Jerônimo Geraldo de Queiroz, com seus cabelos brancos, sua voz de fantástico orador e sua verve literária insuperável.
Daí não ter como esquecer este móvel, em si mesmo insignificante, mas extremamente significativo por ser o que é, ter participado do que participou.
Temos a tremenda pretensão de pensar que só nós, seres humanos, somos importantes, temos vida, mormente quando se trata de comparação com coisas inanimadas.
Enganos de nossa pretensão orgulhosa, a mesma que teima em afirmar que no universo total só a terra é habitada.
Por isto, sem qualquer pretensão de imagem ou figura literária, afirmo: É preciso respeitar a alma das coisas.
É este o seu enorme, o seu incalculável valor.
(Getúlio Targino Lima, advogado, professor emérito da UFG, jornalista, escritor, membro e atual presidente da Academia Goiana de Letras. E-mail: [email protected])