A culpa na arte literária
Redação DM
Publicado em 16 de setembro de 2021 às 12:32 | Atualizado há 4 anos
Quem tiver a curiosidade de consultar o Google a respeito do sentimento de culpa na produção literária de um dos maiores escritores do século vinte — o checo Franz Kafka, encontrará uma definição bastante precisa nos escritos desse grande escritor, naquela que é considerada sua obra maior: “O Processo”.
Nesse pequeno grande livro, a culpa se faz presente no dia em que um homem (Josef K) é detido por dois guardas. Sem saber a razão da prisão, o personagem kafkiano enfrenta, no transcorrer do romance, a recusa da burocracia judiciária em lhe revelar o real motivo da prisão. No final do romance, Josef K, cansado de lutar contra uma culpa por ele desconhecida, combina, com dois homens, o próprio assassinato. A culpa, na obra literária de Kafka, é torturante ao ponto de levar seus angustiados personagens à morte!
Outro autor que soube lidar, com maestria, a questão da culpa foi o irlandês Oscar Wilde. Em sua obra maior, “O Retrato de Dorian Gray”, o personagem do romance é rico e, ao mesmo tempo, extremamente belo. Encantado com a beleza dele, o artista Basil Hallward pede a Dorian Gray autorização para pintar seu retrato. Harry Wotton, outro personagem do romance, convence Dorian de que a beleza e a juventude são os dois atributos mais importantes da vida. Para se manter imune ao envelhecimento, todas as maldades que Dorian cometia, ao longo da vida, eram de imediato transferidas para seu retrato. Dorian vivia em um mundo cheio de prazeres e em completa isenção de culpa. O retrato envelhecia, as pessoas envelheciam, mas Dorian se mantinha como sempre fora: belo e jovem.
O preço a pagar veio num momento de crise causada pelo sentimento de culpa. Nesse instante, Dorian sobe ao sótão e vê-se diante do retrato de um velho e monstro. Desesperado, destrói o retrato, e este de imediato transfere a Dorian a vida de maldades que só envelhecia o retrato. Assim, a vida rica de um homem belo e rico se metamorfoseia num monstro que morre absorto pelas inúmeras maldades que cometera durante a vida.
O maior escritor peruano, Mario Vargas Llosa, é outro autor que soube expressar, nos seus escritos, o sentimento de culpa na literatura. Fez isso no romance “A Festa do Bode”. Bode ao qual se refere o Nobel peruano é o ditador da República Dominicana Trujillo.
Nesse romance, o talento literário de Vargas Llosa se faz presente no sentimento de vingança que nutria Urania pelo seu próprio pai. O segredo dessa personagem só é revelado nas últimas páginas do romance, quando o pai consente que sua filha de 15 anos seja molestada pelo bode, em sua residência, construída para alimentar suas sevícias. Depois do acontecido, Urania migra para os Estados Unidos carregando uma culpa que jamais fora sua. Voltar ao seu país natal, depois de tantos anos, procurando vingança, foi a maneira encontrada por Urania para se libertar do peso da culpa.
Para finalizar, enfatizo: explorar a culpa, como arte na literatura, não é nada fácil. Requer talento para construção de sentimentos que, às vezes, acompanham-nos por toda a vida. Saber explorar esse tempo atrelado ao subterrâneo de nosso ser é coisa que só a grande literatura é capaz fazer.