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Jesus – Ser ou não ser

Redação DM

Publicado em 25 de janeiro de 2016 às 22:48 | Atualizado há 10 anos

Como vimos nos nossos últimos artigos aqui no DM (disponíveis em dmdigital.com.br, de terça, sexta, domingos), o teólogo americano Reza Aslan, em seu livro “Jesus – Zelota” (Ed. Zahar) – assim como muitos outros que estudam o “Jesus Histórico” – diz que a mensagem evangélica não tem nada da passividade caridosa que ela aparenta ter. Para o estudioso, o zelo que Jesus demonstra ter com a Lei Judaica (p.ex., ao expulsar os que comercializavam no Templo de Jerusalém , ao corrigir os rabinos nas sinagogas, ao admoestar os fariseus em praça pública) seria indicativo de uma postura política, ativa, revolucionária, de Jesus.

Para o autor, o messianismo de Cristo visava o poder político, religioso, no meio judaico e, para isto, teria de trabalhar também pela expulsão do invasor Império Romano. Esta interpretação de Aslan subverte completamente a mensagem de Jesus, que era pela renúncia de si mesmo (p.ex., dos prazeres, comida, sexo, poder, dinheiro, luxo, etc) em benefício de outrem. Jesus mesmo dizia (versão livre): não resistais ao mal, não recalcitreis contra o aguilhão, dai  a César o que é de César, se alguém lhe bater numa face dá-lhe a outra, é muito difícil um rico entrar no reino dos céus, etc.

Aqui, neste ponto, nós adentramos num problema psicológico-teológico complexo: afinal, Jesus pregava só a passividade nirvânica dos budistas, ou pregava também uma pró-atividade diante das afazeres no mundo? Será que, como os budistas, que pregam a renúncia total ao mundo, os cristãos também têm de abdicar de toda ação pró-ativa no mundo? Como os monges budistas, segregarem-se em comunidades, mosteiros, cavernas, e deixarem-se “morrer para a vida”, “morrer para as atividades inerentes do mundo”? Se assim for, o cristianismo, em essência, em nada diferiria do budismo e mesmo do pessimismo renunciante de Schopenhauer.

A mensagem de Cristo, neste particular, no entantoo, é no mínimo paradoxal, pois, ao mesmo tempo que prega a passividade, ele também exorta à atividade, como quando diz que (citações livres) “o Pai trabalha desde toda a eternidade, e eu também”, ou quando, na parábola dos talentos enterrados, ele admoesta aquele trabalhador que ficou inativo-passivo após receber instrumentos adequados de trabalho de seu patrão. Enfim, parece claro que Jesus queria que trabalhássemos neste mundo, não exortava o isolamento passivo do mundo. Como, então, conciliar duas coisas aparentemente antagônicas, a passividade e a atividade?

Suponha-se que um monge cristão queira ser “passivo”, não ter vontade, não ter prazer, e, ao mesmo tempo ajudar uma comunidade de pessoas de rua. Este monge não estudou, não ganhou dinheiro, não tem firmas, não tem instituições. Como é que ele vai ajudar a população de rua, só com a palavra? Sabemos que isto, para uma população de rua esfaimada, doente, desempregada, drogada, esta “simples palavra” tem pouca serventia. O monge serveria bem mais, e melhor, caso, por exemplo, pudesse tratar as doenças dos indigentes, pudesse dar-lhes um abrigo, uma sopa, e, sobretudo, um trabalho. Ou seja, caso fosse um empresário, um comerciante, um médico, um dono de hospital, um administrador de casa de recuperação, etc, ele poderia servir bem mais e melhor. No entanto, para “ser tudo isto”, o monge teria de “entrar pesado no mundo”, ou seja, p.ex., teria de fazer um concorrido e caro vestibular de medicina, teria de montar uma instituição, com todas enormes dificuldades econômico-administrativas inerentes a isso, etc. Então, para “ajudar mais e melhor” o mundo, o monge tem de “entrar” no mundo, e isto fere o princípio de passividade.

Esta é a dúvida cruel de Hamlet, em Shakespeare, peça que tanto sucesso fez mundo afora exatamente por mostrar este grande paradoxo da vida humana: “Ser ou não ser? Eis a questão!” Num próximo artigo vamos nos deter mais demoradamente sobre a questão “artística” de Hamlet e outros personagens trágicos da história.

Então, só há uma solução para o dilema passivo-ativo cristão: o fiel ter em mente de que só está estudando, ganhando dinheiro, montando instituições, empresas, etc, para “servir mais e melhor”. Com esta noção em mente ele saberá que está se tornando “ativo individualmente” para ser “passivo face ao Universo”. Já o budismo não tem solução “psicológica” à vista, pois não há como existirmos, termos uma individualidade, e, ao mesmo tempo, anulá-la mergulhando na impessoalidade do Universo (este é o conceito do “nirvana”, que é o objetivo da dissolução de nosso eu na massa amorfa do Universo). Daí a necessidade budista da mortificação em vida, nada mais contrário à mensagem cristã.

 

(Marcelo Caixeta, médico psiquiatra ([email protected]). Artigos as terças, sextas, domingos)

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