Opinião

Niquelândia: da euforia à tristeza

Diário da Manhã

Publicado em 25 de janeiro de 2016 às 22:12 | Atualizado há 9 anos

O fechamento da unidade da Votorantim Metais em Niquelândia, norte de Goiás, provoca em mim uma volta ao passado. Como jorna-lista voltado para a área econômica, então em O Popular, temas como agricultura, pecuária e mineração sempre despertaram o meu interesse. Vi praticamente a Companhia Níquel Tocantins, este então o seu nome de guerra, nascer. Numa região pobre, os investimentos da holding de negócios de metais não ferrosos e mineração do grupo Votorantim, nascia a esperança de um mundo melhor para àquela po-pulação. Se naquela época, eu ficava eufórico com as novas possibilidades econômicas e sociais de um povo, hoje em fico profundamente triste.

É bom relembrar este passado. E, ainda quando se trata de certos detalhes curiosos e de natureza humana. Havia combinado com o superintendente da Cia. Níquel Tocantins, Délcio Nogueira dos Santos, em São Paulo, a viagem a Niquelândia. Superei mais de cinco horas de carro àquela cidade. O dr. Délcio fora, naturalmente, de avião. Fui bem recebido e ficava sabendo que os investimentos, cujos valores não recordo, sobretudo porque o País vivia a era do Cruzeiro. Sei, entretanto, que eram elevados e, para a época, algo como a instalação de uma indústria automobilística no Estado. Era algo de fato impactante para Goiás e imagine para uma região carente.

O lado inesquecível da visita ficou por conta de uma história que envolvia o comportamento do doutor Antônio Ermírio de Morais. Homem oriundo do Nordeste, acostumado a domar o mandacaru nas secas do sertão, conservava os rígidos conceitos na educação da prole. Mas, Wandell o que tem haver níquel e métodos educativos? Aguarde-me mais que eu contarei o desfecho do episódio.

Chegara à hora do almoço e o dr. Délcio me convida para ir ao restaurante da empresa em Niquelândia. Aquele monte de gente, operários da empresa chegando. No outro lado da rua, um caminhão para cheio de operários. O dr. Délcio estica o braço e aponta com os dedos. “Você sabe quem é àquele ali?” Respondi que não fazia a menor idéia. Então, ele responde: “É filho do Antônio Ermírio.” Realmente, fiquei um tanto surpreso. A gente imagina que o filho de um dos maiores magnatas do mundo andar em carroçaria de caminhão fica fora de cogitação.

O dr. Délcio faz observações surpreendentes. Antônio Ermírio de Morais educou os seus filhos para a vida, vê-los crescendo na prática do cotidiano. Proporcionou a cada um, além da educação de berço, a escola do bê-á-bá ao ensino superior. Na hora da prática, sentado em sua cadeira de presidente da Votorantim, em São Paulo, recomendou ao seu filho: “Para você ocupar este lugar, você terá que trabalhar como operário, e depois deste teste, sentar aqui.” Foi algo assim ou mais ou menos assim. Esse era aquele jovem que compartilhara com os demais operários uma carroçaria de caminhão.

Hoje, atuando no Diário da Manhã, recebo a triste notícia. Os baixos preços do níquel no mercado provocaram o fechamento das unidades da Votorantim Metais, em Niquelândia e São Miguel Paulista, interior São Paulo. A paralisação será por tempo indeterminado e compreende uma capacidade de produção de 25 mil toneladas anuais de níquel eletrolítico. Serão afetados 1.250 empregados, dos quais 900 no município goiano e os demais 350 em São Paulo.

Em seu comunicado, a Votorantim Metais diz que “o cenário desafiador do mercado de commodities metálicas tem promovido desequilíbrios econômico-financeiros nas operações globais do setor de mineração e metalurgia, em especial no segmento de negócios do níquel, cujos preços globais – regidos pela London Metal Exchange (LME) – têm se mantido nos patamares mais baixos da história ao longo dos últimos anos”.

A nota da empresa assinala, ainda, que a “decisão foi tomada após exaustiva análise de diversos cenários, os quais – lamentavelmente – não demonstraram viabilidade econômica no curto e médio prazo, mesmo a empresa tendo estabelecido uma rigorosa gestão com foco na excelência operacional e otimização de custos”.

A Votorantim Metais adota um regime gradual de suspensão das atividades e dialoga com os Sindicatos dos Trabalhadores para tratar das condições de desligamento.

Em 1º de fevereiro serão suspensas as atividades de mina em Niquelândia e, a partir de maio, as atividades produtivas de Niquelândia (beneficiamento) e São Miguel Paulista (refinaria). Será mantida infraestrutura necessária para a garantia da execução dos compromissos legais e socioambientais vigentes; bem como a continuidade por tempo indeterminado dos investimentos nos programas sociais de Niquelândia e São Miguel Paulista.

A empresa esclarece, ainda, que clientes e fornecedores terão suas necessidades e particularidades avaliadas caso a caso, mantendo o habitual diálogo de forma transparente e respeitoso. A Votorantim Metais segue na expectativa da evolução das condições macroeconômicas e mercadológicas, associadas a uma expressiva melhoria do preço do metal, para a retomada do Negócio Níquel no longo prazo.

A Votorantim, graças ao comportamento rígido de José e Antônio Ermírio de Morais, os patriarcas do grupo, de integridade a toda prova e de espírito nacionalista, seguirá à risca o que ficou combinado. E na hora precisa voltará à normalidade, contribuindo para restabelecimento tanto da parte econômica quanto da parte social.

 

(Wandell Seixas é jornalista voltado para o agro, ex-bolsista em agropecuária pela Histradut, Tel Aviv, Israel, autor do livro O Agronegócio passa pelo Centro-Oeste, e assessor de Imprensa pela Emater-Goiás)

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