Os avanços e retrocessos da OAB
Diário da Manhã
Publicado em 8 de janeiro de 2016 às 23:41 | Atualizado há 9 anos
Conjecturada pelo Instituto dos Advogados do Brasil, veio a lume décadas depois, paradoxalmente por um decreto, de nº 19.408, de 18/11/1930, sequer um decreto-lei, para não se ter a mínima dúvida quanto a ser partícula do Estado, de Getúlio Vargas, logo após a Revolução de 30. Seus estatutos tinham de ser aprovados pelo Governo.
O sentido inicial do Corpus, como não poderia deixar de ser, era manifestamente corporativista. Seus atores os famosos causídicos, sobretudo de São Paulo, oriundos da velha e sempre nova Academia de Direito do Largo de São Francisco. Foi omissa no embate constitucionalista de 1932.
Passaram-se os tempos e sobreveio paulatinamente sua libertação. Primeiro, pela Lei nº 4.215, de 1963. Depois, pelo atual Estatuto – Lei 8.406, de 1984 – cujo projeto foi amplamente discutido por todo o território brasileiro. Nele se conjugam a defesa da sociedade civil, da sociedade democrática, dos jurisdicionados e dos advogados, inclusive dos assalariados.
Nesse interregno, em que pese ter apoiado o golpe militar de 1964, a OAB, como tantas outras instituições, reciclou-se e, particularmente, embrenhou-se na selva da resistência à ditadura e na defesa da liberdade e da vida dos presos políticos. Houve época, em seguida ao Ato Institucional nº 5, que somente os grêmios estudantis e a OAB enfrentavam os generais e aloprados coronéis. É necessário dizer que inexistia movimento sindical. Os sindicatos estavam sob intervenção e o mínimo desvio por um ponto fora da curva dos trabalhadores dava cadeia brava, talvez tortura e morte. Lula se aproximava timidamente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, carregado pelo irmão Frei Chico, do PCB, mas, quando se expressava, dizia que os comunistas não passavam de assopradores de ouvidos, obviamente para proteger-se.
A OAB, estruturada federativamente, sempre esteve envolta em conflitos internos e externos. Internos entre seus conselheiros conservadores e progressistas. Externos entre as unidades estaduais – seções – que desembocam no Conselho Federal.
De todo modo, prevaleceu o compromisso democrático, no plano geral. Nomes como Raymundo Faoro, Evandro Lins e Silva, José Carlos Dias e tantos outros ficaram indelevelmente gravados em nossa história das liberdades.
Incomodados, os generais tentaram torná-la um adminiculo administrativo do Ministério do Trabalho, em 1972. Os canhões engasgaram e a OAB permaneceu na trilha aberta, inobstante a frustração de Garrastazu, Geisel e o coronel Jarbas Passarinho.
Daí para frente não houve volta, apesar dos usuais tateios, avanços e retrocessos naturais das instituições. Nossa dedicada secretária, Lídia Monteiro da Silva, do Rio de Janeiro, foi vitimada por uma bomba, cujo destino era o especialíssimo homem Raymundo Faoro. Os covardes foram do mesmo grupo que atentou, desastradamente, contra o Rio-Centro, que o pretendiam transformar num oceano sangrento.
Tal a respeitabilidade angariada pela OAB junto à sociedade brasileira e às forças políticas que a advocacia é a única profissão prevista na Constituição Republicana, em seu art. 133. Àqueles que combatem esse dispositivo como um privilégio inaceitável, lembre-se que a atividade do advogado é a única encarregada de sustentar os valores democráticos em que se baseia a Carta. Além disso, tem ampla legitimação para as causas correspondentes às ações diretas de inconstitucionalidade de leis, superior à das Confederações Sindicais, restritas ao requisito de pertinência temática com suas finalidades estatutárias.
Muito fez e faz a OAB, contemporaneamente. Claro que não é irrefratária a críticas, nos planos estaduais e nacional. Sempre há erros, por omissão ou comissão, das pessoas e dos grupos. Não se esqueçam, porém, de seus atos positivos dos últimos tempos, como afirma Marcus Vinicius Furtado Coêlho, em jornal de grande expressão nacional, em 13 de novembro de 2015: criação da Comissão Nacional de Defesa das Prerrogativas, o sigilo dos honorários advocatícios, o advogado como protagonista do processo no Novo Código de Processo Civil, direito aos honorários de sucumbência, de natureza salarial nas falências e liquidações de empresas, inclusão da classe no Simples Nacional em 2014 (neste último caso, vitória de todos os profissionais liberais).
Como dito, há omissões a serem apontadas. O conformismo com o processo legislativo pelo meio esdrúxulo das medidas provisórias presidenciais, expediente só admissível quando da relevância e urgência, cuja verificação não poderia ficar exclusivamente a cargo do Congresso Nacional, mas inserida, também, na competência do Supremo Tribunal Federal; com os contrabandos na conversão das medidas provisórias em leis – jabutis – hoje suprimidas por decisão proferida pelo Plenário do STF em ação movida pela Confederação Nacional das Profissões Liberais (CNPL), não pela Ordem, que se limitou a aplaudir a decisão; demorada inação relativamente à lei de lavagem de dinheiro, no ponto em que obriga o advogado a comunicar ao Coaf a elaboração de contratos, transformando-o, tal como outros profissionais, em alcagueta de seus constituintes, ação que somente foi proposta depois de tramitar por longo tempo outra, proposta pela mencionada Confederação.
Seja como for, é hora de engrossar as fileiras dos que concebem a Ordem como compromissada com o Estado de Direito Democrático, sem desvarios ideológicos ou partidários, cumpridora fiel dos deveres encartados em seu Estatuto Legal e na Constituição do Brasil.
(Amadeu Garrido de Paula, jurista brasileiro com uma visão bastante crítica sobre política, assunto internacionais, temas da atualidade em geral. Além disso, tem um veio poético, é o autor do livro Universo Invisível, uma publicação que reúne poesias e contos sobre arte, cultura, política, filosofia, entre outros assuntos, todos os poemas são ilustrados. O livro está à venda no site da livraria Cultura http://www.livrariacultura.com.br/p/universo-invisivel-46024299 e nas livrarias Nobel Santana e Nobel Santo André)