Opinião

Trabalho: o uso do corpo – Parte I

Redação DM

Publicado em 6 de janeiro de 2016 às 21:53 | Atualizado há 9 anos

Passam-se oito, às vezes mais horas no trabalho, e no final do expediente restam algumas horas para que você possa, finalmente, viver para si. Após bater o ponto, soa o alarme que desperta para a vida, aquela que existe fora das paredes do trabalho, do prédio, do local demarcado para a usurpação de sua força vital.

E, agora, nem contente ou triste, mas com um cansaço que já é inerente ao seu corpo –  corpo esse que conhece cegamente os movimentos repetitivos do dia a dia, que contém um cérebro programado a receber ordens e que se desgasta, ponto após ponto – não consegue fazer outra coisa do que se abastecer de comida e deitar.

E aquele tempo, que era para a vida, foi para o sono, para o descanso, para que no outro dia, você possa se dedicar ferozmente e de forma vivaz, àquele que suga sua energia vital. Logo, todo o momento de seu dia foi dedicado única e exclusivamente para atender aos desejos do sistema, cuja pequena parte de um todo lhe será entregue como pagamento pela dedicação intensa (apenas daquelas oito horas) de labor.

Não contabilizam o outro tempo que conseguiram lhe arrancar pelo cansaço. Não lhe agradecem por aquelas horas a mais que, deixando em casa os seus, ficou mais no emprego para ajudá-los a cumprir a “meta”, perdendo mais tempo de vida, ou de sono.

Mas nem sempre é assim. Muitas vezes o trabalhador encontra no álcool uma forma de “relaxar” o corpo, que parece definhar com o passar dos anos. Afinal, passa a maior parte da vida sendo controlado: pelo horário, pelo uniforme (que mostra quem você é), pelo comportamento (que define o que continuará ou não sendo).

E então, tenta dar evasão àquilo que guarda dentro de si, que não consegue expor e que de tanto guardar, acaba sendo liberado por vezes de modo meio explosivo. Quer fugir da realidade, buscar uma alegria que há muito nem sabe onde está.

Vai a festas. Dança. Dorme. Come. Toma remédio. E sempre, às segundas, retorna ao trabalho. Uma máquina obediente, fiel, focada no pagamento do quinto dia útil. Vai ganhando idade e perdendo habilidades. Torna-se lento, chato, com medo de mudanças. Vai se desmanchando no mundo líquido e tornando-se um vapor que não retorna a lugar algum.

Fica doente. Gasta boa parte do salário com médicos e remédios. Não há mais festas, só em sua lembrança, que agora, às vezes falha, às vezes nem vem. Seu corpo é mais para a cama do que para si. Aliás, nunca foi para si mesmo. Vender-se por tanto tempo tem dessas coisas.

E o que o seu trabalho faz? Te descarta. Te agradece pela contribuição de todos os anos, e só. E agora, que você tem todo o tempo para si, só quer que ele passe mais depressa. Mas os ponteiros ficam mais lentos, você não tem mais sono, e não consegue usar mais o corpo como gostaria.

O que nos resta, então? Nada mais justo para com o nosso corpo e nossa mente tentar trabalhar naquilo que nos dá prazer, que nos faz sentir vivos, não máquinas; que nos faz pensar, não obedecer; que nos faz movimentar, não paralisar. Já que temos que nos vender, que façamos isso com prazer.

 

(Suellen Mara, acadêmica do curso de Ciências Econômicas da UEG – Campus Itumbiara)

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