Cultura

Visibilidade da mulher nas telonas

Redação DM

Publicado em 7 de março de 2016 às 21:26 | Atualizado há 9 anos

 

Akerman viveu o auge de sua carreira nas décadas de 1970 e 1980, lançando filmes que propõe visibilidade a questões simples, até então vistas como infilmáveis. A sensação que se tem durante uma visita aos filmes da autora é de que ela promove um aborto de climas intenso e temas expressivos por natureza, buscando nos momentos de solidão transmitir imagens que coloquem o publico numa atmosfera de tempo real, diante de cenas palpáveis, que poderiam acontecer a qualquer momento: numa ida ao mercado, ao banheiro ou à sacada. Akerman suicidou-se em 2015, aos 65 anos, depois de lutar durante anos contra a depressão. Sua obra vem ganhando visibilidade pela sensibilidade com que retrata a figura da mulher.

A diretora sempre se recusou a lidar com estereótipos pré-concebidos, e nunca permitiu que seus filmes fossem exibidos em mostras exclusivas, como as de cinema LGBT. Ela não gostava de lançar visões “conclusivas” ao teor de seus filmes em geral. Queria que eles fossem tratados como filmes comuns, e não vistos como taxativos. Tal ponto de vista pode ser comprovado em um comentário da autora sobre seu filme ‘Eu, tu, ele, ela’, de 1976, que mostra o amor entre duas mulheres: “Escrevi uma história que eu gostei. Todo mundo pensava que era algo político, mas era uma história de amor normal. Não estou dizendo que é um filme gay, ou feminista. Se eu disser que é, você pode procurá-lo com noções pré-concebidas”.

 “Doméstica e entediada?”

Em 1975, Chantal Akerman entregaria ao mundo o filme ‘Jeanne Dielman’, que em mais de três horas tem como foco principal a figura da protagonista a exercer atividades domésticas rotineiras. A viúva Jeanne, representada pela atriz Delphine Seyrig, mora com o filho e vive uma vida cíclica. À tarde, quando está sozinha, cuida da casa e se prostitui. No site Filmow, o comentarista Edimilson atribui à obra a função de “revelar o papel da mulher em uma sociedade patriarcal e cinza”, através de uma personagem que existe “prostituindo-se e dando toda sua potencia de vida ao filho, não atribuindo nada a si própria e a si não desejando nada”.

Em entrevista à Criterion Collection cedida em 2009, a diretora conta como concebeu a ideia central da trama. “Fiz esse filme para que todas aquelas ações que são invisíveis ganhassem uma vida em vídeo”.  Chantal Akerman usa dos elementos cinematográficos para montar a situação monótona e anticlímax na qual muitas mulheres são colocadas fora das telonas. “Tudo veio muito fácil, é claro, por que eu vivia tudo ao meu redor. A prostituição e o assassinato são um tipo de metáfora. O resto eu conheci tudo em primeira mão. Está no meu sangue”.

Akerman conta ainda como arquitetou a personagem Jeane Dielman para que ela conseguisse visibilidade no filme. “A coisa extraordinária é que ela não é uma personagem comum. Ela é como uma ‘madame’. Se víssemos alguém arrumando as camas ou lavando pratos não iríamos reparar”.  Ela critica ainda a postura dos homens que preferem fingir não perceber a exploração doméstica diária que proporcionam às suas mães, esposas e familiares. “Se víssemos alguém arrumando camas ou lavando pratos nem iríamos reparar. Assim como os homens são cegos às suas esposas a lavar vasilhas. Tinha que ser alguém que não temos o hábito de ver lavando louça”, conclui.

Sexualidade

A sexualidade da mulher é abordada em vários momentos da carreira de Chantal Akerman. No filme ‘Eu, tu, ele, ela’, de 1976, além de explorar uma linguagem cinematográfica mais realista, atentando-se a fatos corriqueiros do dia a dia. As ações são em sua maioria simples e ordinárias. O enredo resume-se em: solidão de apartamento, encontro com um caminhoneiro e uma experiência sexual entre duas mulheres. No filmow, a usuária Rena Zoé define o trabalho como um estudo sobre a solidão. “Ela é completamente deslocada no mundo… Não sabe tomar cerveja, nem acariciar um homem. Mas vai seguindo, forçada a sair do quarto, porque há fome, e então alterna entre esses momentos de solidão pura ou compartilhada”.

Através do filme ‘Os encontros de Ana’, de 1978, Akerman continua a desenvolver sua principal habilidade cinematográfica: a de criar filmes em movimento. A personagem central é uma cineasta que passa por uma série de breves encontros em estações de trem e recepções de hotel. Além de mostrar com competência a solidão do dia-a-dia em uma cidade grande, norteado por compromissos e burocracias, ele reforça mais uma vez o ‘papel’ atribuído à mulher na sociedade. De forma sutil, em um assédio ou outro, a personagem principal mostra sem alarde que sua condição, que puxa todas as andanças e questionamentos do filme.

A diversidade sexual também é desenhada em vídeo por Akerman no longa-metragem ‘Toda uma noite’, uma compilação de várias pequenas histórias que acontecem no espaço de uma noite. Tais acontecimentos, aparentemente desconexos, vão adquirindo um sentido cada vez mais denso à medida que são exibidos em sequência. A partir do discurso de cada encontro podemos construir no final um plano geral do perfil de uma noite. No filme, a sexualidade da mulher ganha destaque em vários momentos. Romances homossexuais também são acompanhados, e o foco não está no sexo: está no esqueleto psicológico das relações.

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