Moro contra Lula
Redação DM
Publicado em 5 de março de 2016 às 22:07 | Atualizado há 9 anosO ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi alvo da 24ª fase da Operação Lava Jato na manhã dessa sexta-feira por ordem do juiz federal Sérgio Moro. Ele recebeu um mandado de condução coercitiva logo no início da manhã e foi levado à sala da Polícia Federal no Aeroporto de Congonhas, na zona sul de São Paulo. Lula estava em sua casa em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, quando os policiais federais chegaram para cumprir os mandados.
A fase intitulada “Operação Aletheia” (Busca da Verdade) foi levada a efeito pela Polícia Federal, após requerimentos da Força Tarefa da Lava Jato composta de procuradores da República que atuam no caso em Curitiba, no Paraná. Segundo os procuradores o objetivo da operação era “aprofundar as investigações sobre as suspeitas de ligação de Lula com o esquema de desvio de dinheiro da Petrobras” e principalmente averiguar a possibilidade de que o ex-presidente tenha recebido vantagens e recursos oriundos desses desvios, como o apartamento tríplex em Guarujá, o sítio em Atibaia e pagamentos feitos ao Instituto Lula.
Além da casa de Lula foram alvos de busca e apreensão apartamentos dos filhos do ex-presidente, sedes de empresas desses e também das grandes empreiteiras envolvidas na Lava Jato, como OAS, Odebrecht, Camargo Corrêa, UTC e Andrade Gutierrez. O Instituto Lula e a empresa LILS Palestras também foram alvo de buscas e apreensões. LILS é a empresa gestora dos contratos de conferências do ex-presidente e é composta das iniciais de Luiz Inácio Lula da Silva.
Prisioneiro
Durante cerca de três horas Lula prestou depoimento na sala da PF em Congonhas e ao sair dirigiu-se para a sede do Partido dos Trabalhadores no Centro de São Paulo. Em entrevista coletiva ele disse que se sentiu “um prisioneiro” ao ser levado coercitivamente para depor pela Polícia Federal. Sua manifestação foi já assumindo posição de ataque ao dizer que “acertaram o rabo da jararaca”, mas “não mataram”.
Lula frisou que a perseguição contumaz que ele, o PT e a presidente Dilma sofrem se deve ao fato dele ter tirado milhões de brasileiros da linha da fome, ter criado vagas em universidades públicas e de ter garantido dignidade para inúmeros cidadãos.
O ex-presidente disse que nunca foi tratado “de uma forma tão violenta, nem mesmo pela ditadura” e que se sentiu um prisioneiro. Sua reação foi acompanhada por manifestações de apoio dos militantes e até de quem serviu a outros governos, como o ex-ministro do governo Fernando Henrique Cardoso, José Gregori.
Gregori, que ocupou a pasta da Justiça levantou suspeitas sobre a necessidade da condução coercitiva de Lula e sobre a capacidade do juiz Sérgio Moro de presidir essa operação de forma isenta. “Você (fazer) logo a condução coercitiva é um exagero. O que parece é que esse juiz (Sergio Moro) queria era prender o Lula. Não teve a ousadia de fazê-lo e saiu pela tangente”, declarou à BBC Brasil. O ex-ministro questionou até a figura da condução coercitiva antes mesmo de ter havido uma convocação não respondida.
Walter Maierovitch, ex-secretário nacional Anti-Drogas, também durante o governo FHC, fez coro a José Gregori e manifestou preocupação para com a legalidade da operação ser colocada sob suspeição. “Acho que buscas e apreensões são atividades normais em investigação. Agora, o que eu estranho, como jurista, é a condução coercitiva do Lula. É algo surpreendente e preocupante”, frisou. E disse ainda que “essa vergonha está acontecendo no país é uma coisa que precisa ser apurada, mas me preocupa quando tem um desvio de legalidade”, finalizou.
Chicote
O ministro do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio Mello, criticou duramente a decisão do juiz Sérgio Moro de mandar conduzir coercitivamente o ex-presidente Lula. “Condução coercitiva? O que é isso? Eu não compreendi. Só se conduz coercitivamente, ou, como se dizia antigamente, debaixo de vara, o cidadão que resiste e não comparece para depor. E o Lula não foi intimado”, fulminou um dos mais atuantes membros do STF.
Adiantando uma linha de análise da Corte Suprema o ministro advertiu: “precisamos colocar os pingos nos ‘is’. Vamos consertar o Brasil”. Mas, prosseguiu o magistrado, “não vamos atropelar”, ensinou. “O atropelamento não conduz a coisa alguma. Só gera incerteza jurídica para todos os cidadãos. Amanhã constroem um paredão na Praça dos Três Poderes”.
A ironia do ministro ficou por conta do argumento do juiz Sérgio Moro de que tomou a decisão de conduzi-lo coercitivamente para assegurar a segurança de Lula. “Será que ele [Lula] queria essa proteção? Eu acredito que esse argumento foi dado para justificar um ato de força e isso implica em retrocesso, não em avanço”. O que o juiz Moro fez, segundo avaliação do ministro, foi “estabelecer o critério dele, de plantão”, o que seria um risco. “Nós, magistrados não somos legisladores, não somos justiceiros”.
Ao final da entrevista concedida ao jornal Folha de São Paulo, o ministro protestou dizendo que “se pretenderem me ouvir, vão me conduzir debaixo de vara? Se quiserem te ouvir vão fazer a mesma coisa? Conosco e com qualquer cidadão?”.
Fazendo uma dura observação ao juiz Sérgio Moro, Marco Aurélio Mello admoestou: “O chicote muda de mão. Não se avança atropelando regras básicas”.
Suspensão
Os advogados do ex-presidente Lula pediram ainda na manhã de ontem ao Supremo Tribunal Federal a suspensão dessa nova fase da Lava Jato. O pedido foi distribuído para a ministra Rosa Weber. Os argumentos são de que há conflito de interesses entre a operação e outra investigação conduzida pelo Ministério Público de São Paulo.
FRASES DE LULA NA ENTREVISTA:
– “Jamais me recusaria a prestar depoimento. Não precisaria ter mandado uma coerção. Era só ter convidado”
– “Antes deles, nós já éramos democratas”
– “Se o juiz [Sérgio] Moro e o Ministério Público quisessem me ouvir, era só ter me mandado um ofício e eu ia como sempre fui porque não devo e não temo”
– “Não sou homem de guardar mágoa, mas nosso país não pode continuar assim. Nosso país não pode continuar amedrontado”
– “O que fizeram com esse ato hoje foi fazer com que, a partir da semana que vem, me convidem, que eu estarei disposto a andar esse país”
– “Eu me senti ultrajado. Se quiseram matar a jararaca, não mataram a jararaca, pois bateram no rabo, não na cabeça. Quero dizer que a jararaca tá viva”
– “Por prepotência e arrogância fizeram um show de pirotecnia. É importante que os procuradores saibam que uma instituição forte tem que ter profissionais responsáveis”
– “Enquanto os advogados não sabiam nada, alguns meios de comunicação já sabiam. É lamentável que uma parcela do Poder Judiciário brasileiro esteja trabalhando em associação com a imprensa”
Principais suspeitas levantadas pelo MPF em Curitiba:
– 47% dos recursos recebidos pela LILS Palestras, entre 2011 e 2014, vieram de empreiteiras envolvidas na Lava Jato: Camargo Corrêa, Odebrecht, UTC, OAS, Queiroz Galvão e Andrade Gutierrez;
– 60% dos recursos do Instituto Lula vieram das mesmas empresas;
– A LILS Palestras e o Instituto Lula, que tem isenção fiscal, tinham uma “confusão operacional”;
– Cerca de R$ 1 milhão foi transferido do Instituto Lula para a G4, empresa de um dos filhos do ex-presidente, Fábio Luís. A PF apura se serviços foram prestados.
– Da OAS, Lula teria recebido um triplex no Guarujá, além de reforma e móveis de luxo no valor de R$ 1 milhão;
– Ele teria comprado dois sítios em Atibaia, em nome de terceiros, no valor de R$ 1,5 milhão;
– Crimes investigados na Lava Jato enriqueceram PT, PMDB e PP e financiaram campanhas eleitorais;
– A OAS teria pagado R$ 1,3 milhão para guardar itens retirados do Palácio Planalto quando Lula terminou o mandato;
– MPF apura se o ex-presidente sabia do esquema de desvio de recursos da petrolífera e se foi beneficiado por ele;