Homo faber
Redação DM
Publicado em 10 de abril de 2016 às 01:56 | Atualizado há 9 anosDentre as capacidades humanas para manutenção da vida, e em todos os processos biológicos, destaca-se o trabalho. Do suor do próprio rosto come-se o pão, e assim, a essencial condição do trabalho é a vida. Das entranhas do trabalho surge a obra, que por sua vez, se difere justamente pela durabilidade e permanência no mundo; independente da duração da vida de quem a criou. Partindo dessas premissas pode-se afirmar que o homem, cada vez mais, se empenha em produzir o seu mundo moderno, conforme a imagem e semelhança do próprio homo faber.
A partir da revolução industrial, o homem passa a deixar, gradualmente, de se preocupar com o pensamento contemplativo, em relação às obras, para serem compreendidas como parte de um processo produtivo, como um bem de valor econômico. O homo faber passou a ver a sociedade e a natureza como mero meio à sua disposição para alimentar o processo produtivo; a natureza foi violentada, ao nível de meros meios, por um fim ultimo de funcionalização.
O homem, considerando o indivíduo social, passou a necessitar de diversos artifícios para compor a própria felicidade; que por sua vez, torna-se uma desolação incurável, onde o objeto de desejo, quando alcançado, jamais cumpre o que a cobiça prometia. O apaziguamento final do furioso ímpeto volitivo, ou seja, a vontade, apenas muda de figura, atormentando o homem de uma nova forma, e, exigindo novas obras do homo faber. Assim, pouco a pouco, passamos a nos servir como verdadeiro alimento do insaciável processo produtivo; devorados pela cobiça de Mamom.
Quanto maior a expansão moderna do consumismo, ou mesmo a capacidade de universalizar os produtos travestidos de felicidade, maior é o risco de deslumbramento com a abundância; cegando, e impedindo o reconhecimento da futilidade, levando a um modo de vida, miserável, que não transcende o mero estar vivo. A miséria dessa atitude não está na ausência do objeto, e sim no desejo de tê-lo a qualquer custo, camuflado em um discurso de necessidade.
A diluição da fronteira entre o valor e o preço envolve o homem à sua animalidade consumidora, e realça o fato de que uma sociedade baseada no consumismo não é capaz de preocupar-se com si, muito menos com o mundo. O homo faber produz, mas dificilmente cuida. A atitude de consumo e o modo de lidar com os objetos, extrapola o inanimado, e, atinge o que é animado, palavra que se refere aquilo que possui alma. Nesse meio, o homem sucumbe a sua própria obra, condena à ruina tudo que toca, e, se torna apenas mais um objeto entre muitos outros.
(Eder Carneiro é escritor)