Desembargador Geraldo Gonçalves e sua utopia poética
Redação DM
Publicado em 9 de abril de 2016 às 03:12 | Atualizado há 9 anosMeu conhecimento com o desembargador Geraldo Gonçalves da Costa dista de quando, ainda aluno da Graduação na centenária Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás, ele já se revelava um jovem assaz estudioso e aplicado, destacando-se, dentre os seus colegas de Curso Jurídico, onde receberia os aplausos gerais.
Os anos se passaram e Geraldo, concluída a Graduação, ingressaria na Pós-Graduação, cursando Processo Civil, área de sua predileção. Viria, após, o magistério superior, lecionando Locação, residencial e comercial, inclusive nos cursinhos, para centenas de alunos, que procuravam receber, com o maior interesse, suas aulas plenas de ensinamentos concernentes à disciplina respectiva. Logo mais, ele seria convidado para ministrar aulas de Processo Civil na Universidade Católica de Goiás, mais tarde PUC – Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Agora, me chega às mãos a ‘plaquette’ “Utopia Poética (coletânea de poemas esparsos que versam sobre o Amor, a Luta, a Dor, a Superação e a Fé”), com generosa dedicatória, e ‘orelha’ do poeta Gabriel Nascente. Nessa ‘orelha’, o poeta assinala: “É uma poesia motivada pelo espetáculo cotidiano da vida, naquilo que ondula entre tristezas, lutas, confissões, renúncias, decepções e alegrias; de sentimentos, sobretudo que se relacionam dentro de um circuito familiar, onde uns se completam com o calor dos outros”. Assim, pelo viés dessa ótica, eu sinto a poesia do doutor Geraldo Gonçalves da Costa, que nos chega pelos versos do ‘Utopia Poética’, como um brinde de lirismo, advertindo a todos que sonhar é preciso, porque, do contrário, ninguém mudará o agror desta realidade: “O homem desumanizado parece/ Argamassa de cimento’, na expressão do vate goiano, de sensibilidade antenada a temas dramáticos do mundo.” No Prefácio, Ney Teles de Paula, também ilustre magistrado, assinala, com clarividência: “O livro ora trazido a lume pelo magister Geraldo Gonçalves da Costa reúne ‘poemas esparsos que versam sobre o amor, a luta, a dor, a superação e a fé’ – uma caminhada que começou com o menino brincando e se banhando no ribeirão dos Dourados, contendo a Serra dos Dourados e a Serra do Atolador, na região abrangente de Cromínia e Mairipotaba (antiga Serrania), extensão de nossa comum matriz municipal – Piracanjuba, o antigo ‘Pouso Alto dos Tropeiros’.”
No poema “Utopia do Amor”, Geraldo proclama:
“Se forte angústia agita minh’alma ferida,/Põe em comoção todo o meu ser/ Forçando-me no íntimo claustro recolher / A meditar na dor, no amor, na beleza da vida. No âmago do espírito, a latejante dor: / Que envolve de sofrimento infindo/ Um coração sedento de profundo amor / Que já sorveu o fel do maldito amor fingido.
Longe, bem distante, um belo ser eu vejo / Para quem converge todo o meu sofrer / Fazendo-me viver de motejo em motejo / Qual Prometeu na corrente a padecer.
Na pureza de um verdadeiro amor, / Sonhei com o belo, o sublime nunca alcançado / Restando apenas a fenecida flor, / Da ilusão de ser amado!”
É a explosão do lirismo, em todo o seu arrebatamento.
No poema “Antagonismo”, o drama vivido pelo poeta:
“Ditoso e desditoso destino / Reserva-me a Providência / Entre felicidade e desventura / Corre célere minha existência.
Com amor e desamor, vitórias e derrotas / Paz e guerra / Construo a essência da vida / Que boa ou má há de ficar.
Minh’alma é um vulcão em chamas
Sentimentos nobres e vulgares me tomam
Na medida em que creio ou descreio na humanidade.”
Eis a síntese do ser existente:
Antítese do tempo e do cosmos
“Que, chorando e sofrendo nasce a morre.
No poema ‘Relembrando’, eis o poeta, reflexivo;
Voltando, em pensamento, pelo tempo que se foi,
Revivo momentos de desventura e prazer
De amores não correspondidos
De amores enternecidos.
Relembro os beijos negados
Relembro os beijos roubados
Beijos de amores brejeiros,
Beijos de amores verdadeiros.
Os tempos da lembrança
São alegres e são tristes
Realidade que existiu, e no pensamente persiste.
Quanto mais o tempo passa
Mais presentes são as lembranças do passado
De outrora, que não mais volta.”
Vem, a seguir, a “Oração de um Advogado”, em que Geraldo dirige a sua prece ao Senhor dos Mundos, pleiteando iluminação para o exercício da nobre profissão, à guisa da Oração de São Francisco.
“Senhor, fazei de mim, no exercício da profissão que abracei, um instrumento de realização do Direito e da Justiça. Quando as poderosas forças do arbítrio se levantarem contra mim, eletrizai o meu verbo com a verdade, e enchei os meus arrazoados da lógica sociofilosófica e jurídica, para que, corajosamente, faça prevalecer a legalidade.
Animai-me de dia e de noite, a fim de que não esmoreça no cumprimento do dever. Postulando o direito do autor, ou defendendo a causa do réu, dai-me sempre a mesma disposição, alentada na fé do triunfo da Lei e da Justiça, fundadas na moral e nas virtudes dos homens, sustentáculos verdadeiros e perenes dos ordenamentos jurídicos.
Ante o juiz venal ou pusilânime, ou os vendilhões do fórum, templo sagrado das lides advocatícias, no seu sentido mais lídimo e científico, concedei-me, Senhor, mais uma vez, a confiança na prevalência da Lei e do Direito, para que possa exercer, com independência, o jus postulandi, defendendo a Constituição da República, e contribuindo para o aperfeiçoamento das instituições jurídicas.”
“(…) Permiti, Senhor, que eu, assim procedendo, faça jus ao título de Advogado que vós mesmo atribuístes a Cristo, vosso Unigênito.
Filho, que pugnou o Direito, defendendo os fracos e injustiçados, vergastou os poderosos e realizou, por fim, a justiça perfeita, salvando a humanidade de seus delitos” (pág. 52).
Mais adiante, a “Oração de um Juiz”.
“Senhor, conserve em mim os mesmos princípios éticos que me guiaram na Advocacia, animando-me pelo estudo constante do Direito, assentado em princípios científicos seguros que me permitam errar menos e acertar mais na realização da Justiça célere, mas segura, guardando-me e livrando-me da soberba do poder transitório e das incompreensões dos vencidos nas demandas, bem como dos afagos insinceros dos vencedores, sem nunca esmorecer no desafio do intenso trabalho judicante, que dignifica e engrandece a quem o pratica com ética, com humanismo e com fé” (pág. 55).
Por derradeiro, homenagens a Sulivan, o pregoeiro do meio ambiente, que morreu a seu serviço. Para Ana Carolina, “uma linda menina com o nome santo”. Para os seus netinhos João Gabriel e Davi Isaac. Para Manuela (‘Manu’), “a sua chegada veio renovar esperanças”.
Campinas de Goiânia, “terra amada, venturosa e querida, terra de tantos amores” (pág.79). Para Lílian, sua devotada esposa, “nos momentos adversos, é determinada e corajosa, nas horas de bonanças, é terna e amorosa” (pág.87). Não esquece nem mesmo o “Pingo”, o cachorrinho solidário. Em “Véspera de Natal”, um apelo: “Voltem, os homens, enquanto é tempo/ à mensagem viva da Cruz / Que restaura a alma sofrida do injustiçado.”
Homenagem para Lílian, esposa do desembargador-poeta, através de uma bela poesia:
“Lilian é, a um só tempo, mulher forte e terna / Que me ampara e estimula para a vida / Nos momentos adversos, é determinada e corajosa, / Nas horas de bonança, é terna e amorosa.
Quando a doença me abateu / Foi ela que, com fé, me socorreu / Amparou-me nos seus braços / Sustentou-me com seu abraço.
Indignou-se quando fui rebelde / Acalmou-me em seu regaço.”
Uma homenagem para “Pingo”, ‘um cachorrinho solidário até na dor’.
“Pequeno e feio como um bicho- do- mato / Eis como é o cachorrinho ‘Pingo’, / Apaixonado por sua guardiã, a vovó Lílian, / Como é do seu comportamento de ‘Yorkshire’.
Gosta de participar de tudo na casa, na alegria festiva ou na tristeza. / Talvez tenha sido por isso, que a mim demonstrou / Solidariedade extrema, / quando fui acometido de um AVC.”
“Também ele (Pingo), parece que, dizendo a si mesmo/ Quero sentir como Você, sofreu repentinamente, AVC,/ ao cair desfalecido da escada de casa.
Mas, como que na mensagem simbólica de vontade e força,/ em curto prazo recuperou todas as suas funções motoras / Comprometidas, dando-me uma lição clara de esperança / E de solidária amizade canina.”
Em “Véspera de Natal”, tal como o Salmo de Davi, o desembargador poeta, como o escreveu o poeta bíblico, criador do Reino de Israel, cantou a “Véspera de Natal”.
(Licínio Barbosa, advogado criminalista, professor emérito da UFG, professor titular da PUC-Goiás, membro titular do IAB-Instituto dos Advogados Brasileiros-Rio/RJ, e do IHGG-Instituto Histórico e Geográfico de Goiás, membro efetivo da Academia Goiana de Letras, Cadeira 35 – E-mail [email protected])